Capítulo 1 - Prólogo
Uma forte luz ofusca a visão de certo alguém. Por mais bela que a luminosidade pareça, nem sempre ela significa um bom presságio.
No epicentro dessa claridade dourada, há um rapaz em uma situação péssima. Ajoelhado ao chão, tem os pulsos e pernas amarrados. Seu pescoço, restrito aos grilhões dourados, sequer permite que ele se mova para observar os arredores.
Ainda que completamente restrito, o homem não possuí um olhar de arrependimento ou muito menos abatido.
Em um sorriso de lado, a vista dele finalmente é limpa e a paisagem abaixo se torna nítida. As pessoas estão se divertindo, cultuando um festival e aproveitando as suas vidas.
一 O que é tão engraçado, criminoso? 一 Uma voz feminina com um tom etéreo revela-se. Em simultâneo a fala, o som de passos com salto alto aproxima-se do homem restrito.
Ao lado da esfera luminosa que enclausura o rapaz, a mulher loira com vestimentas básicas, mas nobres, admira o ambiente festivo abaixo ao lado do prisioneiro.
一 Eu já tava com saudade de você, Adikia…~
一 Me poupe do seu papo furado. 一 De braços cruzados, a loira o encarou com desdém usando o canto dos olhos.
一 Só é engraçado pensar que… mesmo explorados… ou sem qualquer noção da verdade, as pessoas ainda conseguem achar um tempo pra sorrir…~ 一 Respondeu o homem enquanto ria. O tom baixo da fala não permitia que a mulher desfrutasse do seu sofrimento.
一 É por esse motivo que você lutava? Desejando a liberdade dos outros… Que piada. 一 Os olhos dela se reviraram com tamanha tolice.
一 Talvez pra você seja um motivo idiota… mas eu já fui uma daquelas pessoas… Alguém como você não consegue entender o que é ser livre… 一 O homem complementou com um suspiro de alívio.
一 E onde “ser livre” te trouxe, Raisel Forsch? 一 Em alto tom, seu semblante expressou a sua fúria. Os olhos dourados, como os dele, ainda estavam imaculados de qualquer tingimento escuro.
一 Do que adiantou a liberdade, se tudo o que você fez te trouxe aqui?! Preso e prestes a sofrer a pena de morte! Você chegou longe, mas acha que tudo isso valeu a pena?! Destruir reinos, assassinar Arautos das Constelações…
No fim, ela se virou para ele. A feição decepcionada contrasta com a sua frustração.
一 Você devia ter escutado o meu aviso em Roderich… Eu pensava que você era como–
一 Adikia! 一 Ao ouvir aquelas palavras, a interrompeu. O semblante dele se ergueu. O cabelo liso castanho abre espaço para os olhos amarelados oscilantes que deslizaram para a direção da mulher.
一 Você é… o Arauto de Sagitário… A Imperatriz da Cidade da Justiça… Nossos papéis são… completamente diferentes.~ 一 O prisioneiro voltou a rir.
Porém, em um balançar de mão da loira, a espada de luz cravada nas costas dele, simplesmente afundou mais ao ponto de atravessá-lo.
一 Basta da sua voz… Logo após o festival, você será executado ao público e feito como exemplo do que não se fazer. Um homem com tanto potencial, mas que sucumbiu para a desordem… É realmente lamentável… 一 Suspirou enquanto o fechava novamente no domo ofuscante.
一 Faltam mais dois dias para o seu fim, Raisel Forsch. Reflita sobre os seus pecados. 一 Com as últimas palavras, Adikia caminhou em direção aos aposentos do prédio real e desapareceu sob o balançar das cortinas.
Na varanda, restou apenas o sentenciado sob o céu estrelado e o luar.
A cabeça do rapaz cai para observar os próprios joelhos.
“Meu fim… Se esse for mesmo o fim, eu dei o meu melhor. Por todas as pessoas que eu salvei, que eu perdi e que eu conheci…”
Conforme a festa acontece nas largas ruas da cidade, as memórias do início de tudo começam a surgir sobre a vista dele. Afinal, sua única companhia agora é a sua mente…
“Sinto saudade daquela época… Acordar cedo, descer para o vilarejo, caçar e passar o dia com o pessoal…”
Em meio às lembranças, Raisel adormece com um breve sorriso de lábios perante o casulo dourado que o envolve.
