Essa é a realidade ou apenas um pesadelo indesejado?

    Paralisado, Raisel não entende o que está acontecendo.

    Por mais que a dor esteja presente em todo o corpo, ele não sente a própria respiração e a pele fica cada vez mais fria.

    De frente para o pilar azul brilhoso, pulsações de energia começam a banhar todo o ambiente.

    As estrelas no céu parecem perder a sua luminosidade na perspectiva daqueles próximos ao desastre.

    Desse fenômeno, cristais surgem como uma avalanche fragmentada e o vilarejo começa a ser destruído ainda mais por essas criações.

    Com o baque inicial, a onda de terra e o vácuo já varreram as barracas, as pessoas e destruíram algumas casas.

    Entretanto, o alastrar de rochas luminescentes decreta o completo fim do lugar onde o garoto Não Constelado cresceu e viveu.


    Uma dessas ondas de cristais avança em alta velocidade até Raisel abalado, prestes a ser atingido. Mas antes que o pior acontecesse, Yurga empurra o menino após um salto.

    一 VOVÔ!

    O contato físico desperta o jovem do estado de choque que grita em resposta à preocupação.


    Ambos rolam diversas vezes sobre a lama e a poeira.

    O velho sorri enquanto observa o rapaz, mas não era hora de enrolação.

    Firmando-se contra o chão, o velho arqueiro se levanta junto de Raisel.

    De frente para o garoto, as mãos responsáveis apertam os ombros do menino conforme as palavras são ditas.

    一 Ray, me escuta… A gente tem que sair daqui… 

    一 Mas e-e os outros?

    Com um cerrar de dentes, as veias sobre a testa de Yurga saltam enquanto o homem balança o jovem de maneira agressiva.

    一 SE TOCA! VOCÊ NEM CONSEGUE SE PROTEGER E QUER SE PREOCUPAR COM AS OUTRAS PESSOAS!?

    Uma gota despenca até o chão, caindo dos olhos imóveis de Raisel.

    O menino em prantos, observa os olhos de seu mentor… Mas por que a feição do garoto estava imóvel?

    As lágrimas escorrem sem ele conseguir entender o porquê exatamente do seu choro.

    Ao ver isso, Yurga desvia o olhar. O coração do homem experiente doía, mas ele devia seguir em frente. O seu discípulo não estava pronto.

    O mestre ergue o menino que é carregado no ombro à direita sem qualquer reação além do que escorria do seu semblante.

    Em corrida, aquela onda de cristais anteriores começam a derreter, mas novas surgem. O pilar enorme continua a pulsar, mas a sua estrutura diminui…

    O som de desespero. O grito das pessoas. O choro de alguns e o clamor de outros. Isso realmente era real?

    Raisel encara o chão em extrema fraqueza, mas um berro familiar prende a sua atenção.

    一 KALI!

    Ao direcionar o olhar com a poeira já tendo sido quase completamente apaziguada, ele avista dois conhecidos encarando alguém em meio aos cristais.

    “Lila… Lavi?”

    Em reflexo, Raisel se debate e tenta se soltar dos braços de Yurga, mas sem sucesso.

    一 ME PÕE NO CHÃO! ELES TÃO PRECISANDO DE AJUDA!

    一 E O QUE VOCÊ VAI PODER FAZER LÁ?

    Retrucou o homem velho diminuindo a velocidade da corrida para não ser desequilibrado.

    一 EU VOU PEGAR ELES E CORRER COM VOCÊ!

    Yurga estala a língua. Em relutância, eles jamais poderiam ignorar alguém em perigo.

    一 Não usa a sua energia… De maneira alguma…

    A voz do homem tem um tom fraco com um arfar, o que não é normal. Apesar disso, a urgência de salvar os trigêmeos era o foco principal na mente de Raisel.

    Ao largar o jovem, o mesmo pousa e imediatamente parte em arrancada até Lila e Lavi.

    Conforme se aproxima, a cena fica nítida aos olhos trêmulos do inexperiente.

    Para evitar uma hesitação, o rapaz morde o lábio inferior ao ponto de sangrá-lo.

    Ficando para trás do vulto que agarrou os irmãos, a figura de Kali, o Herói Espadachim, está emaranhado naqueles cristais.

    O choro desamparado de Lila. O rosto em choque de Lavi enquanto encara o seu irmão, o seu melhor amigo e o seu mais fiel subordinado. Preso.

    Os espinhos cristalinos perfuraram o peito, os ombros, os braços, as pernas e parte do rosto de Kali. Mesmo nessa situação, o rosto do corajoso não expressa dor, apenas um sorriso de alívio.


    Já mais distante da tragédia tendo Lila e Lavi aos braços, Raisel reencontra Yurga junto com uma dezena de pessoas que estavam no Festival.

    O rapaz se agacha e solta as crianças. A pergunta “Onde estão os seus pais?” vem à mente, mas dada a situação, o mais provável é que o pior aconteceu.

    Os gêmeos encaram a paisagem. Um domo de energia havia obstruído a visão do vilarejo. A energia azul vinda daquele fenômeno era belíssima, mas como pôde trazer tanta desgraça?

    Raisel levanta cabisbaixo após ver o coração dos seus irmãozinhos destruídos.

    Apertando o próprio punho, ele caminha até o avô e Carmen que também visualizaram tudo aquilo.

    Conforme chega, Raisel nota o estranho silêncio da senhorita Carmen. 

    Olhando para os arredores, o rapaz procura Raquel que, provavelmente, está curando alguém ferido com as suas habilidades.

