Capítulo 8: A Chama que não se Apaga
Os três professores foram se levantando lentamente, ainda atordoados com a situação à sua volta. Arion, sempre ágil, retirou mais algumas sementes de sua sacola e as lançou no chão. Como antes, elas sugaram toda a fumaça verde, transformando-se em pedaços de carne pulsante.
— Estão todos bem? — perguntou Kyron, afastando as mãos do interior do caixote e observando os colegas atentamente.
— Não sei exatamente o que aconteceu, mas agradeço, Kyron. Graças à sua mana, estou a salvo — respondeu Arion, enxugando os olhos e tentando recuperar a compostura.
Potifha, ainda com expressão confusa, olhou ao redor e questionou:
— O que houve aqui? A última coisa de que me lembro é da reitora lançando uma magia em nossa direção.
Enquanto Potifha falava, Lydia continuava caída no chão, imóvel. Arion, que estava mais próximo, aproximou-se dela rapidamente. Ele se ajoelhou ao lado da colega e, preocupado, verificou seus batimentos cardíacos.
— Eu não sei exatamente o que aconteceu — confessou Flora, com o olhar carregado de tristeza e confusão. — Apenas toquei em um dos meus pólens e tudo escureceu. Peço desculpas por deixá-los nessa situação.
Kyron refletiu por um momento e sugeriu:
— Será que foi uma reação entre sua magia e essa fumaça verde?
— Pode ser uma possibilidade, mas ainda não tenho certeza — admitiu Flora. — O mais importante agora é que todos pareçam estar bem. Arion, como ela está?
— Está acordando. Acredito que não sofreu nada grave — respondeu Arion, enquanto observava Lydia abrir os olhos lentamente.
Ainda ajoelhado, ele lançou algumas sementes no chão e, com voz firme, pronunciou uma única palavra:
— Cresçam.
Imediatamente, as sementes começaram a germinar, transformando-se em pequenas plantas que espalhavam no ar uma energia revitalizante. A sala parecia ganhar um brilho sutil, como se a magia natural de Arion acalmasse o ambiente.
Imediatamente, as sementes começaram a crescer, formando uma pequena moita densa. Arion apoiou a cabeça de Lydia nessa moita e, com cuidado, levantou-se.
— Agora ela está mais confortável. Podemos focar na nossa missão principal.
Flora se aproximou novamente do caixote e, desta vez, pegou um dos livros. Ela analisou a quantidade de pólen que ainda permanecia e usou sua magia para localizar sua origem. Contudo, ao fazer isso, toda a sala começou a brilhar intensamente. Percebendo o que estava acontecendo, ela decidiu colocar sua mão direita sobre o olho direito e assoprar.
Nesse momento, um vento impetuoso entrou da parte externa, abrindo as portas da sala e preenchendo o ambiente. Em uma rotação de 360º, o vento formou um pequeno redemoinho. Logo depois, o vento forte passou pela porta, e a força do deslocamento do ar fez com que as portas se fechassem abruptamente.
— Uau! — Todos os presentes exclamaram em uníssono.
Aquela rajada de vento ajudou a despertar Lydia de seu sono profundo. Ela foi se levantando, sentindo-se estranha em relação à sua situação. Contudo, como conhecia bem seu colega de trabalho, acreditou que provavelmente fora ele quem a ajudara.
— Muito obrigado, Arion. O que aconteceu neste lugar?
— Não precisa agradecer. Ainda não sei ao certo. Só sei que o Kyron e a reitora nos salvaram.
— Não, não creio que tenha salvo nenhum de vocês. Agradeçam ao Kyron, pois foi ele quem nos salvou. Aliás, não estou conseguindo me lembrar de muita coisa, é como se estivesse tudo em branco. — Durante sua fala, Flora começou a coçar seu corpo.
— Reitora, você está se coçando. Provavelmente, como o Kyron disse, deve ter ocorrido uma reação da sua magia com aquela fumaça. — De forma pomposa, Potifha expôs sua teoria.
— Verdade, Potifha. Depois, vejo isso com mais calma. Agora, precisamos terminar o que começamos e aproveitar que a Lydia acordou.