Nessas memórias distantes, o som dos pássaros ganha notoriedade sob a sua mente.
Voltando para quatro anos atrás, uma vila pacata de poucas casas surge.
Apesar da simplicidade, os campos são verdes e a paisagem ao fundo é estonteante com aquele nascer do sol.
No topo do morro mais afastado das outras casas do vilarejo, uma janela de madeira se abre e um garoto respira fundo o ar refrescante daquela manhã.
Com um sorriso no rosto, os olhos amarelados por baixo do cabelo liso arregalam-se em um exalar de pureza.
一 BOOOOOOOOOM DIA! 一 Exclamou Raisel em um grito logo no início do dia.
Os pássaros próximos voam de susto e a voz ecoa morro abaixo.
一 Acordou cheio de energia hoje em, Ray…
Passando pelo corredor, um homem transporta um barril. Com braços largos e um físico excelente, trata-se de um senhor entrando na terceira idade, no auge dos cinquenta anos. Esse é Yurga.
A voz do velho é calma e tranquila, mas também carrega um riso breve pela cena que sempre se repetia quando o garoto estava de bom humor.
一 Claro! Hoje eu definitivamente recebo o meu Glanz e aí vou poder ficar mais forte que você, vovô! 一 Estendendo aquele sorriso de bochecha a bochecha, o garoto desceu da cama e se encaminhou até o homem alto que seguiu para o lado de fora da casa.
一 Seria bom caso você ficasse mais forte mesmo, Ray… 一 Deixou o barril sobre o gramado no lado de fora da casa ao se abaixar.
一 Mas não precisa apressar as coisas. Não é por só receber um Glanz que você vai me superar… 一 A mão de Yurga pousa sobre a cabeça do menino; chacoalhando-o de um lado para o outro.
一 Uh… uh… uh… Para com isso! Quando você vai parar de me tratar igual criança? Eu já tenho quinze anos! 一 Reclamou Raisel enquanto se solta do palmo enorme do mestre.
一 Hm… É mesmo? Então vai levar esse barril pro Tejin, seu porrinha! 一 Erguendo mais a voz, Yurga dá alguns passos para trás e age como um velho rabugento conforme ria.
Com um chutezinho na bunda do menino, o provoca uma última vez enquanto volta para dentro da casa novamente.
一 Hmpf… Tu vai ver só, velho folgado! 一 Retrucou o menino com um semblante nada contente ao ser tratado daquela forma.
Ao aproximar-se do barril, ergue o mesmo com ambas as mãos até o peitoral.
“Que pesado! O que caralhos tem aqui dentro?! O vovô tava carregando sem nem suar!”
Os joelhos de Raisel se flexionam brevemente por conta do peso, mas isso não o impediu de caminhar, ou muito menos de tentar carregar o barril da mesma maneira que o mestre para tentar competir com ele.
De passo em passo, o garoto desce a trilha até o vilarejo sem ceder.
Após alguns minutos, o menino resolve fazer uma pausa já no começo da vila.
O barril é solto no chão com cuidado e o antebraço é usado contra a testa para tirar um pouco do suor.
Ao parar ali, Raisel observa os arredores com as bandeirinhas espetadas de uma casa a outra, as lanternas penduradas e as barracas de madeira construídas dividindo a rua.
一 Bom dia, irmãozão Ray!
一 Oi, irmãozão Ray!
一 Já tá trabalhando logo cedo, irmãozão Ray!?
Os trigêmeos de cabelos claros como a neve, Kali, Lila e Lavi cercam o garoto.
一 Eaí, Kali! Essa espada de madeira foi você que fez? Tá bem daora!
A criança de cabelo curto ondulado sorri alegremente.
一 Oi, Lila! Essa presilha nova é bem bonita!
A criança de maria-chiquinha fica envergonhada e recolhe os ombros com a cabeça baixa.
一 Pois é, Lavi… O velhote já me mandou entregar esse barril pro Tejin. 一 Respondeu Raisel para a criança mais alta e com a franja sobre o olho esquerdo.
一 Você vai poder brincar com a gente mais tarde, irmãozão Ray? A gente criou uma estratégia pra derrotar o Vilão dessa vez! 一 Pergunto Kali enquanto escora a espada de madeira no ombro.
