Capítulo 0145: Ogro
Siegfried sentiu seu corpo fumegar quando Lili o abraçou por trás. Os seios macios pressionados contra as suas costas; as mãos explorando-lhe o corpo; os lábios frios beijando a sua nuca.
— Preciso de poder.
Ela sorriu.
E seu sangue explodiu em chamas.
Mas foi Dalkon quem avançou primeiro. Não que tenha feito muito; a sua espada atingiu a coxa do monstro, mas não penetrou a armadura. Faltava mais do que um pouco de força para isso.
Siegfried aproveitou a oportunidade e contornou ambos, se colocando atrás da criatura, enquanto ela estava distraída com Dalkon, que recuava. E saltou — seu corpo tão leve que sentia como se pudesse voar.
Então apunhalou o monstro.
Mas não era apenas a armadura. Sua pele quase parecia ser feita de pedra. Dura como uma rocha. Podia sentir os braços arderem, como se os seus músculos estivessem prestes a se romper com o esforço. Suas mãos sangrando da empunhadura firme. Até que a placa de metal finalmente cedeu e a lâmina se enterrou nas costas do monstro.
A criatura deixou escapar um rugido gutural e se contorceu de dor, lutando para alcançar Siegfried — pendurado em suas costas pela espada.
O movimento brusco forçou o rapaz a arrancar a lâmina e saltar para trás, se afastando. Mas não o suficiente. Assim que entrou no campo de visão do monstro, ele atacou. E já não havia para onde fugir — o alcance dele era grande demais.
Então Siegfried fez a única coisa que era capaz: pegou o escudo, firmou bem os pés e aguardou pelo impacto. Uma decisão da qual rapidamente se arrependeu. Talvez tivesse funcionado contra um humano, mas não contra aquela coisa.
A espada do gigante o atingiu em cheio.
Seu escudo se desfez em centenas de lascas de madeira e desapareceu em um instante. O braço esquerdo recebeu o pior do impacto e pôde ouvir o momento exato em que seus ossos estalaram; não era preciso ser médico para entender que estava completamente quebrado.
E quando deu por si, estava voando. Lançado no ar feito um saco de batatas.
Até que voltou a cair.
O chão surgiu de repente e suas costas colidiram violentamente com a superfície dura, tirando-lhe o fôlego e deixando seus pulmões em chamas. O corpo rolando desajeitadamente pelo chão, antes de finalmente parar. Tão longe da batalha que já não podia mais ver Dalkon ou o gigante.
“Preciso levantar”, mas não conseguia se mover.
Seu braço esquerdo partido estava longe de ser a única coisa quebrada. A queda partiu algumas de suas costelas e o rapaz podia sentir uma pontada de dor, onde perfuravam os seus órgãos internos. Os pulmões queimando em brasas.
Ainda assim, Lili o manteve vivo.
Não podia curar suas feridas, mas não deixava a dor dominá-lo. Tão pouco permitia que morresse. Fogo corria em suas veias.
“Isso é poder o bastante pra você?”, ela sussurrou em seu ouvido. “Posso te dar mais, se quiser. Posso fazer de você um deus. Basta pedir. Sabe o que eu quero em troca.”
Siegfried a ignorou, virou de bruços e empurrou o chão. Com o braço esquerdo destruído, não tinha outra escolha senão apoiar todo o peso do corpo no direito. Os músculos tremendo do esforço, até que finalmente estava de joelhos.
Só então notou que ainda segurava a espada. Tão firmemente como se fizesse parte do seu corpo.
Lura teria achado isso engraçado. E ele também achou.
Espetou a lâmina no chão, em busca de apoio, e começou a se levantar. O esforço fez sua cabeça latejar e de repente se sentiu tonto, mas quando estava prestes a cair, alguém o segurou.
Houve uma pequena prece e seu corpo começou a aquecer de dentro para fora. Um calor sereno e aconchegante, muito diferente das chamas de Lili — que explodiam descontroladas em seu peito.
Seus ossos se moveram por baixo da pele, até se tornarem rígidos novamente. As pontadas de dor que sentia desapareceram e o seu pulmão já não ardia mais. Aos poucos, era capaz até mesmo de mover os dedos da mão esquerda.
Quando terminou, já conseguia ficar de pé sem a ajuda de Ethel. Definitivamente foi uma excelente ideia tê-la trazido.
— O que aconteceu? — perguntou assustada. — Cadê o Dalkon?
— Espere aqui!
