Zac e Dionísio foram lançados para fora com uma delicadeza surpreendente. Expelidos pelo canal que a planta criara, caíram diretamente em cadeiras de um conforto indescritível. A sensação era como se mãos invisíveis, suaves e gentis, os houvessem amparado e depositado ali com cuidado. As poltronas eram formadas por um emaranhado de folhas incrivelmente macias, mais macias que todos os travesseiros que Dionísio já usara em sua vida.

    Zac ergueu o olhar e deparou-se com uma paisagem completamente nova. Diante dele, estendia-se um espaço de requinte singular: uma mesa delicada repousava no centro da sala, cercada por um ambiente que, embora elegante, possuía algo incomum. Tudo ali parecia vivo. Nas laterais, flores azuis moviam-se levemente, como se respirassem, mas sua atenção foi logo desviada para os pequenos espíritos de luz que flutuavam suavemente pelo lugar.

    Havia vida em cada detalhe. Zac sentiu-se envolvido por uma atmosfera acolhedora, um calor reconfortante que não experimentava há muito tempo.

    Então, seus olhos pousaram sobre uma poltrona azul, feita de raízes retorcidas. Entre os galhos, pequenas camadas de ouro brilhavam, refletindo a luz emanada pelos espíritos flutuantes. Atrás desse majestoso assento, uma figura feminina permanecia de costas. Dionísio, que já a conhecia, não demonstrou surpresa.

    Zac, no entanto, sentiu um impacto imediato. Mesmo sem ver seu rosto, ele foi tomado por uma sensação avassaladora. A aura daquela mulher era intensa e penetrante, como se sondasse sua alma sem esforço algum. Era impossível escapar de sua presença; era impossível ocultar qualquer coisa dela. A energia que emanava dela percorria a sala como um riacho, fluindo por cada canto, mas então Zac percebeu que não se limitava àquele espaço. Expandia-se além, abrangendo todo o campus.

    — Olá. Vejo que chegaram bem. Muito prazer, meu nome é Flora. Creio que Dionísio já tenha falado de mim.

    Flora moveu-se em direção à sua poltrona, e algo peculiar aconteceu. Os espíritos de luz acompanharam seus passos, como se fossem atraídos por sua presença, seguindo-a com devoção silenciosa.

    — Olá, diretora Flora. Acabei demorando um pouco, pois precisei informar algumas coisas ao Zac.

    Dionísio falou com naturalidade, mas seu tom carregava um respeito evidente.

    Zac, por outro lado, sentia o peso da presença daquela mulher e mal conseguia respirar direito. Sua mente ainda tentava processar tudo o que acontecera até aquele momento. As palavras saíram atropeladas, sua voz tremia como se tentasse escapar de sua própria boca.

    — Di-di-re-to-ra… Pe-pe-perdão… p-por tudo…

    O medo o engolia, tornando cada sílaba um desafio.

    Flora manteve um olhar sereno e sua voz ecoou pela sala com uma tranquilidade quase hipnótica.

    — Fique tranquilo, meu caro. Não estou aqui para lhe causar medo, muito pelo contrário. Quero apenas conversar com um aluno muito promissor. Ouvi muitas coisas boas a seu respeito, tanto por Kyron quanto por Dionísio.

    Ela então voltou o olhar para o garoto de cabelos avermelhados, um sorriso sutil nos lábios.

    — E falando nisso, Dionísio, mal tive a chance de conversar com você. Como estão as coisas na casa de vocês? Imagino que esteja uma correria depois dos últimos acontecimentos.

    Dionísio coçou a cabeça, pensativo.

    — Até que está tudo tranquilo, mas para ser sincero, faz um tempo que não falo com meu pai… Nem sei muito bem como as coisas estão por lá.

    Enquanto os dois conversavam, Zac os observava com atenção. Sua mente, no entanto, estava longe dali. O jovem tentava, sem muito sucesso, sinalizar a Dionísio com as mãos, gesticulando para mostrar o quão intensa era a aura daquela mulher. Mas o amigo parecia alheio a tudo, totalmente imerso no diálogo.

    — Pois bem — continuou Flora. — Como foi a viagem até aqui? Quero saber se foram bem tratados, se tudo ocorreu bem.

    Zac permaneceu imóvel. Ainda não ousava emitir um som sequer. Sentado ao lado de Dionísio, viu ali uma oportunidade. Cutucou o ombro do amigo, tentando incentivá-lo a responder por ele.

    Dionísio sorriu, animado, e falou com entusiasmo:

    — Foi incrível! Parecia que estávamos em um tobogã! Como se tivéssemos mergulhado, mas sem nos molharmos. Foi uma sensação maravilhosa!

    Flora soltou uma risada baixa e então voltou sua atenção para Zac.

    — E você? O que achou desse transporte?

    Zac abriu a boca para responder, mas as palavras pareciam fugir antes mesmo de serem formadas.

    — E-eu… acho que gostei…

    Sua voz, que começara firme, foi diminuindo a cada sílaba, até que se tornasse apenas um murmúrio quase inaudível.

