Capítulo 67 - Bálsamo
O aroma de hortênsia preenche esse armazém. O frescor adocicado refresca os pulmões, mas não deixa de pesar o clima do reencontro. A ruiva claramente parece desconfortável com alguma coisa, pois não consegue olhá-lo diretamente. Por outro lado, os olhos dourados fisgam ela com um nítido brilho.
“Parece uma eternidade desde a última vez que nos vimos… A gente até se beijou durante o Festival… Sobre o que será que ela quer falar?” – Com certa vergonha, a nuca dele começa a arder como se estivessem em chamas.
Escorando-se contra um balcão, a menina se aconchega sobre a beirada. As pernas dela balançam contra o vento…
Raisel observa isso e a sua ansiedade apenas cresce. Engolindo seco mais uma vez, apoia as costas sobre a parede logo ao lado.
O silêncio desconcertante aumenta o som das batidas de seu coração. Porém, ele respira fundo e toma a iniciativa:
一 Então… Você tá bem? Se passaram quase duas semanas, não consigo nem imaginar como é ficar preso daquele jeito… – Finalizou rindo um pouco sem graça, mas também preocupado com Raquel.
Ele a olha de canto.
Os cabelos castanhos deslizam pelo ombro quando eles se comprimem brevemente…
一 Pra ser sincera, ainda estou meio perdida… Na nossa perspectiva, de quem ficou preso lá, não parece que se passou tanto tempo. Eu, o Tejin, o Kimich e o Kali, junto do resto do pessoal, parecíamos estar caminhando em um lugar que nem parecia real… – Abraçando a si mesma com um dos braços, Raquel ainda se lembra vividamente do cenário. Porém, seu olhar não era de pavor, mas sim de admiração e perplexidade.
Sentindo algo estranho, o rapaz estreita os olhos. Sua preocupação deu lugar à uma curiosidade latente. Afinal, imaginava que a experiência dela fosse como ser “congelado” e ficar completamente imóvel fisicamente, emocionalmente e mentalmente.
“Um lugar que nem parece real? Eles estavam sonhando em conjunto? Mas como…? Seria um efeito da própria Ruína agindo?” – Pondo uma das mãos sob o maxilar, o dedo indicador dobrou-se à frente dos lábios.
一 Todos vocês se lembram exatamente do mesmo jeito e lugar? Como se fosse… uma experiência real? – Intrigado, a possibilidade das realidades das Ruínas se manifestarem desde o seu processo de nascimento não fazia sentido.
“O vovô havia dito que ela se torna mais irreal à medida que absorve mais energia… Mas ela parece bem. Não é como se houvesse sido drenada, diferente do vovô…”
一 Sim… Era um lugar muito claro. O chão era branco como nuvens, haviam poeiras brilhantes em azul e roxo navegando pelos céus, peixes que nadavam no ar. As construções pareciam todas feitas de cristais, brilhantes como jóias… Mas o mais estranho é que haviam outras pessoas naquele lugar… – Aos poucos, os olhos dela se encontram com os dele. Mas logo em seguida, ela desvia o olhar com o rosto baixo…
A franja ruiva cobre a sua feição.
一 Foram só duas semanas, mas você parece totalmente diferente, Ray… Mesmo que eu havia dito que estaria sempre com você, eu não consegui ficar do seu lado… – O queixo dela enrugado segurou a vontade de chorar como pôde.
Com as palavras dela, o menino parece surpreso.
Suspirando com alívio, a mão esquerda dele se apoia sobre o topo da cabeça da garota. A semelhança em suas estaturas ainda permanece, mas de alguma forma, ele parece maior…
一 É isso que tá te incomodando? Não precisa se preocupar… – Em curtos passos, se posicionou de frente para ela sentada sobre o balcão. Logo, a testa escorou sobre a cabeça dela…
一 Mas… você deve ter passado por tanta coisa… Seus olhos me dizem isso… O tanto de atrocidades que você deve ter feito ou visto… E ainda… O Yurgen… ele… – As lágrimas saem dos olhos dela não pela sua própria dor, mas pela empatia e a frustração de não ter ficado ao lado do seu amado para apoiá-lo.
一 Raquel, não importa pelo o que eu passei… Eu faria tudo de novo se fosse pra salvar vocês. Eu não estou arrependido… – A mão esquerda dele desce em direção à bochecha dela.
一 É verdade que eu tive que fazer coisas ruins, mas eu ainda vou ser eu independente do que aconteça… – Com o polegar, ele seca as lágrimas que descem do rosto da chorona.
一 O vovô morreu… Ele era como um pai pra mim, mas não posso ficar me lamentando por isso… Pra ser sincero, não sei ainda como estou me sentindo…~ – Os lábios dele finalizam com alguma graça, mas o olhar expressa a angústia de ainda processar tudo o que aconteceu em tão pouco tempo.
A profundidade dos olhos azuis da menina percebem o quão atormentado os sentimentos dele estão. Sem pensar duas vezes, os braços dela o envolvem ao puxá-lo para perto de si.
