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    Já era de manhã quando Siegfried acordou.

    O cabelo manchado de sangue seco e a cabeça latejando. Na hora não tinha notado, mas o soco do gigante havia lhe arremessado a dois metros de distância, onde acertou uma árvore qualquer. Era um milagre não ter quebrado o pescoço…

    “Ou talvez uma benção.”

    E começou a procurar por Ethel.

    O bosque estava completamente destruído. Após apagar, a criatura fez um grande estrago. Árvores inteiras foram derrubadas e o chão estava repleto de buracos onde ela pisou ou esmurrou. Mas não encontrou corpo algum, exceto o de Dalkon.

    O fidalgo estava como o viu da última vez, partido em dois pedaços. Mas agora tinha vermes saindo de suas feridas, se banqueteando da carne podre que o gigante havia deixado para trás. Embora os animais maiores tivessem tido o bom senso de se manterem longe da área de caça do monstro.

    Ethel não estava em parte alguma.

    Assim como o gigante.

    Ambos haviam desaparecido completamente. E a única coisa que restava era a mula, pastando não muito longe do acampamento cigano. E se estava ali, isso significava que Ethel não a levou.

    “Ela morreu”, sussurrou Lili em seu ouvido.

    Mas Siegfried não tinha assim tanta certeza.

    Se fosse o caso, onde estava o cadáver? Não faz sentido o monstro deixar Dalkon para apodrecer, mas devorar a Ethel. E mesmo que o tivesse feito, onde estavam os seus trapos? Quando a criatura devorou os ciganos, deixou pedaços de roupas e bijuterias ensanguentadas para trás. O que não era o caso de Ethel. Não havia nada.

    “Ela fugiu”, era a única explicação. Provavelmente em busca de abrigo ou ajuda.

    Então recolheu suas coisas, pegou a mula e se pôs em marcha.

    Não tinha tempo para dar a Dalkon um enterro adequado, por isso se limitou a improvisar uma lápide de madeira onde estava o seu cadáver. Mas manteve o sobrenome em segredo, já que seria problemático se algum espião tivesse sido capaz de segui-los até ali e reconhecesse o nome Lawgard.

    — Vai ser uma merda explicar isso pro teu pai. Mas a culpa é sua. Devia ter ficado em casa.

    Será que isso fazia de Adrien o novo herdeiro da casa Lawgard? A ideia lhe pareceu engraçada. O próximo barão Lawgard teria ainda mais motivos para odiar Siegfried do que o atual. Por que será que sempre acabava assim?

    Gaelor, Lancaster, Kessel, Silvergraft, Whitefield e agora Lawgard. Todas as casas que conhecia tinham motivos para odiá-lo por essa ou aquela ofensa… Exceto os Dalton. Eles eram legais. Por enquanto.

    Então seguiu em frente.

    Sem a benção de Ethel, Siegfried sentia o corpo pesado e frágil a cada passo. O pescoço doendo e estalando ruidosamente. A garganta seca e os lábios rachados. A cabeça latejando ao ponto de que parecia prestes a explodir.

    Talvez a pancada que levou na cabeça tenha sido mais séria do que julgara?

    Preferia não pensar nisso.

    O vilarejo ficava a apenas vinte minutos de onde Siegfried encontrou o acampamento dos ciganos. Embora chamar de ‘vilarejo’ fosse um exagero. O local contava com a estrutura adequada; casas e comércios. Mas a maioria delas pareciam ter sido abandonadas há muito tempo.

    Dificilmente a população chegaria a uma centena. Isso sendo bastante generoso, porque se tivesse de contar apenas os que via, não chegariam nem a três dúzias.

    E nenhum deles parecia gostar de estranhos.

    As mulheres se apressavam em puxar seus filhos de volta para casa, enquanto os homens saíam e observavam. Todos em silêncio. Não diziam uma palavra antes de Siegfried chegar e ainda menos depois que chegou.

