Capítulo 1: Até a Última folha cair
Em uma bela tarde de outono, um jovem de cabelos castanhos claros encontrava-se deitado aos pés de uma árvore imponente, com cerca de nove metros de altura. Sua copa era tão extensa que os ramos quase não eram visíveis. As folhas frágeis, em tons de laranja quase ferrugem, denunciavam a estação do ano. Entre as folhas, podia-se ouvir o canto suave de pássaros. Ao longe, animais de asas enormes cruzavam o céu, enquanto uma rica diversidade de fauna se espalhava pelo horizonte.
O clima era agradável. Uma brisa leve de outono percorria o ambiente, fazendo as folhas frágeis cederem facilmente ao vento. Ao olhar para cima, era possível avistar uma estrela com o tamanho semelhante ao do Sol, mas com uma coloração azulada. Essa tonalidade resultava da alta concentração de oxigênio em sua atmosfera, que permitia uma combustão completa. Mais abaixo, outro corpo celeste, também de tonalidade azulada, destacava-se, embora fosse significativamente menor que a estrela.
O jovem despertou lentamente, abrindo os olhos com cuidado. Ele bocejou levemente e esticou os braços. Ainda sonolento, percebeu que a parte superior de seu uniforme estava caída no chão. Levantar-se foi uma tarefa que demandou esforço; ele precisou usar a árvore como apoio. No momento em que encostou a mão no tronco, uma aura branca emanou da árvore, fluindo em sua direção.
Depois de se erguer, o jovem recolheu o uniforme. Era branco, adornado com faixas douradas, pequenos detalhes em azul e uma estrela bordada no canto superior direito. Ele o sacudiu para garantir que nenhum inseto tivesse entrado em suas vestes e, em seguida, vestiu-o de maneira despojada, sem abotoá-lo completamente.
Enquanto ajustava o uniforme, seus olhos voltaram para o entorno. Ele amava aquele lugar. Lágrimas tímidas brotaram em seu olhar ao contemplar o chão, repleto de gramíneas e flores de diversas cores. A paisagem era deslumbrante, ainda que a praça tivesse apenas uma única árvore, posicionada no centro, como protagonista daquele cenário. Não menos impressionantes eram os riachos de águas cristalinas que serpenteavam pelo jardim. Dentro deles, carpas saltavam graciosamente, e outros pequenos animais nadavam em plena harmonia.
Mais ao longe, ele avistou a entrada da praça. Nesse momento, foi como se os olhos do jovem, Zac, se tornassem os nossos. Um portão majestoso, feito de ouro branco e adornado com pedras preciosas em formas aleatórias, dominava a cena. Entre as joias, uma safira de tamanho considerável e coloração hipnotizante destacava-se. Ao refletir os raios da estrela azulada, ela criava uma luz de beleza singular. Além do portão, uma cidade reluzente revelava-se, com palácios feitos do mais puro marfim e ruas de ouro brilhante. Contudo, diferentemente da praça, a cidade parecia estéril, sem qualquer vestígio de flora. Do ângulo de Zac, não era possível avistar sequer uma única planta.
Enquanto observava uma das cinco entradas da praça, Zac subitamente se assustou. Um vulto parecia espreitá-lo. Por alguns segundos, ele sentiu-se observado. Rapidamente, limpou os olhos, atribuindo a visão ao resquício do sono. Ao olhar novamente, não viu nada de estranho. Convencido de que fora apenas fruto de sua imaginação, ele soltou outro bocejo.
A brisa suave voltou a soprar, envolvendo Zac. Ele fechou os olhos, respirou profundamente e deixou escapar um suspiro carregado de emoção. Sentia-se ainda mais conectado àquele ambiente. Ao final, um sorriso sereno se formou em seu rosto, refletindo a paz que aquele momento lhe proporcionava.
Ao olhar novamente ao redor da praça, Zac percebeu que toda a sua extensão era rodeada por uma cerca vazada, feita com fios de ouro branco entrelaçados de forma semelhante às raízes de uma bela rosa. Essas raízes originam um caule ligeiramente mais extenso, que percorria boa parte da estrutura, e, em sua extremidade, desabrochava uma rosa de coloração azul. Esse processo se repetia por toda a extensão daquele cercado belíssimo.
