Capítulo 12: Um Grito de Misericórdia
O pobre Zac estava sentado no chão e, ao olhar para trás, viu uma silhueta que o chocou brutalmente.
— Você não estava mor… — Ele não teve forças nem para terminar a frase. Seu corpo estava visivelmente cansado. Tanto a luta quanto a aparição do indivíduo que antes acreditava estar morto geraram nele uma sobrecarga emocional gigantesca. Incapaz de suportar tal peso, Zac desabou ao chão, sem forças.
Os alunos não conseguiam acreditar no que viam. Além de toda a batalha que acabara de acontecer, agora se deparavam com um rapaz que voltara dos mortos. Perplexos, começaram a murmurar entre si.
— Eu pensei que estivesse segura neste lugar… Como pode? Não me sinto confortável na mesma sala que esse garoto! Além disso, como um assassino entrou na escola? Vou falar com meu pai — exclamou uma jovem de cabelos longos avermelhados.
— Concordo, mas ele foi o único capaz de fazer o que nós não tivemos coragem — comentou outra garota, de cabelos cor de âmbar.
— Qualquer um poderia ter feito isso. Ele não fez nada demais. Ainda por cima, está lá, caído no chão igual a uma garotinha — comentou Lacer, com desdém.
— Vocês ainda estão falando desse garoto, sério? O rapaz acabou de voltar à vida e é nisso que vocês estão focando? — questionou, animado, um jovem de cabelos pretos desgrenhados, dirigindo-se aos colegas de classe.
No meio daquela conversa, Clara percebeu que Dionísio estava debruçado sobre a arquibancada, com o olhar cabisbaixo e desanimado. Preocupada, decidiu se aproximar do amigo.
— Como você está? O que foi tudo isso que aconteceu? Você está bem? Me desculpa pelas perguntas, mas… você realmente está bem? — perguntou, hesitante. — Eu vi você de longe gritando e, por um momento, me lembrei de quando éramos crianças. Me trouxe uma nostalgia… Mas, ao mesmo tempo, eu não consegui sair do lugar.
Quando Dionísio se virou para encará-la, Clara percebeu que ele chorava, incapaz de conter a emoção. Seu rosto trazia uma expressão sincera, mergulhada em sentimentos intensos.
— Ele não precisava ter feito isso… — murmurou Dionísio, a voz embargada. — Ele não é uma pessoa ruim. Eu conheço o Zac. Ele me salvou inúmeras vezes e nunca consegui retribuir tudo o que ele fez por mim. Mas o julgam por causa desse maldito livro e das criaturas negras… Ninguém olha para quem ele realmente é. Zac não tem pai nem mãe. Cresceu sozinho. Quando vi a Academia, achei que poderia ser uma oportunidade para ele ter mais pessoas ao seu redor… Além de ser minha forma de agradecer por tudo. Mas agora… Agora tudo vai desmoronar.
Clara se aproximou e, com delicadeza, pousou a mão direita no rosto de Dionísio. Com a outra, puxou um pequeno pano de seu uniforme e limpou as lágrimas do amigo.
— Vai ficar tudo bem… Ele não está sozinho. Ele tem você.
Dando um sorriso gentil, completou:
— Eu sempre achei muito bonita a amizade de vocês. Até tinha me esquecido de como era especial… Então, por favor, não chore. Porque, se continuar, eu também vou acabar chorando.
— Muito obrigado, Clarisse. Você é muito especial para mim — disse Dionísio, enquanto acariciava a mão dela.
Por alguns segundos, ambos perceberam o que estavam fazendo e se viram em uma situação desconfortável. Rapidamente, Dionísio retirou a mão e se afastou um pouco de Clara.
Tentando disfarçar o momento, ele desviou o olhar para o centro da arena e viu seu amigo caído no chão, ao lado da besta fera. O animal, imponente, tinha cerca de cinco metros de altura e permanecia imóvel, mas sua presença emanava uma aura devastadora. Sua pele negra se mesclava ao vento, tornando sua silhueta ainda mais ameaçadora.
Ao observar com mais atenção, Dionísio percebeu que Zac tentava se levantar. No entanto, antes que conseguisse firmar os pés, caiu novamente, levantando uma leve nuvem de poeira.
De repente, a besta fera soltou um uivo ensurdecedor, desencadeando uma poderosa rajada de vento que empurrou todos os presentes para trás. Alguns alunos perderam o equilíbrio e caíram no chão com o impacto.