    一 Car-

    Interrompido com um gesto de mão de Yurga apontada para a sua direção, o olhar do velho é melancólico. De alguma forma, ele sabia o que o garoto iria perguntar.

    Os olhos do menino passam para a sogra ao lado. O olhar dela já não brilha mais. Os lábios boquiabertos. Não há expressão.

    A testa de Raisel se comprime…

    Os olhos lacrimejam…

    Os joelhos cedem.

    Ele queria gritar, espernear. Mas ao abrir a boca, tudo se esvai de maneira silenciosa.

    Para o namorado, o cheiro da sua amada, o sorriso, o calor… Tudo se transformou em memórias agora? 


    一 Tem um jeito… Tem um jeito de salvar quem ficou preso ali.

    A voz de Yurga vibra Raisel que espontaneamente olha para o mentor com infinitas dúvidas. Mas antes que pudesse falar algo, Carmen agarra o velho homem pelo colarinho.

    一 Yurga… Não, Yurgen… Não me faz terminar de te matar aqui e agora…

    Com ódio no olhar, a mulher tira o grande homem do chão.

    一 Não tô brincando… Você sabe…

    一 QUAL VAI SER A HISTÓRIA E A PROMESSA DESSA VEZ? OLHA COMO VOCÊ TÁ! ACHA QUE TEM CONDIÇÃO DE SAIR POR AÍ VIAJANDO DE NOVO!?

    Carmen esbraveja balançando o arqueiro conforme grita.

    Yurga permanece em silêncio por alguns segundos, mas volta a falar após respirar fundo.

    一 Eu não consigo viajar mais… Mas o garoto consegue…

    Arregalando os olhos verdes ao escutar aquilo, a senhorita volta a atenção para o menino em prantos no chão.

    Em um estalo de língua ao ver a feição dele, a raiva dela apenas ficou mais forte.

    一 VOCÊ TÁ DE BRINC-

    一 NÃO TÔ, CARMEN! EU NÃO TÔ!

    A voz de Yurgen se exalta e ele agarra os pulsos da mulher com firmeza.

    Com esse gesto, o agarrão sobre o colarinho se afrouxa e o velho consegue encostar os pés ao solo novamente.


    Carmen desaba. O ódio dela agora dá lugar para uma tristeza que escorre através de seus olhos.

    Escorando o rosto sobre o peitoral do homem, ela suplica em lamentos com a voz abafada.

    Não me dê falsas esperanças de novo… Por favor… Por favor… Por favor…

    Yurgen, convicto, abraça a mulher e prossegue.

    一 Quando alguém fica preso no Nascimento de uma Ruína, ela pouco a pouco absorve a energia de tudo o que é vivo dentro daquela bolha… Quanto mais energia é absorvida, mais irreal a Ruína vai se tornar quando amadurecer…

    一 Uma vez, eu me encontrei com outro Nômade e ele me disse que Imoriel, a Calamidade da Moral, era capaz de neutralizar uma Ruína de nascer…

    Ao término da fala, o velho arqueiro se virou para Raisel.

    一 Ray. Nós temos pouco tempo… Um fragmento me atingiu… Minha energia também tá sendo absorvida.

    O lado esquerdo da costela, antes oculto pelo ângulo, revela-se ao menino uma estalactite fincado sobre o corpo do mentor.

    一 Temos que encontrar Imoriel e fazer ele neutralizar esse nascimento…

    O menino escutou tudo com clareza, mas por que ele não conseguia responder?

    A sensação de fraqueza, impotência, inutilidade e futilidade…

    Ele ainda não recebeu um Glanz. Como poderia almejar encontrar com uma das entidades desse mundo?

    Enquanto encara as mãos sujas de terra, as simples palavras trocadas com a sua amada abrem os seus olhos.

    “Você vai viajar por todo lugar… Eu não quero que você me deixe aqui. Se eu fosse mais forte, eu poderia ir com você…”

    “Não precisa se preocupar… Eu sempre vou voltar pra ver você.”

    “Promete?”

    “Prometo.”

    Engolindo o choro, mas não as suas hesitações, Raisel se ergue com a visão ainda turva.

    Entendi… Vamos tentar…

    Mesmo com as dúvidas, o garoto tem chamas em seu olhar.

    Enxugando as lágrimas e o ranho com a manga da camiseta, ele devia ser firme para poder salvar as pessoas que ainda poderiam ser resgatadas.

    一 Por onde vamos começar?

    一 Vamos atravessar Fyodor e ir até o Distrito Comercial de Balmund… Julgando pelo tamanho do pilar que caiu, devemos ter no máximo dois meses pra Ruína absorver tudo ao redor.

    Responde o velho enquanto Carmen se afasta.

    Ela se recompõe momentaneamente.

    一 Eu vou com vocês até Fyodor, mas acho bom avisarmos o Olga… Vou tentar pedir a ajuda dele…

    Yurgen estreita o olhar e suspira.

    一 Não acho que ele vai querer ajudar… Mas seria bom mesmo…

    一 Você devia ter mais fé no seu próprio filho, Yurgen…

    Retruca a mulher que já começa a andar, mas em direção a Lila e Lavi.

    一 A gente deve chegar nas Ruínas Fyodor até o nascer do sol se sairmos agora. Não vamos perder tempo…

    Disse Yurgen para Raisel.

    O garoto acena com a cabeça e segue o caminho logo atrás do mentor.

    Em plena noite naquele céu, agora sem estrelas, existe somente uma luz dourada que brilha sobre a sombra dessa aventura.

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