Capítulo 65 - A Balança
O menino encara a entidade com uma enorme pressão sobre os ombros. Ele não está diante apenas de uma Calamidade, mas está sendo observado pelas próprias Estrelas. A paisagem do sol nascente enquanto o céu azul se divide entre outros incontáveis brilhos, deixa Raisel ainda mais apreensivo.
Imoriel espera a resposta enquanto troca olhares com o humano. Poderia sentir desde antes o seu conflito, a sua ambiguidade, mas não poderia se sentir ainda mais animado. Afinal, o dourado entre as suas energias são semelhantes, mas essa semelhança não é restrita apenas sobre a luz…
Com um sorriso de lado, a Calamidade volta a tomar a sua forma metafísica encapuzada ao descartar a aparência luminosa como um reflexo do rapaz.
一 Sua desconfiança em si mesmo é intrigante, Raisel. Mas não há o que temer… Caso falhe, as coisas apenas seguirão o seu rumo natural. – Sem pés, a forma fantasmagórica vaga ao redor do humano carregando consigo a lamparina com a destra.
一 As pessoas presas na Ruína de Pisces no seu vilarejo apenas morrerão como deve ser. Mas aqueles que ativam o Medalhão estão dispostos à uma única coisa: satisfazer-se à si próprio. – Ao término, novamente parou em frente ao rapaz a uma distância de dez metros.
一 Eu lhe pergunto novamente: você está pronto para quebrar esse egoísmo, ou a sua vontade é comum como as demais?
O silêncio absoluto consome o ambiente. Não há vento que alcance essa área, ou som que se propague do mundo abaixo. Nesse espaço intermediário, apenas a existência do menino e das entidades estão unidas…
“Certo… Se ele me diz que não tem nada a temer, significa que ao menos morrer eu não vou… Sinto Leraje ainda dentro de mim, então eles não cortaram minha comunicação com ele. Não sei que tipo de provação será, mas meu poder de combate se resume às energias e as técnicas de arco que o vovô me ensinou…” – Respirando profundamente, o reconciliar de tudo o que passou e aprendeu vem à tona. Esse, sem sombra de dúvidas, seria o seu maior desafio desde o Dragão Kaelduryx.
一 Eu não quero nenhum benefício de você… O que eu quero é salvar as pessoas do vilarejo… Tô pronto pra esse Verdadeiro Julgamento. – Terminou com uma expressão séria. Não há sorrisos, não há hesitações. Sua vontade se aflora com o contorno dourado de seu Gewissen, preenchido pelas lacunas sombrias do seu Beisen.
A confirmação do garoto levou Imoriel a estender a lamparina para o alto. Ela, antes coberta pela luz dourada, é preenchida pela sombra mais pura em seu estado. A escuridão ressoa pelo céu ao encobrir por completo o menino.
Somente o brilho das Estrelas permanecem ao redor, enquanto a paisagem do céu se reduz ao nada. Nesse espaço escuro, Imoriel parece unir a sua própria existência às Trevas e a Luz das Constelações.
一 Raisel, filho de Layrien e Galler, criado por Yurgen e Carmen. Seu passado está confinado até aqui: um sem Constelação. Mas seu futuro o aguarda como o sucessor natural da Benção de Libra e candidato à Calamidade da Moral. – Sobre a escuridão, a voz da entidade ecoa com ainda mais autoridade. Da luz das Estrelas, imagens vívidas das lembranças do garoto e, até mesmo dos seus pais, aparecem.
一 Ao desafiar o próprio destino, estará negando de vez a chance de se tornar um Espectro e um Constelado de Libra após a morte. Seu senso de justiça e moralidade são puros, ao mesmo tempo que a sua maldade inerente é cruel e implacável. A Balança rege sobre você desde o seu nascimento, mas abrirá mão do seu futuro como uma Calamidade ao redefinir o ciclo de terceiros. Você entende isso? – As palavras de Imoriel são finalizadas enquanto a entidade aparece mais uma vez na frente dele naquele breu. A semelhança entre as suas sombras e luzes é mais do que coincidência, são existências cujo destino está entrelaçado.
Em choque, Raisel está com os olhos presos naquelas duas pessoas que seguravam um bebê. Uma mulher de cabelos escuros como a noite, mas olhos dourados como os dele e um homem de cabelos castanhos, mas tendo a coloração do olhar pura em um tom extremamente escuro.
“São… os meus pais?”
“O vovô disse que me achou dentro de um barril perto de destroços naufragados de uma embarcação… Eu tinha quatro anos… Não me lembro disso…”
Apertando o próprio punho, ele engole seco.
“Meu Glanz só viria após minha morte? Então… Eu tenho potencial pra ser uma Calamidade? Como a Moral…?” – As sobrancelhas enrugadas expressam bem a sua confusão. Confrontar o passado jamais apresentado e o provável futuro predestinado, acelera o seu coração.