— Esses livros não podem ser destruídos. Precisamos ter acesso a eles sempre que for necessário, e por isso pensei em algo que podemos fazer. Usaremos a afinidade com o tempo do Kyron para fazer com que os livros entrem em um loop. Usaremos também a magia de fogo da Lydia para purificá-los. Ou seja, os livros serão queimados e logo em seguida reaparecerão. Esse loop será contínuo, e cada vez que forem queimados, serão purificados, impedindo qualquer manifestação maligna.
— Então, Flora, eu até consigo deixar um objeto inanimado em loop, mas é necessário ter um organismo orgânico para travar esse loop.
— Pois bem, Kyron, como imaginei. Será que aquele pedaço de carne que está pulsando serve?
— Nunca tentei, mas acho que deve servir sim.
— Para que o fogo não ultrapasse o caixote, precisaremos que o Potifha consiga embutir sua mana na caixa e colocar um encantamento de resistência ao fogo nela.
— Isso é tranquilo para mim, sou especialista em encantamentos. — Potifha respondeu com um sorriso no rosto.
Potifha fechou os olhos e colocou uma das mãos no caixote. Com a outra mão, começou a escrever um encantamento no ar. Enquanto escrevia, uma mana de coloração amarelada saía de seu corpo e se dirigia à caixa.
— Terminei, fiz o meu melhor encantamento. Agora é com vocês.
Kyron aproximou-se do caixote, tocando nos dez livros que estavam cuidadosamente posicionados em seu interior. Em seguida, ele pegou o pedaço de carne pulsante que estava no chão e o lançou dentro do caixote. Fechou os olhos, e, quase de imediato, o som rítmico de um relógio começou a ecoar pela sala. A cada segundo que passava, o som acelerava, preenchendo o ambiente com uma inquietante sensação de urgência.
— Terminei. — anunciou Kyron, abrindo os olhos lentamente.
Lydia, por sua vez, retirou uma pequena sacolinha que havia guardado consigo. De dentro dela, tirou púrpura, uma tinta natural de coloração vermelho-púrpura, extraída de caramujos marinhos. Com cuidado, ela salpicou a substância sobre os livros. Assim que o fez, um fogo na mesma tonalidade vermelho-púrpura emergiu, iluminando a sala com uma chama vívida e intensa.
As chamas consumiram completamente os livros, enquanto uma fumaça na tonalidade vermelho-púrpura começou a se formar, pairando sobre o caixote. Nesse momento, Kyron estalou os dedos, e o som de um tac seco e claro ecoou pelo ambiente. Todos os presentes observaram, boquiabertos, o que se desenrolava diante de seus olhos: os livros reapareciam no caixote apenas para serem imediatamente consumidos novamente pelo fogo. O processo repetia-se de forma contínua e perfeita, criando um ciclo eterno de destruição e purificação.
Com o ciclo estabelecido, Potifha aproximou-se e fechou o caixote. Assim que o fez, as vinhas que formavam a mesa começaram a se desfazer. O movimento das plantas era curioso, quase hipnótico, pois parecia seguir um processo inverso ao desenvolvimento celular natural. No fim, restaram apenas o caixote no chão e algumas sementes que, provavelmente, haviam dado origem àquela estrutura.
— Ahhh… Por enquanto será assim. — disse Flora, suspirando profundamente. — Aconteceu muita coisa e ainda estou confusa, mas quero agradecer a todos pelo apoio. Por agora, vocês estão dispensados e podem voltar às suas atividades.
— Ainda bem que conseguimos. — respondeu Potifha, respirando pesadamente. — Quer que eu leve esse caixote para algum lugar, Flora?
— Agradeço, porém alguns guardas virão daqui a pouco para levar o caixote a um local seguro. Mais uma vez, obrigada por estarem aqui e, por favor, me perdoem. Ainda não sei muito bem o que realmente aconteceu neste lugar. — disse Flora, com um olhar cansado e pensativo.
Os quatro professores começaram a deixar a sala. Lydia, visivelmente confusa com tudo o que acabara de vivenciar, caminhava lentamente, apoiando-se nas paredes para se equilibrar. Arion, notando sua dificuldade, prontamente ofereceu ajuda, mas ela, ainda abalada, apenas o ignorou e continuou a caminhar sozinha.
