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    Siegfried observou em silêncio, enquanto Mimosa era minuciosamente inspecionada pela baronesa Kroft. O seu pescoço, negro de sangue seco, já começava a cicatrizar, embora ainda pudesse ver parte da clavícula exposta.

    — Ela tá reagindo bem ao elixir — disse Eroth. — Não precisa se preocupar.

    — Hum.

    — Vocês parecem bem próximos. Gosta dela, não é?

    — Não sei do que você tá falando.

    — Por favor, eu vi o jeito que olha pra ela. Tá na cara que se importa. E por experiência própria, posso dizer com certeza que os garotos só olham assim pra uma garota quando têm o mesmo sangue ou quando querem fazer um bebê nelas. E vocês não parecem irmãos.

    — Somos amigos.

    — Sei. E essa Etheldreda?

    — O que tem ela!?

    — Nada. É só que, bem, você veio até aqui por causa dela. Não é qualquer um que invadiria o castelo de um nobre por uma ‘amiga’.

    — …

    — Sinto muito que não a tenha encontrado.

    — Não importa. Não mais.

    — Então é isso? Fica de vigília por uma amiga e invade o meu castelo por uma garota que não te ‘importa’? Por que se esforça tanto pra afastá-las?

    — Isso não é da sua conta!

    — Hum. Ela deve ter te machucado muito, ein.

    — O quê?

    — A garota que te deixou assim. O que foi? Ela morreu ou ficou com outro? Não. Tem razão. Não é da minha conta. Mas ainda acho uma pena. Só porque ela te machucou, não significa que todas as outras também vão.

    — …

    — Seja como for, a sua amiga aqui vai ficar bem depois de um banho quente. Me faria gentileza?

    Então Siegfried carregou Mimosa até o balneário, onde a água parecia estar sempre aquecida graças a uma fonte termal subterrânea encontrada há séculos, muito antes da família Kroft herdar o castelo e suas posses de um nobre rebelde derrotado.

    Como Mimosa ainda estava um pouco grogue por causa da perda de sangue, coube à Siegfried não deixá-la se afogar, por isso a segurou por trás — peito com costas. Os braços em volta da cintura dela, enquanto Eroth a esfregava de cima a baixo para limpar a sujeira, antes de por fim lavar o ferimento em seu pescoço com um pano de linho úmido.

    Mas não pôde deixar de notar a água escorrendo pelo corpo pequeno e indefeso da garota. A pele delicada em suas mãos — lisa e macia.

    Antes que se desse conta, tinha os dedos deslizando suavemente até o meio das pernas dela por baixo d’água, sem que Eroth notasse. Mimosa ainda estava apenas meio consciente, mas estremeceu com o toque.

    “O que te impede agora?”, podia imaginar Lili em seu ouvido. Sussurrando pensamentos obscuros. Mas ela não fez isso. Estava estranhamente quieta. A última vez que disse algo foi quando o rapaz conheceu Eroth: “ela é perigosa”.

    E tinha razão.

    A baronesa Kroft havia se mostrado mais do que um pouco gentil. Era uma mulher compreensiva, amigável e prestativa. Isso não estava certo. Era uma elfa — e uma nobre. Por que acolhê-los em sua casa? O que queria deles?

    Então lembrou de algo que Eroth havia dito. Uma palavra qualquer que ele mal prestou atenção na hora:

    — O que é uma ‘succubus’?

    — Como?

    — A Mimosa. Você chamou ela de ‘succubus’ mais cedo.

    — Hahaha. Ela? Não, acho que se enganou. Eu estava falando da sua outra amiga.

    Por um momento, Siegfried não entendeu. Então considerou uma hipótese maluca. Algo que não podia ser verdade, mas mesmo assim precisava confirmar:

    — Você pode ver a Lili?

