Índice de Capítulo

    De frente para a porta, Yolina respirou fundo enquanto puxa a maçaneta. A energia pesada preenche o quarto como um cumprimento da própria morte, da depravação e da malícia.

    Deitado sobre a cama, o garoto está afundado nessas sombras. O descontrole, o desequilíbrio de seu Gewissen é visível e, deixá-lo ali apenas pioraria a corrupção ao longo do tempo que passaria a afetar o ambiente ao redor.

    Firmemente, a idosa não se intimidou.

    Para se defender desses pecados, a Constelação de Coma Berenices se eleva acima de sua cabeça. O Gewissen puro resplandece em um tom rosado pelas Trevas, consumindo o Beisen do rapaz pela diferença palpável na densidade de suas energias.

    Por mais pesada que as sombras sejam, a luz em sua mais pura essência é capaz de apagá-la.

    Aos poucos, a anciã se aproxima do menino até o tocá-lo com o palmo esquerdo.

    Nesse instante, a aura da felina se concentra puramente no toque. Da mente, o anúncio do seu Glanz faz toda a base da Toca da Gata vibrar.

    Glanz: Fur Mich und Dich…

    Como fios e linhas de costura, o Gewissen rosado se entrelaça pelo tornozelo de Raisel, mas continua a subir para o resto de seu corpo até envolvê-lo por completo como uma múmia.

    Apenas o rosto do rapaz está descoberto. Porém, ele ainda se mostra inconsciente… Não há mais negatividade vazando de seu corpo, o que pelo menos anula qualquer chance do ambiente ser danificado.

    一 Demônio, sei que está ouvindo… Me deixe conversar com o garoto. – As palavras dela são acompanhadas pelo olhar fixo nos olhos dele.

    O menino está encarando o vazio, mas essas emoções negativas estão sendo amplificadas pela presença da entidade em seu corpo.

    Ao parar de estimular o sofrimento, a consciência de Raisel retorna ao estado são. A cor dourada vibrante em seus olhos estão tingidas de preto, mas ainda assim, possuem algum brilho.

    一 Senhor Yolina…? – Atordoado ainda devido aos pensamentos excessivos, o rapaz aos poucos recobre os sentidos.

    一 Sim, sou eu. Estou aqui para conversar com você, Raisel. – Seguramente, ela se sentou sobre o colchão. Em um mover do dedo indicador, o rapaz restringido se senta sob o comando dela.

    Todavia, ao ouvir aquelas palavras, o semblante dele se aconteceu. A dúvida ainda hesita o seu coração e, como consequência, sequer consegue encará-la diretamente.

    一 Me escute com atenção. Essa missão estava além das suas capacidades desde o começo. O Yurgen me convenceu de que você estaria seguro após me contar sobre o Leraje e, também, que daria a vida para salvar qualquer um de vocês…

    一 Eu confiei nele. E ele realmente os protegeu como pôde. Conhecendo aquele homem, provavelmente faria o mesmo todas as vezes. – Os olhos dela se abaixam. A primeira vez que o viu, ainda tendo os cabelos negros e com o olhar apaixonado por Sarina, sentiu um verdadeiro alívio ao reconhecer de que a antiga Lebre estaria em boas mãos.

    一 Ele morreu… porque eu sou fraco… Senhora Yolina… Eu não tenho nenhuma habilidade… Nenhuma Constelação como vocês… Eu nunca vou poder ser forte como ele, a Carmen, ou a Jeanice… – Os olhos profundos das lágrimas anteriores encaram diretamente os seus fracassos. O peso de sua sombra aumentou em diversas vezes com a notoriedade do demônio.

    Contudo, ao escutar o rapaz, a senhora parece rir.

    一 Você não é fraco, Raisel. Pelo contrário. Acredito que não exista alguém no mundo tão forte quanto você. – A pequena mão esquerda repousa sobre a canela do menino envolto em fios rosados brilhantes.

    一 A única coisa que você é, é inexperiente… e a inexperiência conta com a sorte para o sucesso. Mas eu nunca duvidei da sua força em si. As Constelações são apenas atalhos. A maior força é o que você tem aqui. – Com a ponta da bengala sobre o punho direito, apontou diretamente para o coração do rapaz.

    Os olhos dele se abrem com surpresa.

    A fala dela parece remover os espinhos que voltaram a crescer após encontrar Leraje. As memórias trazem à si todas as provações que passou, todas as pessoas que encontrou, mas… isso realmente é ser forte?

    一 Eu… não tenho certeza disso… Ter um bom coração não me deixa tão forte quanto vocês… – Os olhos dele novamente se apertam com a frustração de sua fraqueza.

    Entretanto, uma risada escapou dos lábios da velha ao ouvi-lo.

    一 É óbvio que você não vai ficar forte só por ter um bom coração, garoto.~ Você por acaso é burro? – A bengala esticou para cima e caiu levemente para atingi-lo no topo da cabeça.

