Capítulo 0168: Guerreiro de Qaredia
Depois que Elliot Kroft abaixou a viseira de seu elmo em forma de caveira, não havia mais brechas em sua armadura reluzente.
O seu peitoral ornamentado com três caveiras em relevo, formando um triângulo — símbolo da casa Kroft. Uma capa de veludo azul klein por sobre as placas de aço polido. E para completar: a espada negra de Siegfried, empunhada com duas mãos.
— Eu conheci seu pai, sabia? Um homem bruto e violento. Sua casa era o campo de batalha, e sua esposa, todas as rameiras do sul. Estou surpreso que mais bastardos como você não tenham dado as caras antes.
— Eu não sou filho do conde Gaelor.
— É o que dizem. Eu não acredito. Essa espada é toda a prova de que preciso. Acha que eu não sei sobre a cultura dos anões? Um idiota poderia pensar que você roubou. Ha! Nunca! Eles jamais permitiriam a um humano chegar perto de sua forja. Pra eles, suas armas são tão sagradas quanto os nossos templos. E não tem como um fedelho feito você ter matado um deles. Soube que treinam as suas crianças por quase duas décadas antes de mandá-las pro campo de batalha. Nada menos que um cavaleiro feito seria capaz de derrotá-los em combate. Isso eu garanto. E mesmo que você tenha usado algum truque sujo, essa espada é longa demais. Claramente não foi feita pra um anão. Não. Ela foi feita pra um humano. Ouso dizer que foi feita especificamente pra você. Mas por que os anões lhe dariam um presente tão valioso? Eu só consigo pensar em um motivo: a sua mãe era uma anã, não é? Aquele desgraçado do conde. Deve ter se sentido em casa entre piratas e mercenários. Que tipo de acordo eles fizeram? Algum pacto de casamento? Uma aliança entre o Reino dos Anões e a Casa Gaelor? Ele vendeu Thedrit pros anões?
— …
— Humpf! Não importa. Duvido que um moleque como você saiba de algo mesmo. Mas Thedrit já tem o seu próprio conquistador, bem aqui.
E atacou.
Siegfried estava com o braço em volta do ombro de Mimosa, apoiando o seu peso nela, enquanto tentava ignorar as costelas trincadas perfurando suas entranhas. Mas assim que o barão Kroft se lançou em sua direção, os seus reflexos tomaram conta…
Afastou Mimosa com um empurrão e se manteve de pé sozinho, interceptando o seu ataque com a espada longa que usou para matar o ogro. Podia sentir o peso do aço anão contra a sua lâmina; e seu ombro direito estalou diante do impacto. Não era boa ideia bloquear aço anão, mas não teve escolha e pagou o preço por isso.
Seus ossos pareciam prestes a rachar a qualquer instante e o barão Kroft não deixou de notar isso. Mesmo que não pudesse ver seu rosto por baixo do elmo, era evidente a empolgação em sua voz:
— Minha esposa gosta de você. Diz que será um verdadeiro monstro quando despertar.
— Sua esposa é maluca!
— Hahaha. Disso não se discute. Ela insiste que não devo matá-lo. Não antes de você transformar esse continente inteiro em um deserto. Que seja. Ela vai se cansar de você, assim como cansou da sua namoradinha.
— …
— Oh! Você já sabia, não é?! É por isso que essa vadia te ajudou a escapar? O que foi? Lembrou ela da primeira vez que vocês foderam e os dois decidiram fugir juntos? Isso é quase fofo.
— Vai se foder!
— Só que ela não é a sua namorada. Não. Essa daí morreu agonizando naquelas masmorras.
— …
— Ela chamou por você, sabia? Dia após dia, após dia. Enquanto a minha esposa abria ela de cima a baixo, arrancava seus órgãos e mantinha ela viva. Acordada. Em agonia. Sempre em agonia.
Siegfried sentiu seus olhos queimarem quando Lili o beijou e fogo correu pelas suas veias. Mas também sentiu outra coisa. Algo mais profundo dentro de si. Adormecido, embora inquieto.
