Índice de Capítulo

    Blossom conduziu Siegfried e Mimosa até a porta de ferro no final do corredor do primeiro andar e, depois, à escadaria de pedra por trás dela — que descia até uma câmara subterrânea.

    Nada para iluminar o caminho deles, exceto por uma ou outra tocha na parede de vez em quando. Cada uma, a cerca de cinco metros da última, de modo que passassem a maior parte do tempo no breu, com pequenos lampejos de luz. O rapaz contou quatro tochas antes de chegarem ao final, onde deram de cara com um corredor de celas — as grades de ferro, grossas como o seu braço.

    “Uma prisão.”

    E em cada cela, uma sombra. Mas Siegfried podia enxergar muito bem e notou que os cativos não eram humanos. Animais. Cada um deles, grande como um homem adulto.

    Quando deu por si, Mimosa pegou a sua mão; os dedos entrelaçados aos seus, enquanto abraçava o seu braço. Deixando que o rapaz a conduzisse; incapaz de tirar os olhos das sombras espreitando nas celas:

    — Q-que lugar é esse?

    — O berçário — respondeu Blossom, sem olhar para trás ou interromper o passo.

    — Berçário? — Mimosa parecia incrédula, então voltou a olhar para as celas, desta vez com mais atenção. — M-mas… Essas coisas…

    Antes que pudesse terminar sua frase, no entanto, os três deram de cara com o final do corredor e Blossom abriu outra porta de ferro, fazendo com que uma rajada de vento frio os atingisse; Siegfried sentiu o seu coração parar por um instante e Mimosa começou a tremer tanto que não conseguia se mover, mas Blossom nem reagiu.

    — Por aqui — disse a serva, entrando na sala.

    Lá dentro, encontraram um laboratório iluminado por uma dúzia de lamparinas a óleo dispostas ao redor do cômodo, de modo que não houvessem áreas obscuras em parte alguma.

    O cheiro de substâncias químicas e fumaça no ar, vindo do atanor localizado no centro da sala — o forno alquímico, aceso enquanto destilava algum líquido qualquer. Mas não oferecia calor real, de modo que a sala fosse absurdamente fria.

    As paredes de pedra, escondidas atrás de vários armários e prateleiras de madeira, contendo todo o tipo de ingredientes, talismãs e livros, dispostos de forma perfeitamente organizada. Além de uma mesa no canto oposto da sala, com diários, tinta, pena para escrever, pergaminhos soltos…

    E Eroth sentada na ponta da mesa.

    Assim que os viu, a elfa sorriu e se levantou:

    — Ia embora sem se despedir?

    — …

    — Confesso que fiquei um pouco surpresa. Achei que quisesse a minha ajuda.

    — Eu queria…

    — Mas não quer mais?

    Quando Siegfried não respondeu, o sorriso gentil da baronesa Kroft desapareceu. Estava furiosa e não fez questão de esconder:

    — Temos um acordo. Você me prometeu a succubus.

    — É, eu lembro.

    — Não gosto de mentirosos.

    — Não sou seu escravo! E você também não cumpriu a sua parte do acordo. Estamos indo!

    — E pra onde exatamente?

    — Não é da sua conta!

    — Sempre tão desrespeitoso. — Estranhamente, Eroth sorriu. — Mas talvez queira ouvir o que eu tenho a oferecer, primeiro. O que me diz?

    — …

    — Foi o que eu pensei. Sabe como o Império de Dirin caiu?

    — Guerra. É sempre guerra.

    — Hum. Quase. De fato, perdemos muito graças à revolta dos escravos. Mas essa foi só a cereja do bolo. A culpa foi de Elyon. Aquele mentiroso e oportunista. O falso deus e padroeiro desse povo desprezível. Foi ele quem libertou a primeira das Grandes Cidades, roubou a nossa maior frota e fugiu para o mar com milhares de escravos. Nós perdemos bons soldados à caça deles. Homens e mulheres que nunca mais foram vistos.

    — E depois disso, mais escravos se revoltaram e vocês perderam outras cidades. É, eu lembro de ter ouvido algo assim nas Terras Verdes.

