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    O interior do salão ia muito além de ‘nojento’.

    O ar, impregnado pelo cheiro pungente de urina, fezes e álcool azedo; uma mistura nauseante que fazia os olhos arderem. O chão, coberto por uma crosta de sujeira espessa e pegajosa que atraía todo o tipo de vermes, pragas e coisas piores.

    Uma longa mesa se encontrava no centro, com espaço para dezesseis pessoas e não mais. Sua superfície abarrotada com barris de cerveja que a pequena trupe de bandidos esvaziava com vigor, sem se preocupar em derramar no chão.

    Tal como Mimosa havia dito, Siegfried encontrou os bandidos caindo embriagados. Nove ao todo, sendo que apenas quatro ainda estavam de pé e acordados. Mas não alerta.

    Estranhamente, não haviam servas ou rameiras. A comida que tinham também parecia ser pouca e muito mal preparada — o tipo de coisa que um caçador perdido na floresta cozinharia.

    “Se tão alimentando aquela coisa há muito tempo, pode ser que simplesmente estejam ficando sem garotas.”

    Siegfried talvez pudesse passar despercebido por eles, se não fosse o líder sentado em um trono de madeira desgastada no fim do salão, bem ao lado da porta que dava para o quarto onde as garotas — e provavelmente o ogro — estavam.

    Bêbado ou não, ele o notaria se chegasse perto. E Siegfried não estava assim tão bem; a vista do seu olho direito se tornara embaçada e a cabeça latejava, para não contar as pontadas de dor que sentia nos pulmões sempre que respirava. Talvez pudesse acabar com os bandidos, mas sua única esperança de matar o ogro naquelas condições seria pegá-lo de surpresa.

    Por sorte, Mimosa já havia cuidado disso.

    A garota se apressou em subir na mesa com sua lira e então todos os olhos estavam nela, embora não fossem olhos de aprovação.

    — Senhores, cavalheiros e bebuns — ela disse e fez uma mesura. — O que seria de um banquete, sem música?! E o que seria da música sem uma inocente donzela para cantá-la?! Infelizmente não encontrei nenhuma pelo caminho, então temo que terão de se contentar comigo.

    E começou a tocar.

    A sua voz, mais doce e suave do que seria de se esperar de uma garota tão libertina. Quase uma donzela de verdade.

    Mas talvez devesse ter tocado algo mais agitado, porque os bandidos logo começaram a vaiar e lhe atirar coisas. Não que isso tivesse afetado a sua performance de forma alguma.

    E estavam tão distraídos que Siegfried conseguiu chegar ao quarto em silêncio, sem problemas. Foi lá que encontrou a criatura.

    O cômodo era pequeno; não mais que uma sala com uma grande cama destruída e alguns móveis apodrecidos. O fedor, tão pungente quanto lá fora — com a adição de novos odores, como perfume e carne podre. Sem janelas, era o bastante para deixar qualquer um enjoado.

    “Cheira a guerra.”

    Três garotas com idades entre doze e treze anos, estavam encolhidas em um canto, chorando feito as crianças que eram. A quarta tinha onze e estava na boca do ogro, que mastigava o seu ombro como se fosse um pernil.

    Siegfried sentiu seu sangue explodir em chamas ao vê-lo.

    “Mate!”, gritou Lili.

    A criatura estava de costas, tal como da primeira vez que a encontrou. Mas desta vez, também se encontrava nua. Sem a sua armadura, podia ver o quão musculosa realmente era. Suas costas e peito cobertas de pelo espesso e cicatrizes — as mais frescas feitas por Siegfried.

    Alguém deve ter costurado as suas feridas, mas não fez um bom trabalho. Os pontos haviam se rompido e o monstro sangrava, embora isso não parecesse incomodá-lo. A melhor parte é que os cortes em suas costas e quadris já começavam a infeccionar, enegrecidos da gangrena.

    Morte. Lenta, mas ainda assim morte.

    Não que o seu sofrimento fosse durar.