Toda vez que ele observava aquele lugar, ficava encantado com tamanha beleza. Absorvido por esse sentimento, não percebeu uma pequena silhueta se aproximando no horizonte. Até que, de repente, uma voz ecoou por todo o ambiente.
— Ei, Zac! Imaginei que você estivesse aqui. Vamos logo, cara, a aula está prestes a começar e não quero me atrasar, não.
Zac levou um susto. Ao olhar para frente, percebeu que a voz vinha de seu amigo Dionísio. Um jovem de cabelos avermelhados, com um rabo de cavalo e uma pequena franja. Usando o mesmo uniforme que Zac, mas, ao contrário deste, estava bem passado e devidamente ajustado.
— Aconteceu algo? Você está com uma cara estranha, hein? Parece até que viu um fantasma. Aliás, vamos logo, que não vou me atrasar.
— Já vou, Dio. Calma aí, acabei de acordar.
Logo em seguida, Zac pegou o cordão que estava no bolso, olhou para a inscrição que dizia “Filho da Promessa” e o colocou no pescoço. Em seguida, pegou sua mochila transversal, colocou-a em um dos ombros e partiu em direção ao amigo.
— Vamos logo, não quero chamar a atenção, pois essa é nossa primeira semana de aula. E eu sinceramente não entendo essa sua mania de tirar um cochilo nessa árvore antiga.
— Qual é, Dio? Você mais do que ninguém sabe que não me sinto bem nesse país. Parece que não faço parte dessa cidade. Eu venho aqui unicamente para me acalmar. De alguma forma, esse é o único lugar que me traz esse sentimento de paz. E, ah, não fique afobado, vamos chegar a tempo.
Zac começava a se afastar da árvore central, quando, de repente, sentiu um aperto forte no coração. Uma dor abrupta que parecia dilacerá-lo de dentro para fora. A sensação fazia com que seu órgão começasse a pulsar mais rápido, bombeando sangue rico em oxigênio para as extremidades do corpo. Logo, sua visão ficou turva e tudo ao seu redor começou a girar. Ele tentou desesperadamente pressionar o local da dor com as mãos, buscando de alguma forma sentir alívio.
Em sua cabeça, ecoava um som alto de uma mulher chorando. Mais ao fundo, ouvia gritos e pedidos de socorro. Todos esses ruídos pareciam vir de dentro da árvore. Então, ele decidiu seguir na direção do barulho e, quanto mais se aproximava, mais intenso ele se tornava.
Zac olhou para o chão e percebeu que havia deixado seu grimório caído. Ele se agachou para pegar o livro, e, no momento em que tocou a capa, foi transportado para um lugar distante, e algumas imagens surgiram em sua mente.
Uma casa antiga e solitária, com apenas um cômodo, onde uma mesa de madeira desgastada sustentava dois medalhões reluzentes, como se guardasse segredos esquecidos pelo tempo. Ao longe, o som de um choro infantil ecoava, suave, mas carregado de desespero, até ser silenciado por uma voz doce e reconfortante, que, com ternura, murmurava:
— Não chore, meu filho! Eu estou bem aqui.
— Zac? Está me ouvindo? Vai ficar parado aí?
As imagens começaram a se dissipar lentamente, e Zac foi voltando ao normal.
Dionísio, preocupado, aproximou-se de seu amigo, segurou-lhe o ombro e perguntou:
— O que aconteceu com você?
Dionísio olhou com desprezo para o grimório de capa preta.
— Estou bem, só estava lembrando de algumas coisas aqui.
— Por que você continua usando esse livro sujo e fedorento? Sabe que ele só tem te causado problemas. Por que insiste em usá-lo e não um dos grimórios lendários que temos na academia? — Dionísio, visivelmente incomodado com o cheiro do livro, perguntou.
— Esse livro sujo e velho, esse cordão enferrujado e essa voz na minha cabeça são as únicas lembranças que eu tenho do meu passado. Portanto, eles são o caminho para a resposta que eu procuro — Zac concluiu, esboçando um sorriso no rosto.