“Mas, caso eu salve o pessoal, esse destino não pertencerá mais a mim… Se eu salvá-los, qual será o meu futuro?” – Encarando o próprio palmo, o Contrato de Leraje ainda está de pé.
A morte sempre esteve próxima dele. Deixá-los morrer lhe traria a morte definitiva para ser um Constelado. Mas permanecer vivo lhe transformaria no que? Um assassino? Alguém comum capaz de cair no esquecimento? As possibilidades são infinitas…
一 Eu… sempre me senti medíocre por nunca ter tido um Glanz. Isso foi escancarado na minha cara por todas as lutas que eu enfrentei até agora. Todos eram muito mais fortes do que eu, mais habilidosos… Mas eu consegui sobreviver de algum jeito. Talvez as palavras dele não estivessem tão erradas… – De cabeça baixa, a voz dele ganha cada vez mais força à medida que as suas origens são expostas. As lembranças do resquício de um Cavaleiro de Elite naquele castelo escuro, ainda seguem consigo.
一 O meu próprio brilho realmente foi capaz de chegar até às Estrelas… Caso eu morra não salvando eles, eu ficaria como você… Alguém preso em uma realidade além da que estamos, mas incapaz de fazer qualquer coisa por esse mundo. Eu não quero ficar parado.
一 Eu decidi seguir trilhando o meu caminho com minhas próprias mãos e, por isso, estou disposto ao sacrifício do meu futuro predestinado. – Erguendo o olhar, o olhar dourado do menino nunca esteve tão reluzente. A escuridão em sua pupila parece desaparecer mediante ao confronto do próprio destino.
A resposta de Raisel não é apenas uma afirmação, mas uma afronta às Constelações. Todo o ambiente ao redor parece se fragmentar em rachaduras douradas, dando espaço à luz que surge diante do breu.
一 Sua resposta é definitiva. À partir de agora, não conseguirá mais nenhum auxílio de alguma Constelação. Deverá usar os próprios pés para viver a sua vida, Raisel. – A lamparina se transforma em uma balança. De um lado, todo o sucesso como uma “quase divindade” está pesando como uma luz. Do outro, a escuridão está em posse do palmo esquerdo de Imoriel.
Esticando o punho repleto de Beisen, a Calamidade emite um feixe de sombras tão denso que parece um rasgo no céu – distorcendo a própria realidade. Esse feixe avança diretamente até o local do antigo vilarejo do menino, o local da Ruína de Pisces em nascimento.
O Medalhão que estava em sua posse desaparece como uma estrela, subindo aos céus e, em seguida, descendo para algum local para o próximo que o encontrasse.
Logo, o reluzir dourado novamente ofusca Raisel.
Ao abrir os olhos, o menino e a Lebre reaparecem no Salão Vazio.
一 ELES VOLTARAM?! – A voz de Lavi, ainda meio distorcida pela percepção embaralhada, pôde ser ouvida.
一 Mas fazem só alguns segundos…! – A aflita Jeanice complementa em um tom de desespero.
Ao longo do enorme cômodo, partículas douradas e negras começam a aparecer uma após a outra. Todo o ambiente começa a tremer pela interferência de uma força superior. Quem mais sentiu isso foi Yolina que, imediatamente, se agacha ao sentir tamanha energia.
一 Urgh…! – Rangendo os dentes de dor, a velha resiste como pode.
一 Mãe! – A máscara da Lebre se aproxima em desespero.
Porém, o rapaz está deslumbrado com aquelas partículas tomando formas humanas. Em um instante para o outro, uma menina de cabelos vermelhos como rosas aparece.
Ao vê-la, Carmen arregala os olhos e perde a força nas pernas…
一 R-Raquel… – Pondo a mão direita no próprio peito, a felicidade que ela sente é indescritível junto com a sensação de alívio tremenda; sobrepondo completamente a dor de perder o velho conhecido.
一 K-KALI! – Os gêmeos gritam em conjunto e se aproximam do Herói Espadachim.
Abraçando-o fortemente um de cada lado, a criança de cabelo curto esbranquiçado recobra a consciência.
一 Lila… Lavi? – Em um tom enfraquecido, ele apenas aguenta o abraço caloroso de seus irmãos em lágrimas.
Todos que haviam sido capturados pelos cristais aparecem um após o outro.
Os olhos da meio-elfa fisgam o comerciante de cabelos negros e orelhas pontudas, Tejin.
Ao lado dele, aparece o homem loiro de sobretudo branco, o Alquimista Kimmich, mas que, por algum motivo, está sorrindo de maneira abobalhada enquanto soluça…
Com um sorriso de satisfação no rosto, os olhos do menino lacrimejam por ter completado a sua missão. Contudo, a cruel realidade começa a fazer efeito: apesar de todos estarem ali, ele viu com os próprios olhos o fim de seu avô…
Apertando fortemente os punhos, ele permanece firme.
A missão de resgate acabou.

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