— Sabe o que fizemos com o corpo dela depois que minha esposa terminou?
— …
— Demos aos ogros. E eles saborearam cada mordida. Eu te dou as fezes, se quiser. Assim pode dar um enterro digno pra ela e prestar as suas homenagens.
Siegfried deixou sua raiva tomar conta e, ao invés de palavras, a única coisa que saiu de sua boca foi um rugido animalesco. Sua espada ressoando no peitoral ornamentado da armadura do lorde Kroft. Uma vez e depois outra. E embora a lâmina não fosse de aço anão, ainda amassou o metal e abriu uma fenda em uma das três caveiras.
Elliot Kroft recuou três passos, tomando distância e recuperando a postura. Mas assim que havia se afastado o bastante, uma flecha atingiu seu ombro esquerdo. Só então o nobre pareceu lembrar de Blossom:
— Sua vadia! O que pensa que…
Mas não teve tempo de terminar sua frase. Siegfried avançou feito um animal selvagem e o lorde Kroft ergueu a espada bem acima da cabeça, aguardando até que ele estivesse próximo o bastante, antes de descer o aço anão com toda a sua força. De repente, já não parecia mais tão animado quanto antes.
Bastou a Siegfried tocar de leve na lâmina com a sua espada para mudar completamente a trajetória do golpe. O aço anão afundou no chão e o barão Kroft ficou exposto.
Então acertou a nuca do fidalgo.
Ouviu-se as placas de aço racharem e algo estalar por baixo delas. O sangue escorrendo rubro por entre as frestas da armadura, enquanto o barão Kroft segurava a espada com a mão esquerda e o ferimento com a direita, vendo a manopla voltar manchada de vermelho.
— Seu…
Novamente, outra flecha o atingiu. Desta vez no quadril. Então quebrou a haste e voltou a sua atenção para Blossom, que estava há pouco mais de seis metros deles, se aproximando cada vez mais para não correr o risco de atingir Siegfried por engano.
O barão abandonou seu duelo e partiu para cima da jovem, mais rápido do que seria de se esperar de um homem no seu estado.
E antes que Blossom tivesse tempo de pôr outra flecha no arco, o aço anão atingiu seu estômago com tamanha violência que arremessou a garota a dois metros de distância. Sem uma armadura, a lâmina atravessou a carne macia dela como se fosse feita de manteiga. As tripas ameaçando escapar a qualquer momento, enquanto o sangue escorria violentamente.
Mas o seu pequeno momento de descontrole lhe custou a batalha.
Antes que o barão Kroft tivesse tempo de se virar, Siegfried já o havia alcançado. A lâmina afiada atravessou a armadura de aço, rompendo-lhe os músculos e os ossos. Trespassando suas costas e saindo pelo peito.
— Acabou! — disse Siegfried, antes de arrancar a espada com um puxão.
O barão Kroft tombou para a frente. O sangue escorrendo pela armadura e formando uma poça vermelha escura aos seus pés. Morte. A espada escorregou por entre seus dedos fracos. O corpo pesado dentro da armadura, lutando para se manter de pé. Mesmo assim, não caiu. Não desistiu.
Quando tentou dizer algo, a sua voz saiu fraca e abafada demais para que pudesse escutar o que dizia por baixo do elmo.
E assim que viu Siegfried se aproximando, tentou recuar, apenas para ser atingido na perna por uma flecha que o fez cair de joelhos. Blossom estava de pé novamente. O vestido rasgado no estômago, manchado de vermelho amarronzado e sujo. As entranhas visíveis. O tipo de ferimento que teria matado uma garota comum, mas não uma boneca.
Quando Elliot Kroft tentou pegar a espada caída ao seu lado, Siegfried pisou na lâmina e disse:
— O conde não era meu pai. Minha mãe não era uma anã. Mas você tinha razão sobre uma coisa: nada menos que um cavaleiro feito poderia matar um guerreiro de Qaredia.
E enfiou a espada no estômago do lorde Kroft.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.