Logo após o uivo, a criatura saltou em direção ao rapaz que havia agredido sua cria. Entretanto, no exato momento em que estava no ar, as raízes que cercavam o Coliseu se lançaram contra o animal, arremessando-o na direção da arquibancada, onde estavam os alunos.
Antes que a fera os atingisse, uma rede formada por vinhas surgiu à sua frente, impedindo que o pior acontecesse.
Entretanto, o animal reorganizou sua postura e usou a estrutura floral como uma espécie de trampolim. Projetando seu corpo contra as vinhas, a besta assumiu uma posição de ataque e avançou em direção ao seu alvo. No entanto, mais uma vez, um conjunto de raízes surgiu em seu caminho, tentando, de alguma forma, impedi-la de alcançar seu objetivo.
Porém, antes de ser atingida, a criatura imitou os lobos de Zac e se dissipou no ar, transformando-se em uma densa fumaça negra. Ao atravessar as raízes, ela se solidificou novamente e, em um movimento rápido, cravou seus dentes na barriga do oponente, mais precisamente no baço. Seus dentes afiados penetraram profundamente, e, com força brutal, a fera começou a sacudir sua presa para cima e para baixo, com o claro intuito de dilacerá-la.
Em pânico, o rapaz começou a reviver todas as vezes em que fora brutalmente atacado por aquele animal ao longo de sua missão. Ele gritou de dor, pois a defesa corporal que havia projetado em seu corpo estava sendo rompida com extrema facilidade. Além do sofrimento intenso, sentia uma pressão esmagadora causada pela mordida; seus ossos estavam sendo comprimidos pela mandíbula da criatura.
— Potifha, por favor, afaste-se para que eu possa prender essa fera! — exclamou uma voz feminina vinda da parte externa do Coliseu.
Mesmo preso, Potifha cravou sua espada na boca do animal e conjurou um encantamento que cobriu seu punho. Em seguida, desferiu golpes contra a mandíbula da besta. Contudo, não conseguiu se libertar da mordida, mas recusou-se a desistir e continuou a socá-la, enquanto seu semblante mudou completamente.
— Flora, eu não estou conseguindo escapar da mordida — Potifha cuspiu sangue —, então, por favor, me prenda junto com ela. Precisamos proteger os alunos.
Antes mesmo de Potifha terminar sua fala, colunas de vento surgiram de todas as entradas possíveis do Coliseu, formando um redemoinho ao redor dele e da besta. Devido à força centrípeta, o vórtice começou a puxar a criatura para fora, mas não de uma só vez—ela era sugada em partes, pequenos fragmentos de uma espécie de fumaça negra sendo arrancados pelo vento. Potifha sentiu o ar sendo violentamente sugado de seus pulmões.
Aos poucos, o redemoinho assumiu uma coloração escura até que, por fim, o animal foi completamente dissipado, deixando Potifha cair desacordado no chão.
A circunferência do tornado negro começou a diminuir, deixando o rapaz inconsciente para fora de seu alcance. No entanto, das paredes do furacão, um brilho vermelho começou a emergir, afastando-se gradualmente e formando dois círculos brilhantes—como se fossem olhos atentos, observando tudo.
De repente, a criatura de cinco metros reapareceu do centro do redemoinho, seus olhos vermelho-sangue cintilando de fúria. Sem hesitar, avançou em disparada em direção à porta central do Coliseu, como se tivesse um alvo definido.
Na entrada, uma silhueta familiar surgiu—era a diretora Flora, que caminhava suavemente na direção do gigantesco animal.
— Não se apavore, pobre criatura. Eu não lhe farei mal algum — disse ela, sua voz serena. — Você apenas tem medo, e sentir medo é natural. Então, desista de avançar contra mim. Eu vi tudo desde o início… Avisei Potifha para não fazer essa demonstração.
Enquanto a cena se desenrolava, Zac se debatia violentamente no chão, como se todos os músculos de seu corpo estivessem sofrendo espasmos involuntários. Potifha, por sua vez, lutava para respirar novamente, tentando puxar o ar de volta para seus pulmões, enquanto seu tórax se contraía e ele suspirava desesperadamente. Dionísio, superando o próprio medo, saltou da arquibancada em direção ao amigo.
A fera, tomada pela fúria, abriu sua boca colossal e saltou contra Flora, tentando devorá-la por completo. No entanto, antes que pudesse alcançá-la, Zac se ergueu abruptamente e, com um simples movimento dos dedos, alterou a trajetória do animal, lançando-o contra o chão.
Ele não compreendia exatamente o que estava acontecendo, mas sentia algo profundamente perturbador vindo de dentro de sua própria invocação.
