Capítulo 9: Colisão entre Amor e Raiva
Zac levantou-se da cadeira de forma impetuosa, dirigindo-se rapidamente à porta. Dionísio, por sua vez, também se levantou, mas com um olhar desanimado, acompanhando o amigo com passos hesitantes.
— Muito obrigado pela informação, Arthur. Desculpe qualquer incômodo. Se ela aparecer por aqui, avisa que estamos procurando por ela. — disse Dionísio, lançando um sorriso educado ao rapaz.
— Sem problemas, pode deixar, avisarei sim, Dionísio. — respondeu Arthur, com a mesma polidez, antes de voltar sua atenção ao livro que estava lendo.
Os dois saíram pela porta e começaram a andar pelos corredores da Academia. Percorriam os espaços vastos e silenciosos sem rumo, apenas seguindo seus instintos. Dionísio olhava ao redor com curiosidade, tentando decifrar os caminhos, enquanto Zac andava de forma decidida, mesmo sem saber exatamente para onde ir.
Após algum tempo, Zac avistou uma figura conhecida encostada na parede, parecendo visivelmente debilitada. Reconhecendo seu professor, ele arregalou os olhos e correu até ele.
— Professor? O que aconteceu com você? — perguntou Zac, alarmado, enquanto segurava o braço direito de Kyron e o colocava sobre o próprio ombro.
— Não é nada, só um pequeno mal-estar… — respondeu Kyron, com a voz cansada. Ele apoiou a cabeça na parede, enquanto pressionava o olho direito com a mão, tentando aliviar a dor que insistia em incomodá-lo.
Dionísio, ainda alguns passos atrás, aproximou-se lentamente, claramente desconcertado com a situação. Ele hesitou, olhando para Kyron e depois para Zac, sem saber como agir.
— Dio, me ajuda aqui! Pega o outro braço dele.
Dionísio, acenando em concordância, colocou o braço esquerdo de Kyron sobre o próprio ombro. A cena era inusitada: dois alunos, ambos de porte físico menor, carregando um professor de estatura relativamente alta pelos corredores da Academia.
— Agradeço a ajuda de vocês, mas realmente não precisam se preocupar tanto. Estou quase chegando na sala dos professores. — disse Kyron, tentando disfarçar sua fraqueza, embora ainda pressionasse o olho direito com força.
Zac e Dionísio trocaram olhares rápidos, claramente preocupados, mas continuaram a amparar o professor enquanto seguiam em direção à sala dos professores.
— Não precisa agradecer, professor. Só estamos retribuindo o favor que você fez por nós. — Zac disse, com um tom que transparecia senso de dever cumprido. Ele então olhou para Dionísio e completou, meio sem jeito: — Ahhh, só uma dúvida… onde fica mesmo a sala dos professores?
— É só seguir por esse corredor. No final, tem uma porta à direita. — respondeu Kyron, com a voz fraca, mas ainda mantendo a orientação clara.
Os três começaram a caminhar lentamente. A Academia estava estranhamente silenciosa após os recentes acontecimentos, e o único som que se ouvia era o eco dos passos pelo chão de pedra. Nem Zac nem Dionísio ousavam dizer algo; o silêncio parecia um pacto tácito.
Após alguns minutos, quando estavam quase chegando ao final do corredor, Dionísio, atento ao estado de Kyron, notou algo incomum. Ele inclinou-se levemente para Zac e sussurrou, tentando não fazer barulho:
— Zac… acho que ele dormiu.
Zac olhou para o rosto do professor e percebeu que Dionísio estava certo. Ele respondeu, também sussurrando:
— Verdade, Dio. Mas precisamos acordá-lo de alguma forma antes de chegarmos lá. Alguma ideia?
Dionísio coçou a cabeça, hesitante. — Não… isso eu deixo pra você.
— Hum… e se a gente chacoalhar ele? Talvez funcione. — sugeriu Zac, franzindo as sobrancelhas.
— Não parece a melhor ideia, mas… — Dionísio suspirou, sentindo o peso do braço do professor. — Meu braço já tá doendo, então vai logo, antes que eu derrube ele.
A cena era quase cômica: dois jovens, cada um segurando um braço do professor, tentando balançá-lo suavemente para acordá-lo, mas ao mesmo tempo preocupados em não deixá-lo cair no chão.