Potifha seguia logo atrás, lançando olhares curiosos para Lydia, enquanto refletia sobre os eventos estranhos que presenciara. Por último, vinha Kyron, mais afastado do grupo. Ao notar que era o último a sair, ele parou por um instante e voltou-se para as portas duplas de madeira, fechando-as cuidadosamente. Porém, no exato momento em que as portas se juntaram, uma voz chamou por ele, vinda de dentro da sala.
— Kyron, — começou Flora, hesitante — ainda não consegui assimilar o que acabou de acontecer. Só consigo me lembrar dos seus olhos… Como se fossem relógios. Depois disso, tudo ficou em branco. E agora, só de tentar lembrar, sinto uma dor muito forte na cabeça. Você poderia me explicar melhor o que viu?
Kyron virou-se lentamente, hesitando antes de responder, mas logo se aproximou da reitora.
— Sim, claro. Lembro de ouvir sua voz e, no mesmo instante, ativei meu poder ocular. A intenção era simples: caso necessário, eu voltaria no tempo para alertá-los. Mas… Algo diferente aconteceu. — Ele parou por um momento, como se buscasse as palavras certas. — Não sei se foi aquela fumaça ou outra coisa, mas, de repente, tudo ficou branco. Logo em seguida, você apareceu.
Flora franziu o cenho, tentando juntar as peças do quebra-cabeça em sua mente.
— Eu também lembro de ter visto tudo em branco. — Ela cruzou os braços, ainda pensativa. — E não consigo parar de me perguntar o que realmente aconteceu. Por um momento, pensei que você pudesse voltar no tempo para descobrir o que houve. Mas, como já me explicou antes, você não é afetado pelo tempo. Você transita entre realidades, e qualquer pequena mudança pode gerar um colapso. Bom… No final, estamos bem, e isso é o que importa.
Kyron suspirou, assentindo.
— É verdade. Eu também gostaria muito de fazer algo mais. Mas, como já te disse naquela época, eu sou como uma agulha, e o tempo é como um papel. Quando o papel é dobrado, a agulha pode perfurá-lo no ponto exato desejado. No entanto, se a agulha mudar seu trajeto… — Ele parou, encarando Flora. — Isso pode alterar todo o percurso. E talvez, nesse caso, nem mesmo eu conseguiria voltar.
Flora suspirou profundamente, processando suas palavras.
— Bem, Kyron, obrigada por compartilhar. Acho que teremos muito a discutir em breve. Mas, por agora, descanse. Você já fez muito hoje.
Kyron apenas assentiu em silêncio e, com um último olhar à reitora, virou-se e deixou a sala. O som de seus passos diminuía enquanto ele se afastava pelos corredores, carregando consigo o peso de tudo o que haviam vivenciado.
— Lembro muito bem, Kyron. Só estou curiosa porque quero entender o que aconteceu comigo, afinal, fui eu quem lançou aquela magia sobre vocês.
— Sim, foi algo realmente estranho. E o que mais me preocupa é pensar no que teria acontecido se aquela fumaça tivesse atingido alguns alunos. Se conosco foi assim, imagine com eles. — Kyron fez uma pausa, o semblante sério. — Mas sabe, algo me chamou a atenção. Você disse que viu tudo branco, certo?
— Sim, tudo ficou branco. — Flora franziu a testa, relembrando. — E, vagamente, lembro do seu rosto.
Kyron hesitou por um momento, como se tentasse organizar os pensamentos antes de falar.
— Será? Eu estou com algo em mente, mas acho difícil… Até agora, nunca ninguém havia entrado lá.
— Como assim, Kyron? Fala logo, que lugar é esse? — insistiu Flora, cruzando os braços, impaciente.
— Bem, eu consigo dilatar o tempo, diminuindo drasticamente a rotação em que ele se move. Com essa mudança, crio o que chamo de força de aceleração, um campo de energia que faz o tempo praticamente parar. A cor branca que você viu é derivada dos fótons de luz que ficam inertes nesse campo, mas acabam sendo ativados pela energia. Só que, até hoje, eu era o único que conseguia acessar esse lugar.
