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    A cela da masmorra era pequena, fria e úmida, tal como uma prisão devia ser… Mas aquilo não era uma prisão; era o laboratório de Eroth. E não se passava um único dia sem que a elfa visitasse Siegfried.

    Ao contrário do Salão dos Poucos, que contava com uma única cela comunitária, o Castelo dos Ossos tinha uma para cada prisioneiro, embora o motivo estivesse longe de ser o conforto de seus cativos. Muito pelo contrário.

    Cada câmara possuía não mais que dois metros de largura por três de comprimento; praticamente o mesmo tamanho da cama da baronesa Whitefield no Salão Branco, embora definitivamente fosse bem menos confortável.

    O mais perto de uma mobília que havia no local era o balde que lhe servia de latrina. Embora sua adição fosse menos pela sua higiene e mais para evitar que a baronesa Kroft tivesse de pisar em excrementos quando vinha visitá-lo — o que fazia com bastante frequência.

    — Como está se sentindo? — perguntava a elfa, sempre com um sorriso amigável no rosto, como se realmente se importasse. — Tenho a sensação de que hoje é o dia.

    E então o examinava.

    Toda manhã, Eroth lhe trazia três frascos de vidro do tamanho do seu polegar e forçava Siegfried a bebê-los. O vermelho queimava sua garganta até sangrar; o amarelo parava seu coração por meio segundo; e o rosa tinha gosto de cereja. Uma vez que se certificava de que o rapaz havia engolido todos, ia embora e voltava novamente de seis em seis horas para avaliar o seu progresso.

    Primeiro abria bem os seus olhos e o observava por pelo menos trinta segundos, antes de fazê-lo abrir a boca para que pudesse ver também seus dentes. Não fazia a menor ideia quanto ao que a feiticeira procurava, mas não parecia encontrar e isso a deixava ranzinza:

    — Você é bastante teimoso, não é?!

    A partir do terceiro dia, passou também a apalpar o seu corpo, centímetro por centímetro — sempre em busca de algo que não estava lá. Para deixar seu trabalho mais fácil, Eroth decidiu que o rapaz não precisava de roupas e, desde então, estava sempre nu.

    “Então é assim que um animal se sente.”

    Desde que foi capturado, Eroth e Blossom eram as únicas pessoas que Siegfried via. Além delas, nada senão paredes de pedra úmida com fungos e mofo crescendo por entre as frestas. E embora a parede dianteira fosse feita com barras de ferro grossas e meio enferrujadas que davam uma boa visão do corredor, havia bem pouco para ver.

    A cela em frente a sua era ocupada por outra das criaturas da baronesa Kroft; um homem-crocodilo de escamas amarronzadas e o estranho hábito de se encolher assustado na escuridão sempre que pegava Siegfried o observando — embora tivesse quase dois metros de altura e fosse claramente mais musculoso.

    De vez em quando podia escutar a Mimosa gritar em uma cela próxima, quando recebia a visita de Eroth. Durava cerca de meia hora e então… Nada. A garota mantinha-se em silêncio por horas a fio; provavelmente desmaiada, uma vez que voltava a escutá-la chorando bem mais tarde.

    Mais de uma vez tentou falar com ela, mas nada conseguiu com isso. Se Mimosa o escutava, não fazia questão de respondê-lo; e os seus gritos só deixavam as quimeras ainda mais agitadas.

    Talvez pudesse tentar se aproximar das grades e ter um vislumbre da cela dela, se Eroth não tivesse feito questão de pô-lo a ferros.

    Seus pulsos, presos por grilhões — cada um dos quais, preso a uma parede oposta, de modo que seus braços estivessem sempre abertos e muito bem esticados. No seu pescoço, assim como ela havia prometido, estava uma coleira — presa ao chão, de modo que não pudesse se levantar. Os seus pés, acorrentados um ao outro.

    Duas vezes por dia, Siegfried era solto por quinze minutos, para que pudesse usar o balde; e exceto por esses breves momentos, não podia se mover. Ironicamente, os monstros de verdade que Eroth mantinha ali embaixo não estavam acorrentados.

    “Talvez eu seja mais perigoso que eles”, brincou.

    Sua alimentação consistia em pão velho e água, duas vezes por dia, porque a baronesa Kroft era uma mulher generosa. Mas, vez ou outra, Blossom lhe trazia os restos de comida do almoço ou janta escondidos nas roupas e era como um banquete naquele lugar.