Depois de alguns instantes, o plano deu certo. Com o movimento, Kyron começou a despertar. Ele piscou os olhos lentamente, recobrando a consciência aos poucos. Assim que percebeu onde estava e a posição em que se encontrava, um leve constrangimento tomou conta de seu semblante.
— O que… o que aconteceu? — perguntou Kyron, ainda um pouco sonolento, enquanto olhava para os dois alunos que o carregavam.
Zac soltou um pequeno riso, aliviado por ver o professor acordado. — Acho que o senhor tirou uma soneca no meio do caminho, professor.
— É… uma soneca bem merecida, hein? — completou Dionísio, com um sorriso discreto.
Kyron passou a mão pelo rosto, tentando se recompor. — Desculpem por isso. Acho que usei magia demais hoje. Vamos continuar… obrigado pela ajuda, meninos.
— Sempre à disposição, professor. — respondeu Zac, enquanto ajustava o braço de Kyron sobre o ombro e retomava a caminhada.
— Zac, pode parar. Acho que ele já acordou.
— Professor, já chegamos à sala dos professores.
Kyron ergueu o olhar cansado e esboçou um pequeno sorriso. — Muito obrigado pela ajuda, Zac e Dionísio, certo? Desculpem por atrapalhar vocês, e, por favor, vão logo. Não quero que se atrasem novamente.
Firmando os pés no chão, ele soltou os braços apoiados nos ombros dos dois alunos e caminhou lentamente até a porta da sala.
— Pode deixar, professor, vamos sim. — respondeu Zac, com um tom descontraído.
Kyron parou por um instante, segurando a maçaneta. — Não precisam me chamar de professor. Me chamo Kyron.
Ele então abriu a porta, entrou na sala e fechou-a suavemente atrás de si.
Zac virou-se para Dionísio com um sorriso no rosto. — Viu, Dio? Somos importantes.
Dionísio arqueou uma sobrancelha, claramente sem compartilhar do entusiasmo. — Importantes? Não tô sentindo nada de diferente. Vamos logo pra aula.
— Vamos. Mas, falando nisso, você sabe em qual sala temos aula agora?
Dionísio deu de ombros. — Não. Só sei que teremos aula prática com o professor Potifha.
Enquanto os dois seguiam pelo corredor, conversando, a cena se deslocava para o interior da sala dos professores. Lá, Kyron estava sentado em uma poltrona próxima à mesa central, feita de um marfim polido que reluzia sob a luz suave do ambiente. Ao redor, prateleiras recheadas de livros e objetos mágicos preenchiam as paredes, dando à sala um ar de imponência e erudição.
Kyron, no entanto, parecia indiferente ao cenário ao seu redor. Ele estava visivelmente exausto, o olhar perdido e o corpo curvado levemente para frente. Fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo, enquanto tentava organizar os pensamentos e se recuperar do esforço que sua magia havia exigido.
Alguns minutos se passaram, e Kyron permanecia sentado, sua mente ainda girando com uma enxurrada de pensamentos. A mesma cena continuava a se repetir em sua cabeça, um ciclo interminável que ele revisava com precisão obsessiva. Para ser exato, ele havia revisado a cena 40 vezes.
— Foi mais difícil do que pensei que seria. Precisei refazer tudo 40 vezes… Não consigo entender como ela me superou 39 vezes. — Ele suspirou profundamente, esfregando o rosto com ambas as mãos. — Realmente, ele estava certo. Não seria nem um pouco fácil. Estou me sentindo exausto, e, para piorar, meu olho está latejando.
Ele ergueu o olhar para o teto, sem focar em nada. — Confesso que ficar quase 20 horas na mesma posição é torturante. Ainda bem que consegui… Não sei se teria energia para mais uma tentativa.
Apesar de seu cansaço extremo, Kyron continuava revisando mentalmente cada detalhe, buscando possíveis falhas em sua estratégia ou momentos que poderiam ter sido diferentes. No entanto, seu corpo, traído pela exaustão, cedeu, e ele adormeceu em sua poltrona, os pensamentos finalmente silenciando.
Enquanto isso, Zac e Dionísio continuavam explorando a academia. Após uma breve conversa com Arthur, descobriram que a aula prática seria na área externa, mais especificamente em uma espécie de arena, chamada informalmente pelos alunos de “quadra”.
