Capítulo 11: É preciso Volver
O pequeno Zac acordou com algumas lambidas em seu rosto. Dois pequenos animais de coloração preta estavam lambendo, mas o garoto continuou um pouco sonolento e fechou novamente os olhos, até que um dos animais acabou mordendo seu nariz.
— Aiiiiiii, meu nariz! — Ele passou a mão no rosto, mas sentiu uma textura diferente. Decidiu então esfregar a mão e percebeu algo viscoso.
— Que nojo, eu dormi aqui? Babei minha cara toda, não é possiv… — Quando, de repente, uma língua toda babada veio em sua direção.
Zac se levantou rapidamente do chão e foi em direção a uma árvore que estava à sua frente. Ainda meio sonolento e um pouco assustado, não percebeu nada de diferente ao olhar ao redor. Até que ouviu o barulho de latidos e, ao olhar para baixo, viu dois lobinhos pulando em sua direção.
De rompante, Zac se agachou e começou a brincar com aqueles animais. Eles eram totalmente diferentes de tudo que Zac já tinha visto, e isso, de alguma forma, o encantou. Logo, um sorriso surgiu em seu rosto, a felicidade de um jovem que, por muito tempo, não sabia o que era rir. De alguma forma genuína, os três pareciam estar conectados, uma conexão que fluía de dentro deles.
Zac se sentou no chão e continuou brincando com seus novos amigos. Então, percebeu que um era um pouco mais agitado e gostava de morder, enquanto o outro era mais tranquilo e gostava de receber carinho.
— Qual será o nome de vocês? Pensando bem, nem sei se vocês são macho ou fêmea… — No mesmo instante, os animais latiram, como se entendessem o que Zac tinha falado. E, ao olhar atentamente, ele sentiu uma energia fluindo deles, e, de forma instintiva, percebeu que o mais agitado era um macho e a mais tranquila, uma fêmea.
— Vocês são muito fofos, eu queria dar um nome legal para vocês. — Os pequenos animais soltaram alguns latidos, felizes pela ideia apresentada.
Então, já que encontrei vocês nessa floresta, o que acham de serem chamados de Flor e Esta? — Novamente, os animais latiram, mas dessa vez com um olhar de descontentamento.
O lobo mais animado foi em direção a um pequeno arbusto e pegou de lá uma revista de coloração laranja. Era uma revista velha e bem rasgada, com a capa mostrando um menino com um casaco verde e uma menina com um casaco marrom. Junto desses dois, algumas coisas que Zac não reconhecia estavam voando ao redor dos jovens. Porém, ele não pensou muito nesses objetos, pois ficou encantado com a cor alaranjada na capa da revista.
— O que é isso? Nunca vi algo assim antes. J – A – C – K – E – H – O – L – L – Y. — No momento em que ele falou esses nomes, os animais latiram de felicidade.
— JACK E HOLLY, eu gostei desses nomes.
Ele então abraçou seus novos animais enquanto repetia inúmeras vezes seus nomes. Os animais retribuíram o afeto de Zac, lambendo seu rosto.
Em meio às lambidas, manchas escuras apareceram em sua vista. Elas se distorceram para cima e para baixo, até que ele tentou afastá-las e limpar seu rosto.
Quando ele abriu os olhos, percebeu que estava de volta à arena. Até que ouviu um latido, mas, ao contrário das lembranças, esse latido denotava muita dor. Ao olhar para frente, ele conseguiu ver a Holly caída no chão. Ela estava parada, sem produzir nenhum barulho nem movimento. Zac então passou a mão pelo rosto de seu animal, fazendo-lhe um pouco de carinho.
— Holly, sou eu, você sempre gostou de carinho. Por favor, acorde. — Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Zac, até caírem sobre o animal.
Zac encostou seu ouvido no peito do animal, mas não conseguiu ouvir nenhum batimento. Em meio a tudo isso, toda a poeira que antes cobria a arena já havia se dissipado, mostrando a cena para todos na plateia, fazendo com que os alunos observassem atentamente tudo o que estava acontecendo.
