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    Mimosa acordou um pouco depois do anoitecer; a pele de ébano brilhando de suor e o cabelo negro desgrenhado de tanto revirar-se durante o sono.

    — Cê tá horrível — brincou Siegfried.

    — Cala boca. Eu só preciso de um minuto.

    E se sentou com os joelhos dobrados para frente e as pernas para os lados, formando um W. Mas ainda precisou de um momento para recuperar o equilíbrio e não tombar para o lado. Quando teve êxito no desafio, deu uma olhada ao seu redor e se demorou um pouco mais em Siegfried, como se tentasse lembrar de quem era.

    O rapaz entregou a ela um cantil d’água para se hidratar e curar a ressaca, antes de dizer:

    — Achei o castelo.

    O Castelo Kroft era pouco mais que uma ruína.

    Tal como o taverneiro havia dito, bastou ao rapaz olhar para cima e conseguiu avistá-lo. Ficava dez metros depois do vilarejo, tomado pela vegetação e com as pedras esverdeadas do musgo, mas as suas torres eram mais altas que as árvores.

    Uma estrada de pedra levava da saída do vilarejo até os portões da fortaleza, larga o bastante para que duas carroças passassem lado a lado. Como não havia guardas em parte alguma, Siegfried e Mimosa atravessaram-na despreocupadamente, mas quando chegaram a menos de três metros da entrada, seguiram pelo pântano.

    Só porque não viram ninguém, não significa que não havia ninguém.

    Ao invés de se arriscarem a dar de cara com um pelotão de ogros esperando-os do outro lado, era mais seguro contornar o portão até chegarem em uma área menos exposta. E foi exatamente o que fizeram.

    A água lamacenta na altura da canela, enquanto raízes submersas tentavam agarrá-los.

    — Merda! — reclamou Mimosa, puxando as saias do vestido até as coxas para que não arrastasse no lodo do pântano. Não funcionou. — Eu retiro o que disse, odeio esse lugar!

    — Eu falei pra não usar esse vestido.

    — E queria que eu usasse o quê!? Sou uma garota. Tudo o que eu tenho são vestidos!

    Mas para a surpresa deles, os muros eram altos e firmes. Um castelo que nunca conheceu a guerra — não no último século. Pequenas áreas deterioradas pelo tempo ou o clima, haviam sido reconstruídas com madeira e barro, de modo que não houvesse qualquer brecha digna de nota em sua estrutura. Por sorte, o lorde Kroft não deu tanta atenção à vegetação…

    Havia um motivo para se cortar qualquer árvore que crescesse próxima de um castelo. Siegfried e Mimosa não tiveram muita dificuldade em escalar uma delas e saltar para o lado de dentro.

    Apesar de estar localizado no meio do pântano, o engenheiro que projetou o castelo havia feito um excelente trabalho com o sistema de drenagem; o chão era feito de pedra e não havia sinal de lodo em parte alguma. Tão pouco, guardas. Não havia nada.

    Por um momento, Siegfried considerou a hipótese de terem sido enganados. Talvez aquele lugar de fato fosse apenas as ruínas de um velho castelo, há muito abandonado.

    “Aquele velho enganou a gente?!”

    Percebeu que estava errado quando ouviu os latidos.

    De repente, seis sombras cercaram o casal. Um círculo perfeito, enquanto os cães se moviam ao redor deles como lobos reunindo as suas presas antes do ataque. Os lábios recuados para revelar uma fileira de dentes afiados; o rosnado profundo reverberando em seus peitos.

    Cane corsos adultos. Cães de guarda, robustos e musculosos; setenta centímetros de altura e mais de cinquenta quilos a julgar pela aparência. Eram tão pesados quanto Mimosa, que empalideceu ao vê-los. A garota puxou seu arco-e-flecha e recuou até estar costas com costas com Siegfried.

    — S-Sieg…

    — Fica perto de mim!

    E os cães atacaram.

    O primeiro a avançar foi o ômega; menor e mais magro que o resto do grupo. Medindo a força dos invasores. Siegfried o decapitou com um movimento rápido e então os demais começaram a latir furiosamente.

    O barulho assustou Mimosa, que acidentalmente disparou uma flecha no olho de um dos animais, mas não o matou.

    E então todos atacaram.

    Um deles tentou saltar na garganta de Siegfried, mas o rapaz acertou seu focinho com o escudo e o arremessou no chão, antes de rasgar o rosto de outro que tentou se esgueirar por trás e mordê-lo na perna — o animal recuou, mas não chegou muito longe, antes de Mimosa acertar uma flechada na parte de trás do seu crânio e matá-lo.

    Eram muitos.

    Um deles, com uma flecha no olho, derrubou a garota no chão e por muito pouco não rasgou a sua jugular quando lhe abocanhou a clavícula.

    Mimosa gritou e Siegfried se distraiu ao vê-la por baixo do animal, que rosnava e balançava a sua cabeça; como que tentando arrancar-lhe fora um punhado de carne. Outro aproveitou a oportunidade para abocanhar a batata da perna do rapaz e o aço anão o partiu ao meio.

    A garota já nem conseguia se mover quando ele finalmente a alcançou e chutou a cabeça do cão com tanta força que se ouviu um estalo quando o animal caiu para o lado, embora não tivesse sido o bastante para matá-lo.

    Dos seis cães, três ainda estavam vivos e com fogo nos olhos. Para piorar, podia-se ouvir sons vindos de alguns cantos do castelo conforme os seus residentes se davam conta dos intrusos e vinham investigar.

    Sem opções, Siegfried guardou a espada, largou o escudo e pegou Mimosa no colo. A garota mal estava consciente e havia perdido muito sangue, então ele se apressou e começou a correr. Suas pernas, alvos fáceis para os cães, que no mesmo instante começaram a mordê-las, rasgando-lhe a calça de couro e dilacerando a carne por baixo, enquanto o acompanhavam.

    Não sabia para onde estava indo, mas descobriu onde queria chegar assim que viu uma estrutura de pedra qualquer, com a porta meio aberta e as janelas estreitas bem altas. Uma fortaleza dentro da fortaleza. O lugar perfeito para recuperar suas forças. Então correu para dentro e fechou a porta antes que os cães entrassem.

    Só então notou que era um balneário.

    O piso e as paredes, revestidos com ladrilhos. Ao fundo da sala, uma lareira para manter o ambiente aquecido; e lamparinas a óleo que iluminavam de forma tímida. No centro, uma grande banheira de mármore, escavada no chão — larga o bastante para quinze pessoas ou mais.

    E no centro de tudo, ela.

    Uma mulher esbelta de vinte e seis anos. A água quente escorrendo lentamente por sua pele clara, realçando cada contorno de seu corpo esculpido; seus seios grandes e firmes, o quadril largo e a cintura fina. Se havia nesse mundo alguém mais bela, não se lembrava de tê-la encontrado.

    Os cabelos prateados, longos e sedosos, caindo em cascata pelas costas, com algumas mechas estratégicas tapando-lhe os mamilos. Os olhos, de um âmbar profundo com reflexos dourados, brilhavam de forma sobrenatural na escuridão. As orelhas…

    Siegfried sentiu seu coração gelar.

    As orelhas da mulher eram alongadas e esguias, se projetando diretamente para os lados, com as pontas se estreitando gradualmente até um final afiado e bastante acentuado.

    — Ora! Aí está algo que não se vê todo dia. — A elfa sorriu. — Que surpresa agradável.

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