Zac colocou o grimório na mochila e começou a caminhar com Dionísio pela província de Urano, que era dividida em cinco capitais, cada uma com sua função: política, economia, indústria, educação e segurança.
Ao passarem pela entrada da praça, avistaram algumas placas com o nome “Paideia”.
Enquanto caminhavam, ouviram o sinal da academia tocando, anunciando que a aula estava prestes a começar. Dionísio olhou para o relógio em seu pulso e se assustou com o horário.
— Precisamos nos adiantar, Zac. Se não chegarmos até o final do terceiro sinal, você vai se ver comigo. Tá me ouvindo?
Com um olhar debochado, ele pegou seu grimório e começou a recitar palavras que Dionísio não conseguia compreender. Subitamente, uma aura preta emanou do livro e começou a condensar bem à frente de Zac. De repente, um uivo ecoou pela capital. A magia condensada se transformou em dois lobos negros com olhos azuis, cujas patas emanavam uma fumaça escura.
Ambos possuíam estatura média e uma pelagem que se misturava com a fumaça negra, movendo-se conforme o vento. Um deles exibiu um olhar mais gentil, enquanto o outro demonstrava um olhar mais agressivo. Eles saltavam sobre Zac, tentando subir nele. Um dos lobos babou o rosto de Zac, que, com a face ensopada, se agachou e acariciou os animais.
Dionísio observava, surpreso, o que acontecia. Apesar de achar a cena bonita, ele demonstrava um olhar de reprovação para Zac.
— É proibido o uso de magia sem autorização de um supervisor. Desfaz isso e vamos logo.
— Temos que chegar o mais rápido possível, não é, Dio? Você tem alguma ideia melhor? Se não tiver, sobe no Jack e vamos logo. — Zac sorriu de forma debochada para Dio.
No entanto, Dionísio se recusava a subir na criatura suja criada pelo grimório negro e, com um olhar de nojo e desprezo para o animal, balançava a cabeça negativamente.
Jack, então, encarou Dionísio e rosnou para ele, fazendo Zac rir da situação. Logo em seguida, ele fez carinho no lobo e subiu em seu dorso.
— Vamos logo, Dio, sem medo, porque nosso tempo está se esgotando e precisamos chegar à Academia! — O lobo disparou em direção à Academia.
Dionísio ficou para trás, sem saber o que fazer, enquanto observava o outro lobo que permaneceu ali. Mesmo contra sua vontade, ele subiu no lobo com dificuldade, tentando apontar para frente. Porém, nada aconteceu, então ele decidiu pedir ajuda ao seu amigo.
— Zac, como faz… — No momento em que falava o nome de seu amigo, o lobo partiu em direção a Zac.
Os lobos cruzavam as ruas da capital, saltando sobre riachos que cortavam a cidade. A cidade, vibrante e cheia de vida, era um contraste para os animais negros que chamavam a atenção de todos. Algumas pessoas que passavam pelo caminho olhavam para os lobos com desprezo, julgando os jovens que os montavam.
Os lobos atravessavam locais estreitos e saltavam escadas. Em um desses saltos, eles entraram na frente de uma carruagem que vinha na direção oposta. A carruagem mudou de trajeto para evitar um acidente. Do interior da carruagem, o rosto de uma criança pequena apareceu e apontou para os lobos negros.
— Pai, eu quero aqueles lobos! Nunca vi algo assim, pai. Gostei muito da cor deles. Parece que estão voando. Como eles fazem isso?
— Nada disso, garota. Esses animais são sujos e, para começar, não deveriam nem estar aqui. Se não me engano, esses garotos estão usando os uniformes da academia. São, certamente, alunos. Algo precisa ser feito urgentemente. A cada ano, essa academia piora e eu vou ter que mudar isso.
Zac olhou para trás e acenou, pedindo desculpas pelo ocorrido. Ele viu o rosto gentil da criança, que acenou de volta. Zac então voltou seu olhar para a estrada que seguia em direção à Academia.
Paideia: é o nome dado ao sistema de educação da Grécia Antiga. A palavra vem do grego paidos, que significa “criança”. A Paideia tinha como objetivo formar um cidadão completo, capaz de liderar e ser liderado, além de desempenhar um papel positivo na sociedade, com foco no ensino antropológico.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.