Flora o encarou, tentando processar a explicação complexa.
— Então você está me dizendo que eu estava dentro dessa força de aceleração? Como isso foi possível, Kyron? Como você fez isso?
— Eu não sei. Nem sabia que era possível levar outra pessoa para lá. — Ele balançou a cabeça, perplexo. — Minha teoria é que aquela fumaça ativou algo em nossa essência… talvez nossa alma.
— Isso faz muito mais sentido. — Flora assentiu, parecendo mais tranquila. — Kyron, vou deixar você encarregado de estudar essa substância. Tenho a sensação de que não será a última vez que iremos encontrá-la. Obrigada pela explicação, mesmo que um pouco confusa.
— Desculpe pela falta de clareza. É um tema muito complexo, e, para ser sincero, ainda estou incrédulo com essa teoria.
— Sua teoria é promissora. Tenho certeza de que você vai desvendar o que realmente aconteceu. — Ela deu um pequeno sorriso, demonstrando confiança. — Agora, descanse um pouco. O segundo bloco de estudos logo vai começar.
Kyron assentiu em silêncio, voltando-se para a porta dupla. Usando ambas as mãos, fechou-a com cuidado. Em seguida, começou a descer as escadarias que levavam ao primeiro andar da Academia.
Enquanto seus passos ecoavam pelos corredores silenciosos, uma voz baixa e misteriosa alcançou seus ouvidos, vinda de um canto sombrio:
— Aconteceu como o planejado. Consegui retirar todos os livros e colocar alguns volumes antigos no lugar. Agora, precisamos seguir com o próximo passo do nosso plano.
Kyron parou abruptamente, o coração acelerado. Sua expressão fechou-se, e ele apertou os punhos e continuou descendo as escadarias, assobiando para disfarçar a exaustão que sentia.
Cada passo parecia mais pesado, e ele mal percebia o eco de seus próprios passos pelos corredores silenciosos. Ao se aproximar da sala dos professores, uma dor intensa atingiu seu olho direito. Ele parou abruptamente, pressionando-o com a mão, tentando conter o incômodo.
— Droga… usei demais a minha habilidade ocular. Levar duas pessoas para lá foi além do meu limite… — murmurou, cerrando os dentes.
Sentindo-se fraco, Kyron encostou-se na parede, respirando profundamente enquanto aguardava que a dor diminuísse.
Enquanto isso, na sala do comitê estudantil, Zac e Dionísio aguardavam impacientes. Zac balançava o pé incessantemente, o som ritmado ecoando pela sala. Dionísio, com os braços cruzados, olhava para Arthur, que permanecia sentado atrás da mesa.
— Arthur, certo? — começou Dionísio. — Você não sabe dizer mais ou menos quando ela volta?
Arthur ajeitou os óculos e coçou a nuca, visivelmente desconfortável com a pergunta.
— Então, meu caro… não sei dizer com precisão. Ela veio aqui logo depois do sinal e daquela ventania estranha que passou por toda a Academia. Ficou alguns minutos, pegou a bolsa e saiu de novo. Só avisou que não demoraria muito.
Dionísio suspirou e assentiu, virando-se para Zac.
— Muito obrigado, Arthur. Bom, Zac, parece que nossa única opção é esperar aqui. E, por favor, para de bater esse pé, tá me irritando.
Zac revirou os olhos e se levantou abruptamente.
— Não tô mais aguentando ficar aqui parado. Quer saber? Vou sair e procurar por ela.
Antes que Dionísio pudesse impedi-lo, Zac já estava na porta, decidido a seguir seu próprio caminho. Dionísio o observou sair, balançando a cabeça em descrença.
— Esse garoto vai acabar arrumando confusão… — murmurou Dionísio para si mesmo, voltando a se sentar, enquanto Arthur permanecia em silêncio, distraído com um livro aberto em sua mesa.
Fótons: são partículas elementares que compõem a luz e transportam energia. Eles são considerados pequenos “pacotes” de energia que compõem as radiações eletromagnéticas.
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