— Seu papel era protegê-los, não matar alguém — murmurou ele, a voz carregada de culpa. — Eu me deixei levar pelo seu instinto sanguinário… Enquanto estava caído, vi algumas de suas memórias. Você já errou no passado, abandonando os dois para se afundar em seus desejos de sangue…
Lágrimas escorriam dos olhos de Zac, pesadas como gotas de cristal quebrado, mas ele permaneceu firme. Sua voz, antes trêmula, agora soava como um trovão contido:
— Você entrou nesse jogo de sangue e vingança sem perceber que eles estavam indefesos. Durante quarenta anos, sua lâmina ceifou vidas, seu rugido fez reis estremecerem, mas no fim… para quê? Quando finalmente olhou para trás, quando correu para salvá-los, já era tarde. Restavam apenas ossos. Sobrando apenas o silêncio de um passado irrecuperável e a poeira fria sobre seus corpos.
O vento cortante varreu a arena, carregando consigo o peso de suas palavras. As sombras projetadas pelas colunas de pedra tremulavam, como se a própria estrutura do Coliseu estremecesse. A fera, antes tão imponente, agora parecia encolhida sob o fardo daquela lembrança.
— Você se sente culpada, não é? — Zac prosseguiu, seus dedos crispados ao lado do corpo. Sua respiração entrecortada se misturava ao ar carregado de magia. — Mas no fim, continua nesse ciclo maldito. Não aprendeu nada? Não se arrependeu? Parece que não… Porque mais uma vez, deixou-se dominar por essa sede insaciável. Então me responda… você só iria pensar neles de novo daqui a mais quarenta anos?
O silêncio que se seguiu não foi de paz, mas de tensão sufocante. O ar parecia vibrar com uma energia invisível. As brasas acesas nos olhos da criatura esmoreceram, sua aura, antes esmagadora, desvaneceu-se lentamente. As presas expostas cerraram-se.
Então, um novo som ecoou pelo Coliseu.
Pequenos passos. Trêmulos.
Dionísio se aproximava.
Zac que não conseguia esconder o tremor em sua voz quando, por fim, ergueu a cabeça e gritou:
— OS DOIS ESTAVAM INDEFESOS! ERAM APENAS BEBÊS!
O eco de suas palavras se espalhou pelas arquibancadas como um trovão preso entre as paredes do mundo. Suas pupilas vibravam em um misto de fúria e dor crua, a mandíbula travada pelo peso da lembrança.
— VOCÊ NÃO CONSEGUE IMAGINAR A DOR QUE É SOFRER E NÃO TER QUEM VOCÊ AMA POR PERTO! — Ele gritou, sua voz se quebrando no final, como uma lâmina sendo retorcida. — ELES UIVAVAM! UIVAVAM ESPERANDO QUE VOCÊ FOSSE CHEGAR! MAS VOCÊ NÃO CHEGOU! SENTIRAM O FRIO DA ESPADA ATRAVESSAR SEUS CORAÇÕES… E VOCÊ NÃO ESTAVA LÁ!
A fera ofegou, seus músculos retesaram-se em um espasmo involuntário. Os olhos de chamas vermelhas vacilaram e, pouco a pouco, a cor azul retornou às suas íris.
O silêncio se abateu mais uma vez.
Zac fechou os olhos, e por um instante, sua própria respiração pareceu cessar. Quando os abriu novamente, seu olhar já não carregava a cólera de antes. Não havia mais ira, apenas uma melancolia profunda e resignada.
Sua postura suavizou-se. Sua voz, agora baixa e serena, cortou o silêncio como um feitiço ancestral sendo lançado sob a luz de uma lua esquecida.
Ele olhou para a criatura e, com uma calma impenetrável, inspirou profundamente, deixando o peso da dor se espalhar por seu peito antes de finalmente libertá-la em palavras. Sua voz, agora carregada de uma força inabalável, ressoou por toda a arena:
— Se eles estivessem vivos… por sua culpa, morreriam novamente.
A fera se encolheu. Seu corpo imponente, que outrora exalava uma presença avassaladora, agora tremia sob o peso daquelas palavras. O azul profundo de seus olhos cintilou, como se, por um breve momento, uma emoção perdida emergisse de seu âmago sombrio.
Zac deu um passo à frente, sua silhueta banhada pela luz fraca das tochas. Sua expressão já não era de ira ou desespero, mas de algo mais firme e resoluto.
— Então não volte mais — ordenou, sua voz ecoando como um decreto do próprio destino. — Eu irei protegê-los. Eles não precisam de você. Pelo menos, não de quem você é agora.