    Sem entender o porquê disso, apenas a encarou sentindo a pancada na cabeça.

    一 Ter um bom coração é apenas o começo… Ter um bom coração significa ter um espírito forte, uma mente focada em seus objetivos. Para se tornar forte, você primeiro precisa se levantar daqui. Permanecer parado lamentando sobre o que já aconteceu irá apenas lhe deixar fraco para esse demônio lhe quebrar lentamente. – A cada frase, a bengala bateu sobre a cabeça dele.

    Ao término, ela se levantou e caminhou para a porta.

    Os fios que o prendiam se desfazem.

    一 Acredito que você tenha visto o suficiente de como Balmund funciona… O sonho de seu avô, quando ainda era um Nômade, era acabar com a Guerra. Se tornar um viajante foi a forma que ele escolheu para combater as injustiças que ele sofreu… Mas o coração dele nunca foi forte o suficiente. Mas agora, é você quem tem o Svartgren. – No fim, retirou-se da sala enquanto o menino encarava as próprias pernas ainda sentado sobre o colchão.

    Ao sair do quarto, Lavi está escorado na parede logo ao lado. O semblante dele é de preocupação, mas também de satisfação pelas palavras de Yolina.

    Quando o encarou, a velha resmungou alguma coisa e logo se direcionou para descer as escadarias.

    “Raisel… Você consegue.” – Em seu sorriso, o gêmeo de cabelos brancos apertou o punho determinado para seguir em sua jornada com o amigo.

    Lá dentro do cômodo, o olhar dourado cabisbaixo, se levanta pouco a pouco…

    “Meu avô se tornou Nômade pra tornar o mundo melhor? Eu… nunca tinha perguntado o motivo disso.” – Os olhos de foco ao ver o próprio palmo repleto de calos.

    “Eu treinei com ele e com a Carmen pra me tornar um Nômade… Isso iria orgulhar eles e era o suficiente pra mim… Mas o vovô se foi e ela já não tem mais um dos braço… Eu preciso encontrar meu próprio motivo pra lutar…” – O antebraço passa pelo rosto encharcado de lágrimas.

    “Eu devo fazer isso por eles? Não, não é só por eles… Eu estou fazendo isso por mim, porque eu quero ser forte.” – Pondo-se de pé, o menino concentra sua energia dourada no palmo direito.

    Entre partículas douradas, a forma de um arco reluz. Enquanto a ofuscação desaparece, a sua coloração negra e as penas em suas extremidades, por dentro dos galhos torcidos, Svartgren é convocado.

    “Eu quero ser forte como meu avô, mas ser ainda melhor do que ele…!” – Encarando aquela arma, as falhas de Yurgen são incorporadas pelo sucessor de seu armamento característico.

    Todo o peso das Trevas se dissipa com a motivação. Os olhos dourados recuperaram o seu fulgor.

    Da porta ainda aberta, o som dos saltos altos de alguém ganham destaque. Com a máscara de coelho no rosto e o terno vermelho, a mulher alta aparece dando poucos toques na porta.

    一 A mãe me mandou vê-lo… Se decidiu? – Na mão direita, ela está segurando o Medalhão.

    一 Sim… Eu vou lutar. – Caminhando em direção à mulher, Svartgren se desfaz em poeira dourada.

    一 Ótimo. A Jeanice me disse que Imoriel está em Rosebond, te levarei para lá e você ativará o Medalhão de Libra. Venha…

    Estendendo o artefato para o menino, ele segura sem hesitar.

    一 Certo.

    Ao seguir, Raisel sai do quarto e desce as escadarias. De uma porta enorme, está o Salão Vazio, o principal lugar para a ativação das habilidades de locomoção da Lebre.

    Pelas laterais, Carmen, Yolina, Lila, Lavi e Jeanice estão encarando longe do centro.

    O rapaz continua a caminhar rumo ao centro logo atrás da mulher.

    O rosto dele vira para encarar os seus companheiros um a um.

    Lavi demonstra confiança.

    Lila tenta motivar o rapaz.

    Jeanice, apreensiva, acena com a cabeça enquanto tem as mãos entrelaçadas.

    Carmen, por outro lado, o encara com os olhos estreitos, mas um sorriso breve nos lábios.

    No centro deles, está a velha com seu semblante neutro.

    一 Boa sorte, Raisel. A Lebre estará com você caso aconteça algo.

    Nervoso, um suor escorre pela bochecha dele. Porém, acenou com a cabeça demonstrando convicção.

    De frente para as costas da ruiva escaldante, o jovem apenas espera a ativação da Constelação de Phoenix. As asas em chamas o encobrem em um único segundo e, logo em seguida, desaparecem deixando apenas faíscas.

    Glanz: Weltraumflügel!

    Do clarão das brasas, a vista dele começa a retornar em uma paisagem completamente caótica.