Os dois amigos saíram por uma das portas laterais da academia e foram recebidos por um céu tingido de tons alaranjados e dourados, indicando o fim da tarde. Logo, o anoitecer começaria a tomar conta. Conforme caminhavam pelo lado externo, Zac observava tudo ao redor com olhos curiosos e fascinados.
— Por mais que eu não goste muito desse lugar, não posso negar que tudo aqui é simplesmente incrível. Cada detalhe, cada traço, tudo foi muito bem planejado e construído.
Dionísio assentiu. — Tenho que concordar. É tudo lindo. Não sei você, Zac, mas tenho a impressão de que tudo aqui parece muito… orgânico, como se fosse vivo.
— Também sinto isso. Deve ser por causa das árvores, né? Até mesmo o coliseu parece que está envolvido por aquela árvore gigantesca.
Dionísio parou para observar melhor, franzindo as sobrancelhas. — É verdade, Zac. Nunca tinha reparado com tanta atenção antes.
À frente deles, erguia-se uma estrutura impressionante, com uma arquitetura que evocava o design de um coliseu antigo, mas com um toque de magia e sofisticação. Era feito de mármore branco, com detalhes em azul que reluziam à luz do fim do dia. Diversos arcos formavam a base e o topo da estrutura, e cada arco era adornado com ouro maciço e delicados detalhes em ouro branco. No lado direito do coliseu, uma árvore colossal de folhagem verdejante parecia se fundir com o edifício. Seu tronco robusto encostava na base, enquanto seus galhos espessos se entrelaçavam com os arcos superiores, como se a natureza e a arquitetura fossem uma coisa só.
Zac e Dionísio passaram por uma das entradas principais e começaram a subir as escadarias internas. O interior era tão impressionante quanto o exterior. Diversos alunos já ocupavam seus assentos, conversando baixinho ou observando o espaço ao redor.
Zac, por sua vez, estava completamente encantado. Ele não conseguia desviar os olhos da beleza do local, seus detalhes únicos e, principalmente, o centro do coliseu. No campo de batalha, o solo era feito de uma terra seca e branca, que parecia pulsar levemente com energia mágica. No exato centro do campo, havia um símbolo dourado da Academia, resplandecente e imponente.
— Esse lugar é magnífico — murmurou Zac, ainda olhando para o símbolo.
Dionísio olhou para o amigo e deu um leve sorriso. — Magnífico ou não, só espero que não seja muito cansativo.
Zac riu baixinho, mas não conseguiu desviar o olhar do coliseu, ansioso pelo que estava por vir.
Enquanto Zac e Dionísio se acomodavam no setor leste, a luz dourada do fim de tarde iluminava o coliseu, criando um contraste mágico entre o mármore branco e os detalhes dourados. A brisa leve que circulava o ambiente parecia trazer consigo uma calma momentânea, amenizando o cansaço acumulado do dia agitado.
— Viu só, Dionísio? Te falei que dava tempo. Não estamos atrasados e ainda conseguimos um lugar com vista incrível. — Zac comentou com um sorriso satisfeito, gesticulando para a paisagem ao redor.
Dionísio riu baixinho. — Tá bom, Zac. Mas convenhamos, se dependesse só de você, ainda estaríamos andando em círculos.
Zac levantou as mãos em rendição, rindo. — Tudo bem, tudo bem. Ponto pra você dessa vez. Só que, de verdade, eu agradeço. Foi um dia cheio, e acho que, sem sua paciência, eu teria surtado.
Dionísio sorriu de volta, mais sério. — Relaxa, irmão. Tu sabe que tô aqui por você. Só fico com a cabeça cheia quando penso na Clara. Ainda não entendo por que ela não tá aqui.
Zac inclinou a cabeça para o lado, pensativo. — É, confesso que é estranho. Ela não parece ser uma pessoa que se atrasa. Mas olha, Dio, você fez o que podia. Não se culpe, tá? Tenho certeza que ela tá bem.
Dionísio respirou fundo, tentando absorver o conforto das palavras de Zac. — Valeu, Zac. Tomara que esteja certo.