Confiantes, os trigêmeos sorriam orgulhosamente.
一 Vou sim. Depois do almoço eu venho aqui pra gente brincar, tá bom?
Junto da resposta, Raisel coloca o palmo sobre a cabeça dos três gentilmente em um cafuné curto.
一 Eba! Eba! Eba! Até depois, irmãozão Ray!
Os três pulam de alegria e voltam a correr pelo vilarejo enquanto se despedem em conjunto.
“Francamente… Esses três cresceram muito…”
O rapaz sorri e volta a carregar o barril até o destino.
Sem mais pausas e após um curto tempo, Raisel finalmente chega em frente a casa do comerciante do vilarejo, Tejin.
一 Tejin! Tá aí?! 一 Perguntou com um tom de voz alto ainda do lado de fora.
一 É você, Ray? Tô aqui nos fundos! 一 Imediatamente, uma voz masculina mais afinada respondeu em mesmo tom.
Arqueando uma das sobrancelhas, Raisel fica curioso sobre o que ele está fazendo no pomar tão cedo.
Circulando a casa, o garoto caminha até lá e encontra Tejin.
Vestindo o seu sobretudo branco, o monóculo no olho direito, as orelhas pontudas e o cabelo negro como a noite, era o Tejin agachado em frente à algumas mudas.
一 Já tô terminando aqui… São os materiais que eu pedi pro Yurga?
一 Não sei, ele não me disse o que é… Mas deve ser, tá bem pesado.
一 Pode deixar aí… Já tomou café da manhã? 一 O meio-elfo se levantou enquanto limpou as mãos de terra em um pano sobre as coxas.
一 Pior que ainda não… 一 Com alguma fome, Raisel colocou a mão na barriga.
一 Pode pegar uma fruta ali como agradecimento. Fala pro Yurga que eu sou grato pela ajuda. 一 Conforme Tejin dizia, ele retirou uma varinha da cintura e apontou para o barril. A energia do comerciante envolveu o objeto que começou a flutuar seguindo os movimentos da mão do mesmo.
“Ele faz isso com tanta naturalidade… Ser um feiticeiro deve ser bem legal.”
Com alguns passos, o garoto se aproxima de uma árvore com frutos azulados e retira um para comer apesar de não saber qual fruta era aquela.
Em uma mordida, o sabor adocicado surpreende o menino que arregala os olhos.
一 Caramba, isso é gostoso! Qual é o nome dessa fruta?
一 Tifra, é típica do Reino de Klagum. Ela é amarga, mas o Kimich me ajudou a deixar ela doce. 一 Ao dizer, Tejin contorna a casa em busca de adentrar com o barril e guardá-lo.
一 Klagum? Não é o nome do lugar que a Calamidade da Doença destruiu? 一 Raisel acompanha o comerciante estando logo atrás dele.
一 É sim, mas pelo o que eu soube, ainda tem algumas coisas lá… Então não foi tudo destruído.
一 Entendi… E por que o Kimich deixou essa fruta doce? Ela é tão ruim assim normal? 一 Questionou Raisel enquanto voltou a comer.
一 Essa Tifra tem outro nome que você com certeza já ouviu. Sabe a “Fruta dos Pesadelos”? Então, é essa fruta aí.
O barril é deixado na sala usada como armazém com diversos outros caixotes.
Ao ouvir isso, os olhos de Raisel se arregalaram e ele engole no reflexo.
一 QUE? AQUELA FRUTA QUE FAZ VOCÊ MORRER NA PRIMEIRA MORDIDA!? 一 Exaltado, estava prestes a arremessar longe aquele fruto.
一 Não precisa se desesperar… Por isso eu pedi ajuda pro Kimich e ele conseguiu encantar ela usando a Alquimia. Aí a “maldição” dessa fruta se desfez.
Em um suspiro aliviado, o garoto começa a comer novamente com um olhar estreito.
一 Orelhudo maldito… Isso foi de propósito, né?
Tejin ria, mas sempre trabalhando. Dessa vez, começou a contar algumas moedas.
一 Talvez, talvez…~ Toma, me faz um favor. Leva esse dinheiro pra senhorita Carmen.
一 Beleza, mas em troca separa mais algumas dessas Tifra pra mim.