E girou nos calcanhares, de volta à batalha. Mas desta vez, Ethel não o obedeceu e foi atrás dele. Bem a tempo de ver Dalkon ser encurralado; sua espada voltou a acertar a armadura do monstro e novamente não deixou mais que um arranhão na placa de metal.
“Ele vai morrer.”
Siegfried avançou feito um lobo atrás da sua presa e atravessou o aço anão logo acima do quadril do monstro, mas a criatura não deu a mínima.
A enorme lâmina de ferro rasgou Dalkon ao meio, descrevendo um arco que desceu do seu ombro esquerdo à cintura. O corpo separado em duas partes, cada uma caindo pesadamente no chão.
Siegfried não pensou; girou o cabo da espada e arrancou a lâmina do quadril do gigante com um puxão, fazendo o monstro tombar sobre um joelho, abalando o chão com o seu peso. Sangue negro escorrendo pelo ferimento, enquanto rugia de dor.
A criatura esticou o braço, tentando alcançá-lo, e Siegfried recuou bem a tempo de vê-la desaparecer diante de seus olhos.
Uma névoa densa engoliu o mundo ao seu redor. Em um instante, nada; um piscar de olhos depois, estava em todo lugar. O próprio monstro, a pouco mais de dois metros dele, se tornou menos que uma sombra indistinta à sua frente.
— Rápido! — disse Ethel, segurando sua mão e puxando-o para longe. — Temos que ir!
Enquanto corriam, a sacerdotisa começou a rezar e Siegfried sentiu o calor da mão dela envolvê-lo. Um fluxo que penetrava nas suas veias e crescia dentro dele. Sentia-se mais forte; seus músculos mais rígidos, suas mãos mais firmes. E até podia jurar que estava mais limpo do que antes.
Além de mais atento.
O chão atrás deles tremeu e Siegfried empurrou Ethel para longe, antes de saltar para o lado.
Bem a tempo de ver a lâmina do gigante afundar no chão onde ambos estavam a apenas alguns instantes. Mas a névoa densa o fez perder Ethel de vista e agora o monstro era tudo o que existia.
E nunca pareceu tão grande quanto naquele exato momento, quando se ergueu sobre Siegfried e o encarou — não com a indiferença animalesca de uma besta qualquer, mas com o ódio genuíno e a malícia típica de um ser inteligente em busca de vingança.
Morte.
Mas não sentia medo.
Siegfried tinha não mais que um metro e setenta e quatro de altura. Insignificante. Mal passava da cintura da criatura — um colosso com quase três metros, que se erguia sobre ele, mesmo quando curvado.
Mas não era a sua primeira vez enfrentando um gigante.
Orcs eram particularmente grandes para padrões humanos, especialmente um orc adulto contra um garoto de onze anos. E não seriam alguns dentes quebrados e um rosnado que o intimidariam.
Os guerreiros de Qaredia não criam covardes.
E Siegfried ainda podia sentir a benção de Ethel pulsando em seu corpo. O toque de Lili ardendo em seu peito. Duas chamas indomáveis lutando dentro dele, colidindo e explodindo em sua fúria. Poder — sagrado e profano.
A criatura abandonou sua espada presa ao chão e avançou de mãos nuas. O corpo musculoso se erguendo sobre o rapaz feito uma onda de carne prestes a envolvê-lo. Nada além de um monstro irracional blindado com uma armadura de aço. E apesar da sua brutalidade e alcance anormal, um animal continuava sendo um animal.
Siegfried aguardou o momento certo e deslizou o corpo por baixo do braço da criatura, quando ela tentou esmagá-lo no chão com um soco.
“Agora!”
Por um breve instante, quando seu punho rachou o chão e provocou um pequeno tremor, o monstro se curvou o bastante para que Siegfried visse seu pescoço exposto por trás do gorjal mal equipado.
Então rasgou sua garganta.
Infelizmente, a pele da criatura era grossa demais para que o aço anão o degolasse por completo. A lâmina dilacerou-lhe a carne e atingiu uma artéria que fez o sangue jorrar em profusão, molhando a grama de negro. Mas não fundo o bastante. Nem seriamente o bastante, ao que parecia.
Ao invés de recuar e fugir como um animal ou soldado qualquer, a criatura enlouqueceu.
Sua boca aberta em um rugido ensurdecedor, ao mesmo tempo em que esmagava o chão com os seus passos e balançava os braços no ar, como se enfrentasse um exército invisível.
Um punho revestido de metal atingiu a cabeça de Siegfried e então acabou. Se tivesse sido feito de propósito, talvez tivesse quebrado o seu pescoço, mas o monstro não sabia o que estava fazendo e o acertou por acaso, tirando-lhe a consciência.
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