— Tô sim, irmão. Agora, bora escolher um lugar maneiro pra sentar. Quero ver a quadra de cima! — Zac exclamou, levantando-se e apontando para uma fileira de assentos no topo do setor.
Dionísio concordou com um aceno de cabeça, e os dois subiram mais alguns degraus até encontrarem um lugar confortável. Sentaram-se lado a lado, observando o coliseu que, aos poucos, ia se enchendo de vida.
Outros alunos começaram a se acomodar também. O setor leste parecia ser o favorito, já que quase todos os colegas de Zac e Dionísio se agruparam por ali. Até Lacer, conhecido por seu jeito reservado, ocupava um assento próximo, embora mantivesse uma distância calculada dos demais.
Os dois amigos ficaram em silêncio por um momento, apreciando a paisagem enquanto o sol começava a desaparecer no horizonte. Era um final de tarde que misturava tranquilidade e expectativa. A leveza da brisa e o murmúrio baixo dos outros alunos criavam um clima de espera quase ritualística.
— Será que essa aula vai ser prática mesmo? — Dionísio quebrou o silêncio, olhando para Zac.
— Espero que sim. Tô precisando gastar essa energia acumulada. Além disso, tá todo mundo aqui, o que deve ser interessante. — Zac respondeu, inclinando-se para frente para observar o campo de batalha vazio lá embaixo.
Com o tempo, todos os alunos já estavam presentes. Agora, restava apenas esperar pelo início da aula. Um silêncio respeitoso tomou conta do coliseu quando perceberam que algo estava prestes a acontecer.
Dionísio estava compenetrado, olhando para as duas entradas do coliseu, e, a cada silhueta feminina que surgia, ele se animava e forçava um pouco mais a visão para ver se era sua amiga.
Quando, de repente, no meio do coliseu, surgiu um cronômetro marcando três minutos. Alguns alunos tentaram entender o que estava acontecendo, e, do nada, os números começaram a se mover, iniciando uma contagem regressiva.
Dionísio não sabia se olhava para o marcador ou para as entradas; sua ansiedade o corroía. Quanto mais o contador se movia, mais ansioso o jovem Dionísio ficava.
Faltando dez segundos, ele ficou atônito, criando diversas teorias sobre o que poderia ter acontecido com Clara. O contador chegou a zero, mas nada aconteceu: nem música, nem fumaça, nem mesmo o professor apareceu.
Zac, com o cotovelo, chamou a atenção de seu amigo Dionísio e apontou para a parte de cima do coliseu. Dio olhou e percebeu que havia uma pessoa no topo. Inesperadamente, essa pessoa saltou em direção ao centro do coliseu e aterrissou com extrema perfeição.
— Olá, boa tarde, tenham todos uma ótima aula, me chamo… — Subitamente, uma espada transpassou seu peitoral, e tudo aconteceu em questão de poucos segundos. A espada foi empurrada e, sem reação, ele foi empalado vivo. O sangue respingou por todo o campo de batalha, e os alunos ficaram assustados com o que estava acontecendo.
Zac e Dionísio ficaram sem reação. Todos os alunos foram pegos desprevenidos e não souberam o que fazer.
O rapaz, de estatura média e corpo físico bem estruturado, acabou vindo a óbito. Atrás dele, apareceu um homem másculo que segurava a espada. Ele a puxou rapidamente, e o corpo do rapaz caiu ao chão. Com um riso no rosto, o homem olhou para os alunos.
— HAHAHAHAHA, não me canso de ver esses sorrisos mudarem tão rápido.
Dionísio, chocado com toda a situação, olhou para o seu amigo e percebeu que ele não estava mais lá. Na visão de Dionísio, Zac estava andando vagarosamente enquanto descia os lances de escadas.
Era possível ver que o semblante de Zac havia mudado; ele simplesmente estava seguindo seu instinto. Ao chegar na parte final da arquibancada, ele saltou em direção ao assassino. A visão foi se distanciando, sendo possível observar o coliseu, que tinha um formato oval. A cada segundo que passava, ele ficava mais distante, até que um barulho de asas ecoou pelos céus e tudo ficou preto.
Dionísio sentiu o peso da situação tomar conta de seu corpo. Ele não sabia o que viria a seguir, mas sabia que nada seria o mesmo depois daquele momento.
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