O rosto dela afunda sobre o peitoral dele.
一 Me desculpa, Ray… Desculpa… De verdade… – A voz abafada em soluços até tenta conter o choro, mas acaba se esvaindo.
Estar sob os braços dela é um conforto. Ele sente os ombros relaxando e o peso em suas costas sendo expurgado como uma lavagem. Fechando os olhos, os braços dele também a envolvem.
Agarrados nesta sala aromática, os dois sentem o calor um do outro.
A sensação ardente, antes de vergonha, aos poucos se torna uma faísca. Mais calma, Raquel se desprende um pouco mais dos braços dele.
Os olhos dourados e os olhos azuis estão hipnotizados um sobre o outro.
Os seus corações pulsam em sincronia.
Antes que percebessem, os lábios deles se atraem de pouquinho a pouquinho.
As mãos dele desceram para a cintura fina naquele vestido, mas os palmos dela permanecem contra o peito dele.
No encontro entre os seus rostos, as bocas se abrem para uma lenta sincronia entre as suas línguas.
Por mais que os corpos deles estivessem em chamas, os suspiros lentos entre os estalos dos beijos, aumentavam ainda mais a temperatura da sala.
As mãos dela sobem do peito para um abraço envolvente sobre o pescoço dele.
Sem fôlego, eles se afastam para se encarar mais uma vez.
O olhar leve de ambos parece até mesmo um espelho. A sensação macia de estar com a cabeça tão leve os transporta para um mundo próprio.
Antes que fossem atraídos novamente para uma segunda rodada ainda mais apimentada, a porta do armazém recebe as batidas de alguém.
No mesmo instante, os dois se afastam como um susto.
一 Raisel! Raquel! Temos que ir! – A voz grave e madura da Lebre ressoa por trás da porta.
Ajeitando o cabelo, a garota abaixou a cabeça completamente envergonhada. A língua dela desliza uma última vez pelos próprios lábios. Por outro lado, Raisel desvia o olhar e limpa os lábios com o antebraço. Ele não está tão envergonhado, mas sente que iria perder o controle caso não fossem interrompidos…
一 V-Vamos? – Disse ela tomando a dianteira ao pôr os pés sobre o chão e ir em direção à porta.
一 Sim…! – Apenas confirmou ao seguir por trás dela.
A Lebre não os encarou. Pelo contrário, apenas se virou e suspirou. Por debaixo daquela máscara, provavelmente está fazendo uma feição de desconforto.
Atrás dela, a ruiva anda olhando o chão, mas ainda tem o rosto brevemente vermelho.
Vindo por último, o rapaz recupera brevemente o foco, mas ao olhar os arredores estando novamente no Salão Central, vê Kimich com uma das mãos na boca e com um semblante totalmente sugestivo. Apenas por olhá-lo, sabia que era uma provocação…
Tejin até tenta parar o bobalhão com uma cotovelada na costela, mas o menino abaixou o olhar já bastante tímido e com certo constrangimento.
一 Temos que ir. Eles estão se movendo mais rápido do que o esperado. Já repassei a mensagem para todos os nossos membros da situação. Em poucos minutos as forças de Balmund devem encontrar esse lugar com o auxílio do Demônio. – Vocaliza a anciã enquanto caminha em direção à uma porta dupla enorme logo no início deste salão.
Desde já, a Coma Berenices se revela acima de Yolina.
A Lebre a acompanha, seguido de Carmen, Raisel, Raquel, Tejin, Jeanice, Kimich e os trigêmeos Kali, Lila e Lavi, que estão por último nessa fila.
O local ao redor começa a se desfazer em um brilho rosado como a aura que está irradiando da velha.
Ao passarem pela porta dupla, se deparam com o cômodo onde há o mapa de toda Wynward em forma de globo energético. Descendo algumas escadas, o corredor lateral por onde entraram na primeira vez que estiveram aqui, é acessado novamente.
Após passarem por esse estreito corredor, chegam na área que mais se parece um bar. Os inúmeros barris de vinho e suco de uva se empilham em fileiras pelos arredores da sala.
No centro dela, o grupo espera Yolina.
Estendendo o palmo para a direção da porta que dá acesso ao corredor e o restante da base, ela se comprime ao integrar-se ao Gewissen rosado. Em um único segundo, toda a base se tornou uma máscara de gato feita inteiramente de energia e a porta simplesmente desapareceu.
Segurando essa máscara, a anciã se aproxima da mulher com terno vermelho e ombreiras de ouro. A vontade da Phoenix se ergue no topo de sua cabeça e as suas asas se abrem.
“Glanz: Weltraumflügel!”
Enquanto encobre à todos, os olhos de Raisel encaram o chão. Essa sensação esquisita ainda lhe incomoda, como se houvesse perdido algo que nunca mais voltará. Com as asas da fênix como um véu sobre eles, simplesmente desaparecem enquanto as borboletas presas nas lamparinas se apagam.
No local onde havia a base rebelde, restou apenas um bar abandonado…

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