Capítulo 13: Entre dois Mundos
Após todos os acontecimentos, uma névoa negra surgiu, encobrindo completamente a visão. Ela permaneceu por algumas horas, enquanto a escuridão se perpetuava.
Até que algo estranho aconteceu: de um lugar muito distante de Urano, uma voz masculina irrompeu repentinamente:
— Vamos permanecer aqui por quanto tempo ainda? Fomos enviados para encontrar a chave e, até agora, nada. Já faz tempo que estamos apenas olhando para essa escuridão. Foi para isso que ela me mandou? Para ficar vendo memórias antigas ao seu lado?
— Tenha um pouco mais de paciência. Eu também não queria trabalhar com você, mas ele me enviou com uma missão: identificar a chave que poderá salvar este mundo. Então, peço que colabore. Com meu poder, sou capaz apenas de ver a trajetória da alma, não de alterá-la. Por mais que eu tente acelerar o processo, precisamos esperar esse período passar.
— Não me entenda mal, não é nada pessoal, mas já estamos nessa jornada há alguns dias. Estou cansado de montar esse quebra-cabeça, pois não consigo entender o que essa pobre criança tem de especial. Não entendi por que ela me enviou com esse pedaço de cabelo e pediu para eu começar por ele.
— Eu também não sei por que ele me enviou para este lugar com um pedaço de cabelo. Ele não explicou muita coisa, apenas pediu que eu seguisse as instruções até chegar aqui. Mas sinto que, de alguma forma, esse garoto tem algo de especial. Sinceramente, nunca ouvi falar dele em Urano. No máximo, ouvi sobre alguns arruaceiros pregando peças na Academia.
— Esses arruaceiros são dos meus. Eles seriam bem aceitos em Gaia. Aliás, esse garoto tem um item que destoa bastante da sociedade de vocês, sem falar dessas visões que aparecem constantemente. Só não entendo por que, no meio de tanto caos, nos mandaram para este lugar apenas para vermos algumas historinhas. Como vamos salvar o mundo com isso?
— Eu também não sei, mas sempre fui fiel ao meu rei e sinto, do fundo do coração, que ele depositou toda a sua esperança nesta missão. Por isso, darei a minha vida para cumprir a ordem que ele nos deu, pois jamais esquecerei o olhar triste que ele me lançou ao descobrir que havia sido traído por quem menos esperava. Então, se for para ficar assistindo a algumas historinhas, farei isso de bom grado. Meu senhor não merece ser traído mais uma vez. E, sobre o garoto, de fato ele é bastante atípico, ainda mais por ser alguém próximo do filho de Zeus.
— Eu te entendo e compartilho do mesmo sentimento em relação à minha rainha, mas me dói saber que o nosso mundo está prestes a ser devastado enquanto estamos aqui. O pior é que minha alma não consegue ressoar com ninguém lá fora. Apenas consigo me sincronizar com a sua. De certa forma, isso é bom, porque posso ver exatamente o que você está vendo. No entanto, enquanto assisto a esta história, tento inúmeras vezes me conectar com alguém do lado de fora, mas não consigo. Isso está me deixando louco. Tentei me conectar com os dois fios de cabelo e, até agora, nada. Ou seja, não estou conseguindo ajudar em nada, apenas estou na sua mente, vendo toda a história.
— Relaxe, tenho certeza de que há uma razão para estarmos aqui. Aliás, sinto que, no momento certo, o seu poder será extremamente necessário. Na verdade, ele já está sendo muito útil, pois, juntos, conseguimos captar informações que talvez eu, sozinho, não conseguiria.
— Faz sentido. Até que você é um velho legal, mesmo sendo muito chato… Ainda mais com essas roupas bregas. Eu sinceramente não entendo como o povo de cima não tem a mínima noção de moda.
— A moda de vocês que é certa mesmo né? Usar roupas pretas sem cor alguma, não tendo nenhuma beleza, o povo de baixo é que tem o verdadeiro conceito de moda.
— Mudando de assunto, estou com um leve pressentimento de que a árvore, o livro, o garoto, o professor e o rapaz que solta veneno são chaves importantes. Eles parecem ter uma espécie de vínculo. Aliás, ainda estou encucado com a sensação de já ter visto esse rapaz que lança veneno andando pelas ruas de Gaia… O que seria impossível.
— Também senti o mesmo. Esse vínculo que eles compartilham é algo que precisamos entender. Até agora, achei a alma desse jovem bem intrigante, especialmente no momento em que ele encontrou aqueles livros. Se eu não soubesse que o nosso mundo está sendo consumido por aqueles dois, talvez até estivesse mais animado com essa história, porque ela é realmente fascinante… Em especial a do Kyron. Eu tinha recebido uma carta de admissão encaminhada pela Flora e a assinei automaticamente, sem nem ler, pois confio de coração naquela mulher. Mas vê-la sendo traída me doeu bastante… Pouquíssimas pessoas conhecem a história dela.
— Falando nisso, há algo que eu gostaria de entender. Você consegue se conectar à alma de alguém usando sua habilidade, certo? Mas então, como vimos algumas cenas se estávamos conectados ao garoto? Fiquei me perguntando isso, mas não queria atrapalhar o desenrolar da história. E, de fato, esse garoto possui uma afinidade com o tempo bastante atípica.
— Nossas almas ressoam e possuem afinidades, como você já sabe. Mas elas também conseguem entrar no plano astral e, em momentos específicos, algumas almas acabam se conectando durante esse processo. Isso aconteceu diversas vezes ao longo da história. Em especial, esse garoto não estava apenas tendo visões—ele estava sendo puxado, de forma súbita, para o plano astral, fazendo com que sua alma ficasse vagando.