— ZAAAAAC — Dionísio gritou desesperadamente, mas seu corpo já não conseguia sair do lugar.
Zac olhou para seu amigo e deu um pequeno sorriso de alívio, mergulhado em extremo desespero, que se esvaiu ao ver que seu inimigo ainda estava em pé.
— Uau, seu soco foi muito forte, hein? Estou tonto até agora. Se eu não tivesse conjurado um encantamento de resistência, provavelmente teria morrido. Muito obrigado, garoto, faz tempo que não me divirto dessa forma.
Com o auxílio de suas mãos, ele movimentou a mandíbula e cuspiu sangue em direção ao solo. Logo em seguida, espreguiçou-se, esticando os braços e expandindo o peitoral.
— É, meu garoto, não foi dessa vez. Quem sabe na próxima. Vou ser sincero com você, na hora em que você desceu da arquibancada, até fiquei meio nervoso — ele fez força para tirar o pé que estava preso no chão devido ao impacto causado pelo soco.
— Você possui muita técnica. Aliás, esse teu impulso usando esse bicho com asas foi genial, me pegou de surpresa. Eu realmente não imaginei que você fosse fazer aquilo.
— Ahhh, e sem falar desses seus animais. Tanto a ave que mudou a angulação para tirar minha postura, quanto os animais que fingiram sua presença para me enganar. Foi realmente um combate muito bom, pena que não usei tudo o que tinha para usar.
Ele começou a andar lentamente na direção de Zac. Enquanto caminhava, observou que o corvo forçou demais e acabou machucando sua garra no momento em que Zac se apoiou, fazendo com que o animal perdesse o equilíbrio e caísse em direção ao solo. Já os lobos, um estava caído no chão ao lado de Zac e o outro estava inconsciente.
— Eu não queria ter chegado tão longe, peço desculpas, me deixei levar pela adrenalina. Eu sinceramente não queria ter machucado seus animais. Por mais que sejam nojentos para mim.
— Parem com isso, por favor — Clara gritou da plateia.
Era um cenário muito adverso para o primeiro dia de aula, pois alguns alunos estavam com um semblante de tristeza, outros em choque e sem saber o que fazer, e ainda havia aqueles que estavam alegres por ver o menino do livro amaldiçoado caído no chão. No meio da arena, o rapaz estava de pé olhando para o jovem garoto que estava abraçando o seu animal, com um corvo estatelado no chão, um lobo mais ao norte inconsciente e, para completar, o rapaz que recebeu a facada no meio do peito.
Sem forças para levantar, Zac continuou caído no chão enquanto seu algoz se aproximava.
— Eu falhei, não consegui proteger vocês, ela realmente estava certa. Eu sou fraco, me desculpem.
— Ei, garoto, você consegue se levantar? Eu vi que você é bem forte, mas será que chegou ao seu limite?
— Eu falhei, me desculpe. Eu falhei.
— O que você está murmurando, garoto?
— Eu fui um péssimo amigo e não consegui cuidar deles, agora eu consigo te entender — ele secou o rosto usando sua camisa.
— Não estou conseguindo te entender, mas acho que finalmente você chegou ao fim. Meu pobre garoto, foi bom enquanto durou.
— Você sabia que eu era fraco? Eu sei que não adianta chorar. PORÉM ME DIGA, POR QUE VOCÊ DEIXOU ELA MORRER NOVAMENTE? — exclamou Zac com toda a sua alma, e sua voz ecoou por toda a arena.
— Eu te falei que não foi por querer, eu apenas me empolguei.
— Eu não estou falando com você — Zac afirmou com um olhar de desdém.
No momento em que Zac falou, um uivo ecoou por toda a Academia, mas não era apenas um som. Havia uma presença, algo amedrontador, um som imponente que fez o rapaz à sua frente perder a compostura e cair no chão.
— Pobre menino, como ousa me destratar? Não vê que meus filhos apenas dormem? — Uma voz feminina, muito calma, porém ciente do poder que possuía, fez questão de deixar isso bem claro.