    Por isso, quando viu a jovem entrar escondida na sua cela ao anoitecer, o seu estômago começou a roncar. Ela tirou um pedaço meio comido de empada fria dos bolsos, se ajoelhou e o ajudou a comer enquanto conversavam.

    — A Mimosa — disse Siegfried. — Ela…?

    — Está bem — completou Blossom. O seu rosto vazio de emoções. — A lady Eroth está satisfeita com o progresso dela. Isso é bom. Você também devia parar de resistir.

    — É isso que eu tô fazendo?! — E sorriu, mas a garota não achou graça, então deixou de lado as brincadeiras. — Ela tá me transformando numa daquelas coisas, não é?

    De repente, Blossom congelou. A cabeça baixa e as mãos trêmulas. Medo era a única emoção que a jovem conhecia. Medo de Eroth, para ser mais específico. Das primeiras vezes que tentou tocar no assunto, ela fugiu imediatamente.

    “Mas não dessa vez”, por isso pressionou um pouco mais.

    — Blossom.

    — …

    — O que ela fez com você?

    — O quê?! E-eu não… Ela…

    — Ela tentou te transformar numa daquelas coisas, não é?

    — N-não… Ela não…

    — Por isso você fugiu.

    — Não!

    — …

    — E-ela não fez… Ela… E-ela é minha mãe. Eu nunca…

    Siegfried não soube o que dizer. Blossom em nada se parecia com Eroth. Tão pouco exibia qualquer traço élfico. Seria uma bastarda?

    De repente, a garota se levantou.

    Exceto quando a baronesa Kroft estava ali com a sua lamparina, não havia luz na masmorra. Mas a escuridão não chegou a ser um problema. Tanto ele como Blossom podiam enxergar muito bem.

    Então assistiu, enquanto a garota desamarrava o vestido cotehardie e deixava o tecido deslizar até o chão; em seguida, fez o mesmo com o vestido de chemise e as saias. Quando terminou, estava completamente despida e não fez questão de tentar esconder isso. Aparentemente, timidez era outra emoção que Blossom desconhecia.

    O cabelo ruivo na altura dos ombros. Seus seios pequenos e pouco desenvolvidos. Sem o vestido, ficava claro que não era completamente reta; seu corpo tinha a forma de uma pera, com os quadris um pouco mais largos e os ombros estreitos. Sua pele lisa, fina e suave. Uma garota bonita… Até o rapaz ver o seu pênis — pequeno e parcialmente desenvolvido, com uma abertura semelhante à vagina; um órgão deformado e estranho ao corpo feminino de Blossom.

    Foi quando começou a prestar atenção em outros detalhes menores que não havia percebido antes.

    Sua barriga exibia uma enorme cicatriz que ia do peito ao umbigo. E nem tudo era dela. Alguns de seus membros haviam sido costurados juntos da mesma forma que se costura uma boneca. Podia ver também que certas partes eram ligeiramente mais ou menos bronzeadas. Pequenos detalhes que custava a perceber, mas lhe saltavam aos olhos uma vez que os notava.

    Quando Siegfried não encontrou a voz, Blossom prosseguiu. As mãos trêmulas desencontradas e alisando o próprio corpo, como se não soubesse bem o que fazer com elas. Sua voz hesitante pela primeira vez, enquanto dizia:

    — Ela me deu a vida. E-eu nunca fugiria dela. É só que às vezes, eu lembro de… E-eu não sei… Vozes. Imagens. Sensações. Coisas que não vivi. Elas me deixam confusa. Me fazem fazer coisas estranhas. Coisas que eu não quero fazer.

    — Você lembra delas — concluiu Siegfried. — Das garotas que a Eroth usou… Pra fazer você.

    Então lembrou dos rumores.

    Pensou que a baronesa Kroft usava as garotas para dar de comida aos ogros, mas e se na verdade fossem peças de reposição para a Blossom? Outra das suas quimeras, tal como os homens-crocodilos, a mulher-leão e a mulher-cobra?

    A mulher-cadáver.

    Foi então que sentiu seu sangue gelar ao pensar em algo. Já sabia a resposta antes mesmo de ter feito a pergunta, mas precisava ter certeza:

    — Ethel.

    Blossom recuou assustada e Siegfried se irritou:

    — O seu rosto… Você não é ‘parecida’ com ela, não é?!

    — …

    — O QUE VOCÊS FIZERAM!?

    — Por favor não me odeie — disse Blossom de imediato, esbarrando nas palavras. Quase parecia a ponto de chorar, mas monstros não têm lágrimas.

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