— Foi o que pensei no início, mas, com o tempo, percebi que sua alma queria nos mostrar algo. Como se ele já soubesse que tudo isso aconteceria. Como se, de alguma forma, ela soubesse que estamos observando esta cena.
— O quê? Como assim? Isso é incrível! Porque, então, só há duas possibilidades: ou a alma do garoto sabia que seria observada ou ela transcende o tempo e não está presa ao nosso plano.
— Perspicaz da sua parte. Ainda não formei uma opinião definitiva sobre isso, mas acredito que seja algo por esse caminho. Só me pergunto por que ele não me enviou para falar com esse garoto enquanto ele ainda estava em Urano. Eu poderia tê-lo acompanhado de perto e observado seu progresso.
— Também me faço perguntas sobre as escolhas que foram feitas até agora. Isso está me corroendo genuinamente, mas esta conversa me ajudou bastante. Estava pensando… Como você falou há pouco sobre a afinidade da alma desse garoto, tudo o que estamos vendo é o que a alma dele quer que vejamos, certo? Então, por que não estamos vendo nada agora?
— Sim, creio que seja exatamente isso. Quanto à segunda pergunta, também não sei responder. Mas acredito que ele tenha se esgotado completamente, tanto a alma quanto o corpo. Ele passou por um baque de emoções e conflitos internos, mas, mesmo assim, se manteve de pé até a última gota de energia.
— Outra coisa em que pensei foi sobre o início da história. Ela não parece estar sendo contada de forma completa. Digo isso porque começou a ser mostrada quando o jovem já estava caído no chão da praça, sendo que eu não selecionei um ponto específico. Apenas toquei no cabelo e tudo fluiu. Só consigo selecionar um momento específico se já tiver conhecimento prévio sobre ele. Entretanto, sobre esta vida, não possuo conhecimento nenhum. Estou apenas seguindo o desenrolar da alma. Por isso, achei que me seria mostrado o início dessa vida.
— Faz bastante sentido. Acho que é a segunda vez que digo isso nesta conversa. Muito intrigante… Você disse que nunca viu esse jovem. Será que esta é a história dele desde o começo, ou apenas o início da história que nós precisamos saber? Isso está ficando cada vez mais interessante. Se eu não sobreviver a tudo isso, ao menos terei passado ótimos momentos finais.
— Realmente, eu tinha um preconceito com o povo de lá. Mas vejo que você é uma pessoa legal… Só um pouco rude e meio maluco. Gostaria de conviver um pouco mais com você e conhecer sua cultura, mas isso não é possível, pois não podemos andar juntos. E não seja pessimista. É nosso dever completar a missão que nos foi dada.
— Ia dizer o mesmo. Seria uma boa ideia. Tentarei não nutrir esses sentimentos, mas isso vem da minha alma… Vou me esforçar para não pensar nisso.
— E sobre estarmos juntos… Quanto tempo mais você acha que conseguiremos permanecer aqui?
— Não faço a mínima ideia, pois nem sabia que um lugar como este existia. Quando aquilo aconteceu no meio da arena, ele pediu desesperadamente para vir para cá. Eu não consegui ver nada do que aconteceu. Só ouvi o estrondo… E os gritos do meu rei.
— Eu também passei pela mesma situação. Estava comendo quando ouvi o barulho vindo da parte central da arena e, agora, estou aqui. Acho que vou me desconectar um pouco da sua alma e esperar até termos alguma novidade. Aproveitarei para analisar melhor este lugar, pois não sei quando estarei aqui novamente. Penso em apelidá-lo de Divisa dos Mundos.
— Não será necessário, pois a fumaça negra está começando a se dissipar.
— Uma pena… Eu queria observar mais. Nossa conversa fez o tempo passar bem rápido. Já dá para ver algumas luzes atravessando a fumaça n…
Ele foi interrompido por uma voz bem conhecida em sua mente.
— Ei, Zac! Zac! Acorda, Zac… Zac, acorde logo! Você já está dormindo há quase trinta e duas horas. Levanta dessa cama! Acorda! Você precisa saber da decisão da diretora. Eu, sinceramente, pensei que você ia ser execrado da Academia, mas ela não fez isso. Apenas pediu para você aguardar aqui e para que eu te acompanhasse até a sala dela. Então, anda logo, Zaaaac…
Dionísio interrompeu a própria fala com um bocejo. Ele aparentava estar exausto, provavelmente porque passara boa parte do tempo ao lado do amigo. Seu cabelo avermelhado estava visivelmente amassado, e seus olhos, cheios de remelas.
Os jovens estavam na enfermaria da Academia, um lugar repleto de alas médicas, separadas por tecidos azuis que delimitavam o espaço dos alunos enfermos. Assim como o restante da Academia, era um ambiente luxuoso e belo. No entanto, o que mais chamava atenção ali era a forma como a iluminação refletia na medida exata para garantir conforto ocular.
Zac já estava acordado fazia alguns minutos, mas passou esse tempo todo abrindo e fechando os olhos. A luz naquele lugar era forte demais, e ele não conseguia mantê-los abertos por muito tempo. Então, ergueu o tronco e sentou-se na lateral da cama.
— Ainda bem que acordou! Como você está? Disseram que você só precisava descansar um pouco.
— Acho que estou bem… Só meu pulso está doendo um pouco. Mas estou com muita dor de cabeça.
— Ah, sim. Eles falaram que você provavelmente se sentiria assim, porque usaram um tratamento de luz muito daora.
— Espero que passe logo… Ei, Dio, tinha mais alguém aqui nesta sala? Porque eu ouvi duas vozes conversando.
— Depois que as enfermeiras saíram, só fiquei eu aqui. Mas bora lá na diretora. Peguei seu livro e coloquei na sua mochila. Tá aí do seu lado. Se arruma e vamos logo. Ela pediu para irmos assim que você acordasse.
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