一 Combinado.
O meio-elfo sorri e entrega o saquinho com moedas para Raisel que agarra com a mão esquerda e sai.
一 Falou, Tejin. Se cuida.
一 Até. Você também…
O comerciante então fecha a porta da casa após se despedir.
“Senhorita Carmen, né…”
Ao pensar na mulher, a única imagem que lhe veio à mente do rapaz são os seios dela.
“Que merda! Por que ela é tão exibida!?”
Ao chacoalhar a cabeça para os lados, Raisel dissipa essa imagem impura e começa a andar com mais pressa por estar envergonhado.
Até chegar lá, a fruta já está completamente triturada no estômago.
Conforme se aproxima do seu destino, do lado de fora, a mulher ruiva trabalha cortando alguns Coelhos Pintados. Os mesmos que haviam sido pegos por Raisel e Yurga anteontem.
一 Bom dia, senhorita Carmen…
A açougueira bastante concentrada ouve a voz de Raisel. Ela levanta a cabeça e sorri gentilmente.
一 Rayzinho, bom dia!~ Como você tá?
Apesar do avental cobrir a parte da frente avantajada, por ser baixinha, os seios dela eram bem evidentes.
Era difícil para o garoto se comunicar com ela encarando-a nos olhos.
一 Urgh… Bem, bem… E você? 一 Com certa pressa, ele desviou o olhar e se virou de lado para ela.
一 Poxa…~ 一 Com uma voz manhosa, fincou o cutelo sobre a mesa com agressividade. Nisso, vem a dizer em um tom ameaçador:
一 Eu vou ter que te picotar inteirinho igual eu fiz com o Yurga pra você aprender a conversar com as mulheres, R-a-y-z-i-n-h-o?
O garoto se arrepia inteiro e rapidamente se vira para ela em choque.
一 M-M-Me desculpa, senhorita Carmen! 一 Exclamou e, ao fundo, é possível ver Yurga “congelando” ao sentir algo ruim.
一 Mãe, já disse pra você parar de assustar as pessoas desse jeito! 一 Com um tapa na nuca da baixinha, a filha de Carmen, Raquel apareceu para salvar o dia.
一 Ai…~ Eu só tava brincando com ele, tá bom? Era brincadeira…~ 一 A mulher de meia idade ponhou uma das mãos sobre a ardência, mas de modo dramático, estava quase chorando.
Raquel coloca uma tigela de vidro sobre uma mesa ao lado. Essa tigela, cheia de grãos, ervas e temperos, provavelmente seria para passar na carne dos coelhos.
一 Desculpa por isso, Ray… Você sabe que é o jeito dela de demonstrar carinho fazendo essas coisas, né?
Diferente da mãe, Raquel é uma menina mais esguia e de cabelo longo ruivo, mesmo que seja bastante bonita com os olhos azulados e alta.
一 Tá de boa… Obrigado por ajudar. 一 Raisel respirou fundo e sorriu ao vê-la. Sempre se sentia mais confortável ao tê-la por perto.
一 Eu trouxe esse dinheiro que o Tejin mandou. Quer que eu coloque lá dentro?
一 Não precisa. Pode entregar pra mim. 一 Com um sorriso gentil e as bochechas levemente rubras ao ver Raisel, a menina estendeu uma das mãos para pegar o amontoado.
一 Aliás, Ray, tem alguma coisa pra fazer agora?
一 Não, por quê?
一 Tá faltando um pouco de lenha… Eu e a mãe estamos ocupadas… Você pode pegar um pouco pra gente? Aí você leva comida pra almoçar com o senhor Yurga.
Após ouvir, o rapaz parece pensativo ao desviar os olhos para o céu.
“Com a Raquel aqui, é mais tranquilo lidar com a Carmen… O velho também gosta da comida delas. Parece bom…”
一 Beleza. Precisa de quanto?
一 Corta o suficiente pra três dias. É só pra não ficar faltando na hora do festival mais tarde.
一 Certo.
Os dois jovens sorriam um pro outro.
Vendo de fora, Carmen curva o canto da boca ao notar “climinha” entre eles.
一 Rayzinho… quando você vai me dar netinhos?~ 一 Com uma das mãos na bochecha, sorriu como se tivesse dito algo insignificante. Todavia, ao ouvir aquilo, tanto Raquel quanto Raisel travaram.