    Siegfried se aproximou em silêncio, enquanto as garotas o observavam, perplexas e esperançosas pelo que estava por vir. O rapaz ergueu a espada e cravou profundamente nas costas do monstro.

    A sua pele era dura como pedra, mas sem uma armadura, o aço anão trespassou-lhe facilmente e a ponta emergiu ensanguentada pelo peito da criatura. Se fosse um humano, teria atravessado o seu coração e o matado na hora; mas não fazia a menor ideia de onde realmente ficava o coração daquela coisa, por isso ela não morreu.

    Ao invés disso, soltou um rugido ensurdecedor que fez Siegfried cambalear para trás e, por um instante, tudo ficou em silêncio. Sua cabeça explodiu em dor, seus ouvidos foram preenchidos por um zumbido agudo e sua visão se transformou em uma neblina turva.

    Até que uma silhueta enorme o atingiu no peito e o arremessou para trás, em uma parede.

    O impacto afundou a madeira apodrecida e tirou-lhe o fôlego por um instante. Estranhamente, doeu bem menos do que da última vez. Talvez as feridas infeccionadas do monstro estivessem pior do que julgava? Pode ser que já estivesse apodrecendo por dentro. Um cadáver ambulante. A ideia abriu um sorriso em seu rosto.

    E quando o ogro avançou, Siegfried fez o mesmo.

    Sua vista continuava embaçada, mas era fácil de reconhecer a silhueta monstruosa vindo em sua direção. E o pescoço estava no mesmo lugar de sempre.

    A criatura era burra demais para antecipar o que estava prestes a acontecer e, quando ambos se chocaram, sua espada atravessou-lhe a garganta facilmente. O sangue rubro escorrendo pelo aço anão, tão viscoso como piche, enquanto perdia a força e caía de joelhos.

    Mas o ogro não chorou.

    Medo era para criaturas inteligentes. Covardes. E aquela coisa não passava de um animal, lutando para escapar. Não havia medo nela, não como do tipo que se encontra em um soldado ferido. Nada pelo que se arrepender ou implorar. Era o instinto de sobrevivência dela e nada além disso.

    De alguma forma, isso tirou toda a graça de sua pequena conquista. Então arrancou a espada e a decapitou.

    Estava feito.

    Mas ainda não tinha acabado, por isso pegou a cabeça da criatura e saiu do quarto, enquanto as garotas se abraçavam e choravam em um canto, assustadas demais para fugir.

    Assim que abriu a porta, no entanto, tudo o que viu foram sombras disformes se movendo de um canto para o outro. Quando ficavam paradas, era capaz de identificar mais ou menos quantas.

    “Quatro.”

    Foi idiota de sua parte imaginar que Mimosa teria sido capaz de matar alguns deles.

    Não estava em condições de lutar, mas não tinha escolha. Não podia demonstrar fraqueza. Então jogou a cabeça para dentro do salão e disse:

    — Rendam-se!

    Ou será que imaginou isso?

    Tudo o que podia ouvir era aquele maldito zumbido agudo e incessante. Teria realmente dito algo?

    Talvez não, porque de repente sentiu alguém lhe acertar o braço esquerdo com uma espada. Nem o havia notado se aproximar e o impacto deixou o braço dolorido, mas não mais do que isso. Talvez estivesse tentando decepá-lo? Ou estava apenas bêbado demais? Quem sabe foi apenas um golpe desesperado, que realmente não tinha a intenção de acertar?

    Não importa.

    O idiota não se moveu após o golpe, então Siegfried enfiou o aço anão no seu peito e girou o cabo, fazendo-no cair mole no chão.

    Haviam mais três silhuetas se movendo no salão. Uma delas caiu sem aviso e as outras duas foram em direção à porta, permitindo que o sol entrasse e cegasse Siegfried por um momento.

    Quando deu por si, estava sentado no chão, com as costas na parede. Algo dentro dele lhe dizia para levantar, mas sua mente estava longe demais para raciocinar. Já não controlava mais o seu corpo.

    Talvez a pancada que levou na cabeça realmente tenha sido um pouco demais.

    E dormiu.

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