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    Siegfried adormeceu de espada na mão, mas não demorou mais que um piscar de olhos até que Lili o acordasse novamente. Desta vez, tinha tomado a forma de Dara no dia em que a possuiu — nada além de um fino vestido de chemise branco que mal lhe chegava às coxas; o rosto corado e cheio de desejo.

    “Ela não tem poder sobre você”, lembrou do que a baronesa Kroft havia dito. “Tudo o que tem que fazer é resistir à tentação.”

    Mas como poderia resistir àquilo?

    Era a sua terceira noite no Castelo dos Ossos. E Lili não deixou de atormentá-lo nem um segundo sequer. Não desde que soube do plano de Eroth. Agora parecia ainda mais faminta do que nunca. Nem sequer permitia que ele dormisse na cama; do contrário, acordaria no meio da noite com ela montada em cima dele e então se tornava quase impossível resistir a ela.

    Também não dormia mais. Não de verdade. E já começava a confundir sonho com realidade.

    Não saberia dizer quando, mas houve ao menos uma ocasião em que Lili se passou por Lavina e Siegfried quase a possuiu, pensando ainda estar no Salão Branco. Mas a garota fantasma agiu de forma atrevida demais e ele foi capaz de perceber o teatro a tempo.

    Depois disso, passou a dormir no canto do quarto… Ou pelo menos, tentou.

    E lá estava Lili de novo. A essa altura, a succubus já havia tentado todas as formas possíveis — de Lavina à Anna, mas também Beth e até Gwen. Em dado momento, se passou inclusive por Lura e fez o coração de Siegfried acelerar de tal modo que se passaram horas até que pudesse abrir os olhos novamente; do contrário, a teria tomado ali mesmo.

    Mas Dara era a sua favorita.

    Quando tomava a forma dela, Siegfried não podia desviar os olhos ou ignorar suas palavras.

    — Por que está sendo tão frio comigo? — disse Dara. Não. Lili. Era a Lili! Era um demônio. Uma succubus. Lembre-se! — Pensei que me amasse.

    — Você não é ela.

    — Você desistiu de mim.

    — Calada.

    — Você fugiu! Me deixou pra trás!

    — Calada!

    — Por sua causa, vão me casar com um estranho qualquer! Eu te dei tudo, mas mesmo assim você foi covarde demais pra me salvar!

    — CALADA!

    Siegfried se pôs de pé em um salto. A mão direita em carne viva e os dedos duros como pedra após passar suas últimas três noites sem soltar o cabo da espada uma única vez — e ainda assim, a sua empunhadura permanecia firme.

    Estava pronto para decapitá-la, mas não encontrou a coragem necessária para fazê-lo. Não enquanto ela estivesse no corpo de Dara.

    Ao invés disso, acertou a parede.

    O aço anão abriu um corte com três centímetros de profundidade na pedra — que a essa altura já havia colecionado meia centena de cortes ao longo dos dias. Outro golpe e então mais um, de novo e de novo. Não saberia dizer quantas vezes.

    Seus braços queimando de dor. O corpo cansado demais para raciocinar. Quanto tempo se passou desde que Lili começou a assombrá-lo?

    De repente, sentiu alguém abraçá-lo por trás. Os braços finos em volta da sua cintura, enquanto o puxava para trás, até que estivesse longe demais para acertar a parede.

    — Sieg! — chamou Mimosa. — Para! O que você tá fazendo!?

    Era realmente ela? Não tinha certeza, mas o seu coração se acalmou e, antes que se desse conta, caiu em sono profundo. Em dado momento, ouviu Mimosa e Eroth conversando, enquanto a elfa lhe examinava e acendia alguns incensos, mas foi só bem mais tarde que o rapaz acordou e encontrou Mimosa sentada em uma cadeira ao lado da sua cama, dedilhando as cordas de sua lira, mas sem tocar nada de fato.

    Assim que a garota percebeu que Siegfried tinha aberto os olhos, deixou escapar uma única nota e sorriu:

    — Você acordou!

    — O que você tá fazendo aqui?