    Um lugar regido pelo medo.

    Mas Ethel era uma sacerdotisa. Ofender ao clero era o mesmo que ofender aos deuses. Ninguém lhe recusaria abrigo e cuidados. O mais provável era que os moradores tivessem competido entre si para ver quem teria a honra de tê-la sobre seu teto.

    “Aposto que ela tá curando uma garotinha doente qualquer ou sei lá. É a cara dela.”

    Então foi até a taverna.

    Embora os moradores fossem pouco simpáticos, um pouco de álcool talvez mudasse isso. Só que não…

    — Não sei de garota nenhuma! — diziam. Alguns mais sóbrios do que outros. — Nem gostamos de vagabundos, então cai fora!

    Depois de algumas tentativas, Siegfried desistiu e pegou uma mesa vazia qualquer, mais afastada e escondida dos demais clientes. Será que haviam dito a verdade? Talvez Ethel tenha se perdido…

    “Ou o monstro levou ela pra sua toca e a devorou”, sugeriu Lili. Quase uma piada de mau gosto.

    Se fosse o caso, talvez os moradores soubessem algo da criatura. Com seu território de caça a não mais de vinte minutos do vilarejo, eles certamente já devem ter sofrido com alguns ataques também. Mas não teve a chance de descobrir.

    De repente, dez homens entraram na taverna.

    Nenhuma palavra foi dita, mas todos os clientes se levantaram e foram embora. Sem correria ou pânico. Apenas deixaram o local, como se nada tivesse acontecido. E assim que o último deles se foi, um dos bandidos trancou a porta.

    Era isso o que eram. Bandidos. Embora um pouco bem vestidos demais.

    O líder deles era um jovem de vinte e cinco anos; cabelos negros, olhos castanhos e roupas boas o bastante para o filho de um barão. Quase parecia um nobre. Mas era duro demais para isso. Talvez um bastardo.

    E como sabia que era o líder?

    Simples: os outros nove o imitavam. Olhavam na mesma direção e se moviam quase em sincronia. Até suas roupas pareciam imitar o estilo dele; um tanto quanto mais sujas e pobres. Alguns deviam ser mais velhos, mas eram poucos e mesmo eles ainda o imitavam.

    O líder então se aproximou calmamente e tomou um assento à frente de Siegfried, enquanto seus homens cercavam a mesa:

    — Soube que está atrás de uma garota — disse, quase formalmente.

    — Uma amiga.

    — Aposto que sim.

    De repente, o taverneiro apareceu trazendo uma única caneca e uma garrafa de rum, mas tão logo se preparava para servi-la, o jovem bandido o fez ir embora com um aceno e serviu-se sozinho.

    Ninguém disse uma palavra, nem se atreveram a tossir ou respirar alto demais. Eram estátuas. E estátuas não fazem barulho.

    O bandido tomou um gole e prosseguiu:

    — E o que você e sua amiga fazem por aqui?

    — Só estamos de passagem.

    — Isso é bom.

    — …

    — Mas, sabe, acontece que esse é um vilarejo de respeito. Não gostamos de vagabundos, ladrões, mendigos… E muito menos ciganos.

    — Eu não sou nenhuma dessas coisas.

    — É o que diz. Ainda assim, aqui estamos.

    — Eu não quero confusão.

    — Não insulte minha inteligência. Você veio atrás da garota. E algo me diz que não foi só pra dizer ‘oi’ e ir embora. Então vou perguntar só uma vez: quantos de vocês estão vindo!?

    Não houve resposta.

    Siegfried estava encurralado, mas ainda assim foi mais rápido que os homens ao seu redor e, antes que tivessem tempo de reagir, decepou o braço de um deles e se levantou.

    De repente, sentiu algo atingir a parte de trás da sua cabeça e foi como ter a sua mente separada do corpo por um instante. Tudo ficou embaçado, então caiu e o mundo desapareceu.

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