    — Ehhhhh… eu acho que gostei… — Zac começou a responder, mas não percebeu que sua voz ficava cada vez mais baixa, como se dissolvesse no ar.

    Flora então fez um leve movimento com as mãos. No mesmo instante, a aura da sala mudou. Foi como se uma cachoeira despencasse de uma só vez, lavando tudo ao redor. A energia que antes pulsava e se espalhava pelo colégio simplesmente desapareceu em milésimos de segundo, como se nunca tivesse existido.

    Zac arregalou os olhos. Dionísio estremeceu.

    — Acho que agora estamos melhores, não é, Zac? — Flora falou com suavidade. — Era curioso… um jovem como você conseguir perceber tudo o que acontecia aqui. Mas não precisava ter medo. Ela já não tinha conversado com você sobre isso?

    Dionísio, até então tranquilo, sentiu-se perdido pela primeira vez desde que entrou na sala. Seu pensamento disparou. Ela quem? De quem eles estavam falando?

    Uma possibilidade absurda cruzou sua mente. Será que esse moleque conversou com alguma menina nas minhas costas?!

    — Sim, ela falou comigo e com Dionísio… sobre como deveríamos nos comportar ao chegar aqui.

    Dionísio piscou, confuso. Olhou para Zac com uma expressão clara de questionamento, erguendo uma sobrancelha. Seu rosto dizia tudo: O que estava acontecendo aqui?!

    Flora, no entanto, manteve seu olhar tranquilo.

    — Creio que ela não tenha falado com Dionísio… apenas com você, Zac.

    Dionísio abriu a boca para protestar, mas Flora prosseguiu antes que ele pudesse interrompê-la:

    — Mas isso não vinha ao caso agora. Primeiro, eu precisava ensinar algo a vocês.

    Dionísio bufou.

    — Como assim, Flora? Quem falou o quê com o Zac? E o que iríamos aprender?

    Flora sorriu levemente.

    — Curioso como sempre, Dionísio. Você se lembra, quando apresentei a entrada, de que uma voz suave ecoou em seus ouvidos?

    Dionísio assentiu, ainda confuso.

    — Pois bem. Aquela foi a voz. Aliás, gostaria de dizer que você foi um ótimo professor. Ensinou rapidamente a Zac, e por isso ele conseguiu se conectar de forma ágil.

    Dionísio ficou sem reação. Sentiu o rosto esquentar, e não demorou para que sua pele adquirisse a mesma tonalidade intensa de seus cabelos. O elogio o atingiu de forma inesperada, a ponto de ele nem se incomodar com as palavras dirigidas a Zac. Sua mente ecoava apenas o que Flora acabara de dizer: “Você foi um ótimo professor.”

    Flora então voltou a atenção aos dois.

    — A primeira coisa que eu precisava ensinar era sobre o caminho que vocês utilizaram. Um caminho reservado para raras situações. E, como uma boa botânica, cabia a mim explicar o que tinha acontecido.

    Ela fez uma pausa breve, garantindo que tinha a atenção de ambos.

    — Dentro da planta há diversos canais de transporte. Dentre eles, destacavam-se dois: o xilema e o floema.

    Zac piscou, sentindo as palavras passarem por sua mente sem realmente se fixarem. Dionísio, por outro lado, manteve-se atento, absorvendo cada detalhe.

    Flora continuou:

    — Enquanto o xilema é um canal que transporta água, a chamada seiva bruta, o floema conduz substâncias orgânicas, formando a seiva elaborada. O xilema sempre sobe, levando nutrientes até as copas, enquanto o floema desce em direção às raízes. Ou seja, quando preciso levar algo para cima, utilizo o xilema; e quando preciso fazer algo descer, uso o floema.

    Ela fez uma breve pausa, mas logo prosseguiu, visivelmente animada. Havia algo que Flora amava tanto quanto ensinar: falar sobre flores, folhas, sementes… tudo o que dizia respeito ao reino vegetal.

    Zac não compreendeu todos os detalhes, mas reteve uma informação essencial: o conceito de subir e descer. Aquilo, por algum motivo, parecia importante.

    — Isso é incrível! — disse Dionísio, com um sorriso estampado no rosto. — Nunca fui muito bom com plantas, mas essa explicação foi legal.

    Seu entusiasmo, no entanto, não vinha apenas da explicação de Flora. Em sua mente, ainda ecoavam as palavras dela sobre ele ter sido um ótimo professor.

    Zac, por outro lado, não parecia tão convencido.

    — Eu entendi como funciona, mas queria saber por que nos trouxe por esse caminho. Não seria mais fácil simplesmente virmos andando?

    Flora sustentou seu olhar por um momento antes de responder:

    — Você não deixa de ter razão. No entanto, usei esse caminho para evitar questionamentos indesejados sobre você.

    Aquela resposta fez Zac franzir o cenho.

