Capítulo 0162: Por isso eu odeio magia
Por um momento, quando sua espada atingiu o ar, Siegfried pensou que tivesse errado… Até ver o sangue escorrer rubro pela lâmina. A sensação familiar de trespassar carne macia.
De repente, o ar tremeluziu e o rapaz viu o corpo da mulher-cobra materializar-se na sua frente. O rosto pálido e molhado de suor; os olhos lutando para se manterem abertos, enquanto o aço anão lhe atravessava o peito, não muito abaixo do seu coração.
A voz rouca e sussurrante, quando tentou dizer:
— M-minha…
Mas Siegfried não tinha tempo para suas últimas palavras, por isso girou bem o cabo da espada e fez questão de mutilar o máximo de seus órgãos internos antes de arrancar a lâmina da forma mais bruta possível.
A mulher-cobra abriu a boca, como se quisesse gritar de dor — a voz não saiu, mas as lágrimas sim. E quando o rapaz se afastou, ela esticou sua mão direita, tentando alcançá-lo. Dor. Medo. Por um breve instante, quase pareceu humana.
“Mas não é!”
Então se virou e foi até a porta.
A essa altura, metade da sala estava em chamas e a fumaça lhe cobria o corpo, queimando-lhe os pulmões conforme tentava respirar. Mas bastou a Lili tocá-lo para que a dor desaparecesse e o seu sangue se tornasse fogo.
Embora a porta fosse de ferro, o rapaz sentia-se forte como um touro e precisou de não mais que um único chute para derrubá-la. As dobradiças se romperam de imediato, o batente se desfez como se fosse feito de areia e a enorme porta de ferro atingiu o chão com um estrondo.
Com a passagem livre, a fumaça escapou antes mesmo que tivesse tempo de pôr o pé do lado de fora. E lá estava ela…
— Impressionante — disse Eroth. — Confesso que temi pela sua vida por um instante. Cheguei mesmo a pensar que meus bebês pudessem de fato matá-lo. Mas claramente estava errada, não é?
Siegfried ignorou os comentários e se aproximou lentamente. O corredor, vazio. Ninguém além da baronesa Kroft. Mas tinha que tomar cuidado. As quimeras de antes também apareceram do nada.
“Você só tem uma chance”, sussurrou Lili em seu ouvido.
— Vocês dois fazem uma bela dupla, sem dúvidas. Nunca me ocorreu que uma succubus pudesse oferecer ao seu hospedeiro tamanho poder… Ou será que todo esse poder é na verdade seu? Ora! E isso não seria interessante?
Siegfried estava a pouco mais de cinco metros da elfa, quando disparou em sua direção, cobrindo a distância entre eles em uma fração de segundos e, antes que Eroth pudesse fazer algo, ele a partiu ao meio.
O aço anão rasgou suavemente a carne macia e abriu a baronesa do ombro esquerdo ao umbigo. A lâmina esmagando-lhe os ossos e dilacerando órgãos. Por muito pouco não a dividiu em duas.
Estava morta.
Por isso ficou bastante surpreso quando ouviu o encantamento sussurrado em élfico sair de seus lábios moribundos e molhados de sangue, antes de ser empurrado para trás… Não. Atropelado.
Uma rajada de vento frio atingiu seu peito com a força de um cavalo de guerra. O impacto trincou seus ossos, mas o pior foi o frio. Por um instante, sentiu seus órgãos pararem completamente; seu sangue, gelo puro; a carne queimada de frio. Foi como se afogar em um lago congelado — a água fria enchendo-lhe os pulmões.
Quando terminou, estava caído no chão. De volta à entrada da sala em chamas; quase oito metros da baronesa Kroft. Seu coração bombeando calor de volta ao corpo, enquanto lutava para se mover.
Não devia ter subestimado uma feiticeira. Não devia ter subestimado uma elfa.
Eroth continuava de pé. O braço direito esticado, segurando uma varinha feita de gelo cristalino de quinze centímetros. O seu corpo inteiro brilhando com uma intensa luz verde, conforme duas partes voltavam a se tornar uma. E antes que o rapaz se desse conta, ela estava inteira novamente.
Mas não incólume.
O seu vestido continuava rasgado, com um corte que lhe expunha completamente o torso coberto de sangue fresco. Não apenas isso, Siegfried viu medo nos olhos dela e foi como soube que havia chegado muito perto de matá-la.
“Ela não é invencível”, e notar isso o encheu de vigor.
Então levantou. As extremidades do corpo ainda dormentes e o sangue gelado correndo em suas veias — moroso como um rio, conforme o frio dava lugar ao calor e o rapaz parava de tremer. Mal conseguia fechar a mão em volta do cabo da espada, mas precisava continuar.
De repente, Eroth caiu de joelhos e Siegfried se apressou em avançar.
“Rápido!”, gritou Lili. “Antes que ela…”
Mas era tarde demais. Quando estava a não mais de três metros da elfa, deu de cara com algo que não estava lá. Uma parede invisível. Embora não pudesse vê-la, era sólida como uma parede de pedra.
Quando tentou contorná-la, percebeu que tinha a forma de um domo, protegendo Eroth de todas as suas tentativas de alcançá-la. Para sua surpresa, nem mesmo o aço anão era capaz de danificar a barreira.
— Seu bárbaro! — disse a elfa, ajoelhada dentro do domo. A boca úmida de sangue fresco e a voz carregada de raiva. — A violência é a única coisa que você entende, não é?! Não passa de um cão. Um animal.
De repente, seus olhos escureceram e o âmbar profundo com reflexos dourados deu lugar a um negro carvão que lhe cobriu mesmo o branco dos olhos. Nada além de escuridão e um abismo sem fim. Sua voz sobreposta, como se algo macabro ecoasse as mesmas palavras conforme dizia:
— Pensa que pode me desafiar!?
E antes que o rapaz se desse conta, a escuridão ganhou vida ao seu redor e sombras se tornaram tentáculos pegajosos que agarraram seus braços e pernas. Grudentos como piche e gelados como a neve.
— Eu vou pôr uma coleira em você!
Quando tentou se soltar, mais deles se enrolaram ao seu redor, fazendo-o perder o equilíbrio e cair no chão. Mesmo então, mais tentáculos surgiram, esmagando-lhe os ossos lenta e dolorosamente, conforme o número aumentava. Um deles, quase tão grosso como o braço de um ogro, se enrolou ao redor do seu tórax e começou a apertá-lo de tal modo que podia sentir seus pulmões queimarem sempre que tentava respirar.
Até que algo se levantou das sombras…
A criatura ergueu-se do chão, saindo de baixo de um manto de tentáculos negros que aos poucos se desfizeram, escorrendo pelo seu corpo até desaparecerem em fios negros de escuridão.
Ao contrário dos homens-crocodilos, o monstro usava uma armadura — e essa armadura era a única coisa que conseguia ver; se havia algo por baixo dela, não sabia dizer. Suas placas de aço eram de um negro absoluto, devorando a luz de tal modo que mesmo Siegfried era incapaz de vê-la. Uma escuridão ainda mais profunda que as sombras.
Na verdade, era mais fácil perceber os objetos ao redor refletindo uma tênue luz do que o próprio monstro; uma mancha de escuridão deslizando silenciosamente pelas sombras; um espectro sombrio que parecia distorcer a realidade à sua passagem.
Por um momento, a criatura quase lhe pareceu familiar. Levou um instante para lembrar que se parecia muito com o cavaleiro negro que via em seus pesadelos. O mesmo que matava a mulher bonita da cabana.
A criatura brandiu uma espada tão negra quanto ela mesma e essa foi a última coisa que o rapaz viu.
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