一 M-MÃE!
Raquel é a primeira a sair da paralisação e a balançar a senhora pelos ombros de um lado para o outro.
Totalmente avermelhada como os cabelos, a jovem deseja enfiar a cara em um buraco enquanto a cruel Carmen apenas ria.
Raisel, por outro lado, apenas seguia sem graça com um riso. Então, pouco a pouco, se afastou para os fundos da casa em busca de cortar a lenha para as mulheres.
“Eu me casar com a Raquel? Já pensei nisso algumas vezes… Mas ter filhos? Nem pensar, ainda é muito cedo…”
Colocando um tronco após o outro, Raisel divaga em pensamentos enquanto o corpo age sozinho.
“Eu quero ser um Nômade igual o mestre foi. Viajar por todo o continente, indo do sul à norte de Wynward… Só que pra fazer isso com menos riscos, preciso de um Glanz.”
O machado divide a madeira em tabletes repetidas vezes.
“Uma benção de uma Constelação faz total diferença… Por mais que as pessoas possam ter seus poderes usando Gewissen, a manifestação da consciência de cada um… A interferência de um Glanz pra amplificar essa capacidade individual é essencial pra alguém…”
“Espero que hoje no Festival da Adoração eu seja abençoado… Não quero ter que esperar até depois dos vinte anos pra começar a explorar Wynward.”
Conforme pensava, o tempo passou muito rápido. Já fazia quase uma hora que Raisel cortava lenha.
O transe do rapaz foi interrompido pela voz de Raquel gritando com a senhorita Carmen.
Com um sorriso no rosto, o menino abraça os tabletes de madeira e se encaminha para dentro da casa tendo dificuldade para ver com a pilha na frente.
一 Raquel, terminei… Coloco no armazém?
一 Sim, por favor. Obrigada, Ray…
De forma meiga, a ruiva se aproxima.
Os dedos delicados pousam sobre o ombro dele, quase o puxando. O calor de seu rosto repleto de sardinhas, chega a estar próximo o suficiente para que ele sentisse o cheiro de seu perfume de lavanda. De repente, os lábios úmidos tocam a bochecha dele. Mas tão rápido quanto, a menina já deixa o cômodo.
Sem entender direito o que acabou de acontecer e com certa vergonha, Raisel desvia o olhar com uma feição “carrancuda” e parte pro armazém com cuidado.
“Toda vez que ela faz isso, meu coração quase para…”
Saindo pelos fundos após deixar a lenha, ele se senta para meditar do lado de fora até o almoço ficar pronto.
“Hm? Que esquisito… Meu Gewissen tá fluindo melhor hoje. É por causa da Tifra? Caraca… O Kimich e o Tejin fazem uma baita dupla.” 一 Sorriu satisfeito e com certa expectativa ao poder consumir mais Tifra depois.
“Vou me concentrar em reduzir a fadiga muscular… Já que tô desde cedo carregando coisa pesada, não vou ter energia pra brincar com os trigêmeos depois, ou muito menos aproveitar o Festival mais tarde…”
Na meditação, mais algum tempo se passa até o almoço ficar pronto.
一 Rayzinho~ Tome a sua comida, o Yurga deve estar com fome~
Abrindo os olhos, o garoto se levanta e bate contra as vestes para retirar alguma poeira.
Em poucos passos, ele foi até as mulheres que lhe entregam as marmitas.
Carregando dois recipientes enroladas em um pano de alta qualidade e florido, Raisel se prepara para voltar para casa.
一 Até o Festival, senhorita Carmen e Raquel. Se cuidem!
Abaixando a cabeça brevemente em despedida, o rapaz dá meia volta e parte.
一 Fala pro Yurga ir bem arrumado, hein! Se aquele velho estiver desleixado na hora do Festival, eu vou castrar ele! 一 Disse Carmen com um sorriso leve no rosto
Ao lado dela, Raquel olha para a própria mãe aterrorizada.
“Que medo…”
Com esse pensamento, Raisel apenas acena com a cabeça e se retira o mais rápido possível.
Ao contrário da ida, a volta para casa é bem rápida.
一 Voltei, vovô. 一 Retirava os sapatos na entrada.