    — Aliás… — Flora continuou, agora em um tom mais sério — eu vi tudo o que aconteceu dentro da arena. Há muitos que desejam destruir aquilo que habita dentro de você.

    No instante em que aquelas palavras foram ditas, a atmosfera da sala mudou drasticamente. O ar ficou pesado. Zac sentiu um arrepio subir pela espinha, e seu semblante se transformou. Sua mochila, que repousava ao lado da poltrona, começou a se agitar. Em um súbito movimento, o grimório saltou para fora, flutuando ao seu lado como se tivesse vontade própria.

    Uma sensação incômoda tomou conta de Zac. No fundo, algo dentro dele gritava que Flora estava mentindo.

    Ele apertou os punhos e a encarou.

    — O que você quer de mim? — questionou, a voz carregada de desconfiança.

    Dionísio arregalou os olhos ao ver o grimório flutuando. Levantou-se depressa, tentando intervir.

    — Ô, mané! Guarda esse livro aí! Se continuar assim, só vai piorar sua situação.

    Flora, no entanto, manteve-se serena.

    — Mais uma vez, você me surpreendeu… — disse ela, voltando-se para Zac. — Agora, pode guardar o seu grimório, garoto.

    — Zac, para com essa brincadeira! — Dionísio tentou rir, mas sua voz saiu trêmula. — Diretora, ele é um piadista, não leve nada do que ele fala a sério. Não é, Zac? Você está brincando, certo? A diretora é uma boa pessoa, ela jamais mentiria para a gente…

    Flora permaneceu em silêncio por alguns instantes, observando Zac com atenção. Então, suspirou profundamente.

    — Dionísio, seu amigo tem razão — disse ela, sua voz soando quase como um sussurro. — Eu não contei toda a verdade. Mas esconder algo de uma alma tão singela como a de Zac seria impossível. Você tem um talento raro, garoto.

    Zac continuou imóvel, os olhos fixos nela, tentando decifrar cada palavra.

    — O motivo de eu ter feito vocês virem por aquele caminho — continuou Flora — foi para analisar suas almas… especialmente a de Zac. Caso eu tivesse visto qualquer traço de maldade nele, a camada de água teria se desfeito, e ele morreria ao entrar em contato com a seiva. Ela é bruta por um motivo.

    Um silêncio pesado se instalou na sala.

    Zac e Dionísio estavam atônitos. Mas enquanto Zac sentia a raiva crescer dentro de si, Dionísio sentia outra coisa: culpa. Uma culpa esmagadora. Ele havia colocado seu amigo em uma armadilha sem nem perceber.

    Flora prosseguiu, implacável:

    — Antes de vocês entrarem aqui, tive uma conversa séria com dois professores. Um deles pediu sua cabeça, Zac. O outro… colocou a própria em risco por você. Mas eu fui clara com ele: se algo desse errado, se você fosse uma ameaça real, os dois iriam cair. Você e ele. Eu não poderia permitir que um poder como esse saísse de controle.

    Dionísio, agora com lágrimas nos olhos, avançou um passo à frente. Sua voz saiu embargada, repleta de desespero.

    — Tia Flora, por favor… nos deixe ir. O Zac não volta mais para este colégio, eu prometo! Só… só não o mate.

    Seu peito subia e descia rapidamente entre soluços.

    Flora, no entanto, manteve-se firme. Seus olhos voltaram-se para Zac.

    — E você? O que acha que eu vi dentro de você? Ódio? Rancor? Maldade?

    Zac a encarou de volta, sua expressão fechada. Quando finalmente respondeu, sua voz saiu baixa, carregada de frieza.

    — A única coisa que você deve ter visto foi vazio — murmurou. — Você perdeu seu tempo. E é por isso que eu ainda estou vivo. Não há nada em mim.

    Flora não desviou o olhar. O peso de suas palavras seguintes caiu sobre a sala como um trovão.

    — Muito pelo contrário.

    Zac prendeu a respiração.

    — Mediante tudo que vi você fazendo e tudo que vi dentro da sua alma… meu veredito é que eu, particularmente, não posso fazer nada por você. Isso já não está mais sob minha jurisdição.

    A tensão no ar tornou-se insuportável.

    Flora se voltou para Dionísio, sua expressão sombria.

    — Infelizmente, terei que ligar para o seu irmão e enviar Zac até ele.

    O coração de Dionísio quase parou.

    — Flora, não! — Ele se lançou à frente, desesperado. — Meu irmão, não! Por favor!

    Seus olhos estavam arregalados, sua respiração errática.

    — Ele vai matar o Zac! Ele detesta as trevas! Flora, você mentiu pra mim! Qualquer coisa… qualquer coisa, menos o meu irmão! Você sabe melhor do que ninguém do que ele é capaz… Flora, por favor… não…

    Dionísio já não conseguia mais segurar as lágrimas.

    Então, algo inesperado aconteceu.

    Uma única lágrima escorreu pelo rosto de Flora.

    E então…

    Tic-tac. Tic-tac.

    Mais uma vez, o tempo parou.

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