    — Hum. Então é esse o nome dela. Lili. Bastante bonito. Mas respondendo a sua pergunta: não, eu não posso vê-la, embora gostaria disso. Temo que a sua amiga seja terrivelmente tímida. Mas posso ver a sombra que ela projeta em você. Sinceramente, acho mais difícil não ver. Essa coisa é enorme. Você deve tá alimentando ela muito bem pra ter uma sombra desse tamanho.

    — O que quer dizer!?

    — O que quero dizer com o quê?

    — A nuvem. A Lili. Tudo! Do que você tá falando!?

    — Céus! Você não sabe de nada?! Hum. Como eu posso explicar? Você está possuído, garoto. E há muito tempo, julgando pelo tamanho dela. A sua amiga, Lili, é uma succubus. Um demônio da luxúria, se preferir. Se alimenta da depravação e do sofrimento que gera. Mas devo dizer que é fascinante. Normalmente elas não se demoram tanto em um mesmo hospedeiro. Escolhem um crápula qualquer, convencem ele a fazer algo muito idiota, se alimentam do sofrimento causado e então partem pro próximo. Mas ouvi dizer que esses são só um aperitivo, elas gostam mesmo é dos homens íntegros. Soube que a energia que eles geram é mais concentrada e saborosa. Pode alimentá-las por anos. Ou matá-las de fome, se não conseguirem corrompê-lo, mas vejo que esse não foi o seu caso; a Lili me parece muito bem alimentada. Você deve ter feito algumas coisas bem feias, ein.

    Quando a baronesa terminou de falar, Siegfried não tinha palavras. Por um momento, perdeu a força nos braços e quase deixou Mimosa cair na água.

    — Você tá bem?

    — Como eu mato ela!?

    — Matar? E por que você iria querer fazer isso?

    — Você mesma acabou de me dizer. As coisas que ela me fez fazer…

    — As succubi não controlam o hospedeiro. Por isso elas costumam possuir aqueles que já estão mais inclinados para a maldade. Não ouviu nada do que eu disse? Elas não são muito diferentes de uma amiga maldosa te incentivando a fazer besteira. Ela não tem poder sobre você. Mas se quer mesmo matá-la, tudo o que tem que fazer é resistir à tentação. Cedo ou tarde, ela vai ter que sair por vontade própria ou morrer de fome. No seu caso, pode demorar um pouquinho.

    “Resistir à tentação”, quase podia ouvir a risada de Lili em algum lugar bem lá no fundo. Até que lembrou de algo:

    — Ela tem medo de você.

    — E deveria.

    — Por quê?

    — Ora! Sou uma feiticeira. Qualquer demônio com meio cérebro sabe que não se deve mexer com uma feiticeira, especialmente uma elfa. Nós somos a coisa mais perto de um deus entre os mortais.

    — Então pode matá-la.

    — Dentre outras coisas, sim.

    — Eu quero que faça… Vossa graça… Por favor.

    — Ficou educado de repente, ein. — E sorriu. — Hum. Bom, eu não vejo o porquê não. Se estiver disposto a me ajudar também.

    — O que quer que eu faça?

    — Não é sempre que tenho a chance de estudar um demônio. Se não tem interesse na succubus, saiba que eu tenho. E a quero.

    — Feito!

    — Ótimo! — Os olhos dela brilharam com uma doçura quase infantil. — Vou começar minhas pesquisas amanhã bem cedo.

    — Você não pode só exorcizar ela ou sei lá?

    — O quê?! Claro que não! Está louco?! Se eu fizer isso, vou mandá-la de volta pro Inferno. Como espera que eu estude ela se estiver lá? Primeiro, tenho de prendê-la a esse plano. Não quero que fuja. Depois eu tenho que pensar em um jeito de confiná-la em algum lugar. Soube que existem algumas pedras que podem armazenar a alma de um humano. Não vejo o porquê não funcionaria com um demônio também. Enfim, tenho muito o que pesquisar. Até lá, você e a sua amiga dorminhoca são meus convidados.

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