    No alto de um cume, os vendavais não são naturais. São dos impactos de cada habilidade e técnica conjurada na linha de frente daquela guerra.

    De um lado, à direita, está o Forte de Krizannon: o castelo-muralha que defende o território de Balmund das invasões e forças élficas, mas que também serve como uma forma de conquistar essas terras fartas de natureza.

    Do outro, à esquerda, está a fronteira da Floresta Yothergran: uma quantidade de árvores altas como montanhas, servindo como barricada natural das invasões humanas, mas também como uma base para cada elfo.

    Entre essas duas fronteiras, a guerra é constante. A presença de manifestações de Gewissen complexas como fórmulas em pleno ar dos elfos em pleno ar, o exército segmentado entre as habilidades humanas e suas tecnologias pelo chão, é uma batalha entre duas culturas e povos completamente distintos.

    O céu é escuro como uma tempestade de cinzas.

    Mesmo distante, do alto de um cume há quilômetros, a pigmentação do céu e da terra nessa batalha de décadas é um cenário assustador, mas deslumbrante pela dimensão catastrófica entre os poderes.

    一 Esse é o lugar mais próximo de Rosebond que eu já visitei… Chegar mais perto é perigoso. Tente apontar o Medalhão de Libra para o confronto e concentre sua energia nele. – Dando alguns passos para trás, a Lebre espera que o rapaz tome à frente.

    Engolindo seco, Raisel toma à frente. Por mais que estivesse de dia, o ambiente é tão escuro que parece uma noite. Apesar disso, ele não se intimidou, pois estava prestes à completar a missão de salvar o seu vilarejo ao convocar Imoriel.

    Estendendo o palmo direito para frente, a energia do garoto aflora para fora do corpo como chamas. O dourado de sua aura começa a ser sugado pelo Medalhão à frente e, de um instante para o outro, a luz extremamente ofuscante no topo do cume consome toda a batalha, incluindo as fronteiras.

    Ao abrir os olhos, o menino se vê no mesmo espaço, mas com uma perspectiva completamente diferente. Tudo parece estar congelado, desde os pássaros até a Lebre atrás de si ou a guerra ao fundo.

    De pé em pleno céu, uma figura encapuzada se aproxima do menino. Carregando consigo uma lamparina na mão direita, o símbolo da Constelação de Libra acima da cabeça é completamente diferente de tudo o que ele já viu.

    Normalmente, os desenhos das Constelações são simples com os traços e pontos mais arcaicos, mas a autoridade de Libra está tão forte que Raisel sente que poderia agarrá-la para si.

    Sem que percebesse, a entidade com encoberta pelo robe negro havia se aproximado.

    一 Você é… Imoriel? – Incrédulo, o rapaz levanta o rosto para tentá-la encarar nos olhos, mas diferente de tudo o que já viu, a criatura não possuí uma feição… É como uma capa flutuante.

    Correto. Eu sou o Mensageiro das Estrelas e estava esperando a sua vinda, Raisel. – A voz da Calamidade não vem diretamente dela, mas sim como se ecoasse por todo o espaço.

    O fantasma começa a diminuir a sua própria forma até ficar do tamanho do menino. A lamparina brilha em um dourado muito semelhante ao do rapaz, transformando-o quase como um reflexo daquele que está portando o Medalhão.

    一 Você me conhece? – Extremamente confuso, a sensação é como encarar a si mesmo em um espelho.

    Sim. Eu acompanhei a sua jornada desde o início. Sua bravura é emocionante. As Constelações estão satisfeitas com o desfecho da sua aventura. – Esticando o palmo esquerdo para ele, a Calamidade da Moral parece convidá-lo para pisar aos céus.

    Hesitante, o rapaz observa a altura do cume. Mas ainda assim, dá o passo à frente para pisar nos céus. O cenário completamente congelado o faz questionar se isso é realmente real…

    一 Onde nós estamos? – Os olhos não paravam de encarar os detalhes paralisados do ambiente.

    Na Ponte para o Éden. Mas você não consegue entender por ainda estar vivo… Digamos que aqui é o Céu, o lugar mais próximo das Constelações.

    Com a fala da entidade, Raisel percebe que há diversas estrelas no céu pulsantes e radiantes. Elas são visíveis mesmo durante o dia, pois toda aquela escuridão e neblina se dissipou com a aparição da Calamidade.

    一 Se você sabe quem eu sou… Você sabe porque eu estou aqui? – Desconfiado, ele está cada vez mais distante do cume ou de qualquer terra.

    Sei, mas para conceder o seu desejo, você precisará passar pelo Verdadeiro Julgamento. – Imoriel para de caminhar ao terem se distanciado o suficiente. No fim, a criatura se virou para ele.

    Está pronto?

    Acima da terra, mas abaixo do Éden, o palco está montado no Céu sob o olhar das Estrelas.

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