— Aliás, como você deixou esse indigente machucar a minha filha?
Subitamente, o rapaz se levantou. Mesmo trêmulo, se colocou em posição de defesa e, usando sua alma, ele novamente encantou seu corpo. No entanto, dessa vez, a magia era muito mais intensa, visivelmente.
— Garoto, por que você não me responde? — disse a voz feminina de forma calma.
Zac usou o restante de sua energia para ficar de joelhos ao lado de seu animal. Ele jogou seu livro no chão e, com os olhos fechados, fez um simples movimento com a mão, fazendo com que uma fumaça negra começasse a sair de seu grimório.
— Hahahaha, então você não é mais tão fraco assim. Pobre garoto, dessa vez eu vou te ajudar, porém entenda que você não me controla, apenas faço isso por eles — exclamou a voz feminina.
— Zac, por favor, me ouça, sou eu, Dionísio. Não faça isso, meu amigo. Eu te peço, por favor — Dionísio gritou da arquibancada.
— Me desculpe, Dio.
A fumaça negra cobriu toda a arena, ninguém conseguia enxergar nada; tudo era apenas escuridão. Entretanto, a fumaça continuava a sair do livro e, no meio de toda aquela escuridão, só era possível ver um símbolo brilhando em azul claro. O mesmo símbolo que, há pouco tempo, havia brilhado no olho de Zac.
O livro se fechou e, logo em seguida, a fumaça começou a se condensar bem atrás de Zac. Porém, algo totalmente diferente do habitual aconteceu, pois ela foi se condensando e crescendo até alcançar a altura de cinco metros. Uma espécie de parede feita de fumaça negra que, aos poucos, ia ganhando forma.
A arena foi voltando a ficar limpa e, aos poucos, as pessoas começaram a perceber que uma enorme parede preta estava surgindo atrás de Zac.
— Como é bom estar de volta, mesmo depois de tanto tempo.
— Seja muito bem-vinda, seja lá quem for — Zac respondeu com um tom sarcástico.
O rapaz que outrora estava muito confiante, estava visivelmente abalado. Algo no uivo havia sido familiar para ele, forçando sua memória. Ele lembrou que havia ouvido esse mesmo som em uma missão antiga, onde enfrentaram uma terrível fera conhecida como Fenrir. Em virtude da lembrança, seu coração começou a acelerar rapidamente.
— Garoto, você não sabe o que está fazendo. Pare isso imediatamente — balbuciou o rapaz, tremendo dos pés à cabeça.
— Não sou eu quem controla, e como você disse muito bem, eu não queria ter chegado tão longe, peço desculpas, eu me deixei levar pela adrenalina — respondeu Zac de forma irônica.
— Não é brincadeira, garoto. Essa besta não tem compaixão. Ela mata por diversão. Eu vi inúmeros soldados morrerem nas garras dela. Passamos muito tempo tentando deter esse animal, então, por favor, pare agora.
— Posso falar o mesmo de você, pois acabei de ver você tirar a vida de um homem bem na nossa frente.
O que antes era somente uma fumaça se tornou um pelo que se mesclava ao vento. Uma besta fera de cinco metros de altura se formou bem atrás de Zac, que ainda estava ajoelhado, com a cabeça apoiada no peito de sua invocação. Então, ele percebeu que Holly estava voltando a respirar, bem de leve, o que fez com que seu coração ficasse mais tranquilo. Ele então recolheu os dois lobos e o corvo que estavam na arena.
Zac agora se sentou no chão, uma mistura de sentimentos em sua cabeça o deixando bem desnorteado, em especial uma sede de sangue que provinha da besta fera que acabara de aparecer na arena. Quando, de repente, uma mão tocou seu ombro.
— Jovem, eu estou bem, tudo não passou de uma pequena demonstração.
Quando Zac olhou para trás, percebeu que quem o tocava era o rapaz que há pouco fora empalado vivo, entretanto agora estava bem, sem nenhum ferimento em seu peito.
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