    — Sério que essa é a tua primeira pergunta?! O que parece que eu tô fazendo!? — Mas então se acalmou e estava quase tímida quando disse: — Você cuidou de mim. Tô só retribuindo o favor.

    — Saia.

    — O quê?!

    — Saia!

    — Tá de sacanagem, né?

    — …

    — Pelo menos vai dizer o motivo?

    — Eu não quero te machucar.

    — Ah! Claro! Isso esclareceu muita coisa. Agora, que tal ser um pouco mais específico e me dizer o porquê você iria querer me machucar!?

    — …

    — É por causa da succubus, né?

    — Como você…?

    — A baronesa me contou. Todo mundo já sabe. E você saberia disso se não passasse o tempo todo trancado nesse quarto. É por isso que tá com medo de mim?

    — Eu não quero te machucar.

    — Você não vai.

    — Você não sabe disso.

    — Sei sim. Você nunca me atacou antes. Nem quando estávamos na estrada, nem quando eu estava bêbada. Não vejo o porquê agora seria diferente.

    “Isso não é verdade”, mas não teve coragem de corrigi-la.

    Não a atacou na estrada, porque tinha a mente cheia e precisava estar atento caso um bando de salteadores surgisse; e quando estava bêbada, o rapaz se apressou em sair do vagão e procurar pelo castelo o mais rápido possível, justamente porque temia o que poderia ter feito a ela se ficasse.

    E mesmo assim chegou muito perto.

    Mimosa não parecia se lembrar do que havia feito com ela no balneário, mas isso só deixava tudo ainda pior. Não podia mais confiar em si mesmo. Teria sido fácil culpar a Lili. Dizer que havia sido ela quem o manipulou, mas seria mentira e agora sabia disso.

    Naquela hora, quando estavam na banheira…

    “O que te impede?”, não foi ela quem disse isso. Foi ele mesmo. Mas o que mais? O quanto dos seus pensamentos eram de Lili e quantos eram dele?

    O rapaz olhou para a sua mão.

    “Não devia tê-la tocado.”

    Esteve perto de cometer o mesmo erro que tinha cometido com Beth.

    — Você gosta de mim?

    A pergunta pegou Siegfried desprevenido. Por um momento, não soube o que responder, então Mimosa insistiu um pouco mais:

    — É por isso que tá com medo de me atacar? É isso que ela te diz pra fazer?

    — … À-às vezes… É.

    — Hum. Pra ser sincera, cê não faz muito o meu tipo. Mas eu meio que já imaginava. Quero dizer, a gente passou um tempão viajando juntos. Duas semanas é muito tempo, ainda mais pra um garoto. Era a mesma coisa quando eu me juntava com uma caravana. Os garotos começam a ficar impacientes quando passam muito tempo sozinhos com uma garota. É pra isso que existem as rameiras. Você devia tentar.

    — Não sou esse tipo de cara.

    — Não. Você é do tipo que se tranca no quarto e fica fantasiando comigo. Olha, por mim tudo bem. Pode continuar se torturando, se quiser, mas não é a sua única opção.

    — …

    — E aí?

    — O quê?

    — Hum. Nada. Esquece.

    Então Mimosa levantou e foi embora.

    Mas será que ela tinha razão? Certamente seria melhor pagar por uma rameira ao invés de lutar contra seus impulsos e correr o risco de atacar uma garota inocente. Por outro lado, não seria exatamente isso o que Lili queria? Que cedesse aos seus desejos?

    E quanto a Dara? Lura? Lavina?

    Estaria traindo elas ao fazer isso… Mas já não o estava? Traiu Lura com Dara e Dara com Lavina. Que diferença faz adicionar também uma ou duas rameiras na equação? A quem tentava enganar? Não era cavalheiro nenhum. E Mimosa nunca escreveria uma canção sobre a sua devoção, pois não havia uma mulher nesse mundo que Siegfried não tivesse traído.

    A que votos se prendia?

    Abandonou Dragoslav. E Dragoslav o abandonou. Não tinha deuses. Não mais.

    “Mas sem isso, quem eu sou?”

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