    — Claro que ouviu. Mentiras. Até a última delas. Nosso império jamais cairia pelas mãos de uma gentalha tão insignificante. Escravos derrubando o maior império que já existiu. Humpf. Nem se o Inferno congelasse. Não. Foi aquele desgraçado traidor. O meio-elfo bastardo. Ele fez um pacto com os antigos deuses élficos. Criaturas velhas, decrépitas e cheias de rancor contra seu próprio povo, por terem superado eles. Magia fez de nós nossos próprios deuses. E eles nos abominaram por isso. Tudo que precisavam era de um elfo de mente fraca para libertar a fúria deles. Demorou, mas encontraram. E o Inferno caiu sobre nós. A escória pensa que nos derrotou, mas não. Foram os nossos próprios deuses invejosos que fizeram isso. E nós voltamos a destruí-los, mas não sem pagar um grande preço por isso.

    — Linda história. Agora, quer ir direto ao ponto?

    — Estou chegando lá. Você diz ter visto o meu marido no pântano, então deve ter visto também os meus bebês.

    — Os ogros?

    — Não. Eles não. São… Úteis, sem dúvida. Mas não passam de um experimento fracassado. Me convenci de que poderia forçar a evolução dos homens. Disse a mim mesma que podia torná-los melhores. Guerreiros à altura dos elfos. Mas acho que não se pode fazer uma boa espada com ferro podre… Ou algum desses ditados esquisitos que os homens usam. Francamente, não entendo nada de metalurgia, nem me importo. Mas acho que você entendeu.

    Siegfried levou a mão ao cabo da espada, mas Eroth não pareceu notá-lo e seguiu em frente:

    — Aquelas coisas desenvolveram um apetite por carne humana. Mulheres, particularmente. E não eram assim tão inteligentes, um deles se perdeu há alguns anos e só recentemente soube que foi morto… Por você. Eu forcei um homem ao ápice. Transformei ele em um guerreiro implacável. Mas você o matou. Um rapaz de o quê? Doze anos? Treze?

    — Dezessete!

    — Dá no mesmo.

    — Você ainda não disse o que quer.

    — Impaciente como sempre. Pois bem! Eu quero Thedrit. Em chamas e destruída. Quero que cada homem, mulher e criança que adora a Elyon veja o Inferno. Quero soltar meus monstros no mundo e vê-los se banquetear com a carne desse povo imundo e nojento. Quero derrubar seus templos e rasgar seus textos sagrados com minhas próprias mãos. Quero que essa terra afunde no mar e seja pra sempre esquecida. Não. Melhor. Quero que todos lembrem dela e do que acontece àqueles que desafiam o Sacro Império de Dirin. E quero que você seja o meu campeão. Que arrase essa terra maldita, assim como arrasaram minha pátria há muito tempo.

    — E se eu recusar?

    — ‘Recusar’? Hahaha. Querido, e quando foi que eu pedi a sua opinião?

    Eroth sussurrou algo em élfico e Siegfried sentiu um calafrio lhe subir a espinha quando a morte o beijou na nuca. Seus instintos tomaram conta e o rapaz viu o seu corpo se mover sozinho, puxando pelo escudo a tempo de interceptar quando uma sombra saltou em cima dele, vindo de suas costas.

    Siegfried recuou e só então pôde ver o monstro em toda sua glória.

    Um crocodilo. Não. Uma aberração da natureza. A figura era imponente, com um corpo robusto e musculoso que facilmente ultrapassava um metro e oitenta de altura. A pele espessa e coberta de escamas que variavam entre tons de verde e cinza, como uma armadura natural.

    A cabeça, alongada e achatada, reminiscentes de um crocodilo, com um focinho largo que abrigava fileiras de dentes afiados — tão longos que se projetavam para fora mesmo quando tinha a boca fechada. Os olhos, pequenos e intensos, estavam posicionados no topo da cabeça, permitindo-lhe uma visão abrangente do ambiente.

    Uma fusão grotesca entre homem e réptil.

    Levou um momento até Siegfried parar de prestar atenção na criatura e perceber que tanto Mimosa como Blossom haviam sumido.

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