一 Você demorou… Tá tudo bem? 一 O velho afiava algumas flechas e sequer olhou para o garoto.
一 Aham. Trouxe marmita das ruivas, vou deixar a sua em cima da mesa.
一 Certo.
一 O Tejin agradeceu o barril com os materiais e a senhorita Carmen me disse pra você ir arrumado pro Festival. 一 Antes de começar a comer, Raisel se sentou na cadeira ao redor da mesa para passar os recados.
一 Aquela mulher sempre me enche o saco quando é pra visitar algum lugar…
一 Por que ela se importa tanto como você vai? 一 Questionou o garoto após desenrolar o seu almoço.
一 Ela diz que eu preciso me manter bonito… É pura implicância… 一 Suspirou o velho já sentindo cansaço ao pensar que terá que se arrumar bem.
“A senhorita Carmen e o vovô se conhecem há muito tempo… Ele me disse que a Carmen era uma amiga da sua falecida esposa… Deve ser por isso, ela se vê na obrigação de cuidar dele…”
一 Hm… Será que o Olga vai vir pro Festival? 一 O som do talher de madeira bateu diversas vezes contra o recipiente conforme o garoto conversava.
一 Acho que não. A Katarina tá grávida, então ele deve preferir passar o tempo com a esposa dele.
一 Que droga… Por isso que eu não quero me casar cedo. Pelo menos você vai ser vovô de verdade… 一 Começando a falar de boca cheia, parou para engolir, mas rapidamente voltou a tagarelar.
一 Casar? Você? Só se for com a Raquel… 一 Falou o velho com uma risada e um sorrisinho.
一 Óbvio. Com quem mais seria?
一 Você devia aproveitar… Não precisa casar com a pessoa pra beijar. Vocês já namoram…
一 Falar é fácil… Você não sentia vergonha de beijar, vovô?
一 Claro que não. Beijar a pessoa que eu amava era uma das coisas mais prazerosas do mundo, seu porrinha… Por mais que você queira ser um Nômade, isso não quer dizer que você precise focar só em treinamento… Precisa conhecer pessoas, estabelecer relações, alianças… Nada se conquista sozinho. 一 Após a fala, Yurga se levantou ao terminar o trabalho com as flechas e lavou as mãos antes de começar a almoçar com o seu neto.
一 Hm…
Com as palavras do seu mestre, Raisel planeja algo para fazer durante o festival.
一 Aliás, você foi no que sobrou de Klagum, né? Como que é lá? 一 Raisel parou de comer temporariamente. Com um copo de água na mão, ele bebe calmamente enquanto ouve o outro.
一 Klagum? Eu fui antes de te conhecer.
一 E como tava lá depois da Calamidade da Doença dominar?
一 É difícil explicar. Eu não cheguei a entrar lá dentro, mas posso resumir falando que é parecido com uma pintura.
一 Pintura? Como assim?
O velho bebe um pouco d’água antes de voltar a falar.
一 Ray, já te falei várias vezes que o poder das Calamidades não é algo desse mundo. O Reino de Klagum era considerado como uma “segunda capital” de Wynward e o que a Calamidade da Doença fez lá foi uma aniquilação…
一 No passado, a Calamidade da Doença não tinha um território diferente das outras quatro Calamidades. Pra parar de ser subestimada, ela transformou Klagum no seu próprio paraíso…
一 Hoje em dia só a Calamidade da Moral não tem território, né? 一 O garoto naturalmente tinha interesse na história das criaturas mais poderosas do continente.
一 Sim, a Moral é conhecido como Mensageiro das Estrelas…
Ao fim, o velho volta a comer.
一 Quero visitar Klagum algum dia… 一 Pensou em voz alta.
一 Tem que treinar muito, Ray… Tem muitas criaturas e gente perigosa lá fora… Sem contar que Klagum hoje em dia é conhecido como a entrada do Reino dos Sonhos.
一 Eu sei. Por isso o primeiro passo é ficar mais forte que o senhor!
O garoto sorri animado. Após o almoço, é a hora de ir encontrar os trigêmeos e aproveitar a tarde.
Todavia, o que tanto o mestre quanto o discípulo não contavam, é que o tempo não seria tão longo para eles.
Durante o Festival de Adoração, Raisel tomaria para si a perspectiva de desafiar o seu próprio destino…

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