O silêncio pairou pesado, sufocante. O ar vibrou com uma energia densa, como se o próprio Coliseu prendesse a respiração.
Então, com um último olhar para a criatura, Zac ergueu sua mão. Seus dedos se fecharam no vazio, e sua voz rugiu como um trovão selando um juramento:
— DESCANSAR!
Uma força invisível percorreu a arena como uma onda de choque. A fera arfou, recuando, enquanto seu corpo começava a se dissipar em partículas negras, rodopiando como cinzas ao vento. Seu olhar, agora puro e límpido, fixou-se em Zac até o último instante.
E então, ela desapareceu.
A poeira assentou. O Coliseu permaneceu em um silêncio espectral.
Zac abaixou a mão lentamente, sentindo o peso da decisão que acabara de tomar. Ele sabia… aquilo não era apenas o fim de uma luta. Era o fim de algo muito maior. E, ao mesmo tempo, o início de algo desconhecido.
Enquanto Zac falava, Dionísio continuava caminhando, as palavras penetravam sua alma, seu corpo com muita dificuldade permanecia caminhando em direção de seu amigo.
Enquanto Zac falava, Dionísio continuava avançando, embora cada palavra do amigo parecesse um golpe invisível que atravessava sua alma, deixando marcas profundas. Seu corpo, castigado pelo cansaço e pela dor, tremia a cada passo, mas ele se recusava a ceder. O peso da exaustão tornava seus movimentos lentos, quase arrastados, como se o próprio ar ao seu redor estivesse mais denso, dificultando sua caminhada.
Seu coração pulsava descompassado, impulsionado por uma mistura de sentimentos que ele mal conseguia compreender. O desejo de ajudar Zac, de estar ao seu lado naquele momento, superava qualquer dor física. Seus músculos protestavam, seus pulmões ardiam, mas ele seguiu em frente, ignorando tudo que tentava detê-lo. Cada metro percorrido parecia um desafio insuperável, mas Dionísio persistia, como se apenas sua proximidade pudesse amenizar o peso das palavras que ecoavam no silêncio ao redor.
Ele sentia os olhos arderem, não sabia se pelo cansaço ou pelas lágrimas que se acumulavam, presas por um orgulho tolo. Tudo dentro dele doía — o corpo, a mente, o coração. Ainda assim, ele continuou, cambaleante, arrastando-se em direção a Zac, como se aquele esforço desesperado fosse a única coisa que ainda o mantinha de pé. Mas, mesmo em meio ao tormento, havia algo dentro dele que se recusava a ser apagado. Uma chama ardente queimava em seu peito, um desejo inabalável que o impulsionava a continuar. Ele não permitiria que Zac se sentisse só novamente. Nunca mais.
A imponente fera Fenrir, que jazia caída no chão, começou a se desfazer. Sua pele negra e etérea se dissolvia lentamente, transformando-se em uma névoa densa e escura, que serpenteava pelo ar como sombras vivas. A fumaça, agora pulsante, foi atraída para o grimório de Zac, sendo sugada para dentro de suas páginas como se o próprio livro devorasse sua essência.
No meio daquela névoa revolta, uma voz ecoou, baixa, carregada de arrependimento e alívio.
— Me desculpe, garoto… e muito obrigado… pelas palavras.
Zac tentou manter os olhos abertos, mas seu corpo já não lhe obedecia. Todo o cansaço, toda a dor e tensão da batalha o atingiram de uma só vez, como se o peso do mundo desabasse sobre seus ombros. Seu equilíbrio vacilou, suas pernas cederam, e ele tombou para trás, entregue à exaustão.
No instante em que seu corpo começava a cair, braços firmes o seguraram antes que atingisse o chão. Dionísio, com o coração acelerado, o envolveu com força, sustentando seu amigo contra si.
Ele soltou um suspiro e sorriu suavemente.
— Parece que, desta vez, eu que te salvei… — murmurou. — Aproveita e descansa, meu amigo.
As palavras de Dionísio foram se tornando distantes, ecoando em um espaço cada vez mais abstrato. Tudo ao redor de Zac foi escurecendo, como se uma cortina sombria descesse sobre sua consciência. Sua visão foi tomada por sombras, uma fumaça espessa e silenciosa, engolindo-o em um vazio absoluto.
Não havia som.
Não havia luz.
Apenas um infinito escuro, ausente de qualquer coisa.
Olá, se chegou até aqui talvez se questione um pouco sobre todos os ocorridos, espero que essa história não seja apenas uma jornada de Zac, mas um convite a mergulhar na Alma. Espero que esteja aproveitando essa jornada.
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