Dois anos antes do apocalipse. Em um dia comum na escola. A sala de aula estava silenciosa, sem professor ou alunos, exceto por quatro alunos.

    No fundo da sala, o riso de três cruéis alunos começou a ecoar, eles estavam fazendo um outro aluno de cadeira.

    O jovem se mantinha com os braços trêmulos e uma expressão de medo e suor no rosto.

    Os valentões riam contando suas histórias enquanto fingiam que o jovem era uma cadeira.

    De repente, Derek abriu a porta da sala de aula com bravura e disse: 

    — Ei! Deixem ele em paz!

    Os valentões pararam de conversar, surpresos com a ousadia de Derek.

    Alexandre, o líder do trio de valentões, sorriu sadicamente. Levantou-se do jovem, que caiu no chão de fraqueza. Aproximou-se e disse: 

    — Minha nossa! É o Batman? Ah não, engano meu. — ele se moveu para uma das mesas e pegou uma grande borracha. — Devo ter me confundido com essa camisa sua!! — aumentou a intensidade da voz e jogou a borracha em Derek. Acertando em seu peito.

    Derek ficou sem ar e caiu no chão com dor. Alexandre riu loucamente; a visão de Derek se apagava lentamente.

    Assim que começou a recobrar a consciência, Derek viu o amigo que tentou proteger com uma vassoura na mão, erguida no alto.

    Ele viu o olhar de desespero no rosto do seu amigo.

    — Eu sinto muito… — sussurrou o amigo.

    Derek tentou gritar para ele não fazer isso, mas a voz saiu fraca.

    — Não… não faz isso…

    Mas era tarde demais. O amigo havia sido pressionado pela ameaça dos valentões, ergueu a vassoura e bateu em Derek.

    A dor foi intensa, mas o que doeu mais foi a traição. 

    Os valentões riram descontroladamente enquanto Derek se contorcia no chão.

    E a partir daí, a vida de Derek começou a se transformar em um inferno.

    O jovem, achando que iria escapar do sofrimento, sorriu levemente. Até que Alexandre chutou uma de suas pernas, fazendo-o cair novamente no chão.

    — Mas por quê? Eu fiz o que vocês pediram! — tentou argumentar o jovem desesperado.

    Os valentões fizeram uma expressão de quem não sabia nada disso. Alexandre então disse, sorrindo:

    — Acho que você tá doidão, colega! Nunca dissemos algo assim. — e riu junto dos outros.

    O jovem começou a se desesperar enquanto olhava de canto de olho para Derek, que agora estava desacordado.

    O bullying continuou, e Derek foi tendo pesadelos todas as noites. Sempre que voltava para casa, ele respirava fundo e forçava um sorriso para não causar preocupação aos seus pais.

    A cada dia que passava, os valentões foram se aprimorando, inventando novas formas de praticar bullying com ele, como enfiar a cabeça na privada, tirar fotos humilhantes e cobrar dinheiro dele.

    Com o tempo, o antigo amigo de Derek se transferiu para outra escola. E com isso, Derek começou a sofrer pelos dois.

    Havia vezes em que professores viam ele ser espancado atrás da escola, mas viraram os rostos e fingiam não ver. A indiferença deles cortava mais fundo do que qualquer soco.

    Em um dos casos, Alexandre percebeu a presença de um professor e disse rindo sadicamente: 

    — Você viu? Ele cagou pra você! — deu um soco na barriga de Derek enquanto outros dois o seguravam pelo braço. — Por hoje tá bom. — ele se aproximou do ouvido de Derek e sussurrou: — Amanhã nos vemos de novo.

    Os olhos de Derek tremiam enquanto os valentões se afastavam. Um cuspe acertou seu rosto, como se a humilhação estivesse sempre presente, mesmo quando eles não estavam por perto.

    Já no presente, o mundo parecia ter começado a se mover em câmera lenta, e Derek estava encolhido em desespero no vazio.

    Derek se lamentava, sentindo que nada havia mudado. Ele se via como um fraco, um inútil, alguém incapaz de salvar nem mesmo a si mesmo, como um cão abandonado. O medo tomava conta dele, e as palavras cruéis que ele repetia para si eram como correntes que o prendiam ainda mais ao desespero. 

    Então, uma voz surgiu do vazio, cortando sua angústia: 

    — Sim, isso é verdade. Sinceramente, você é o sujeito mais inútil que já vi.

    Derek sentiu um frio na barriga, aterrorizado com a voz que ecoava em sua mente. Ele olhou ao redor, seu corpo tenso e angustiado, enquanto a respiração se tornava cada vez mais rápida.

    — O que é voce? — disse Derek amedrontado.

    — Eu? — indagou a voz com um tom sarcástico, quase zombeteiro.

    Uma gargalhada ressoou por todo o vazio. Uma mão fria com dedos finos e longos agarrou seu ombro, e um rosto grotesco apareceu ao lado dele, sussurrando:

    — Eu sou você — a risada continuou, ecoando como um lamento na escuridão.

    Derek se assustou e levantou abruptamente, buscando alguém atrás de si. Mas não havia ninguém ali. Quando virou novamente para frente, uma visão aterradora o fez gritar em pânico. Ele caiu no chão, os olhos arregalados e o coração acelerado.

    À sua frente estava uma criatura que era um reflexo distorcido dele mesmo: seus olhos eram buracos negros sem fundo, e veias escuras serpenteavam por sua pele pálida. O rosto do ser exibia um sorriso macabro, como se cada dente estivesse cravado na dor.

    Amedrontado, Derek conseguiu perguntar com a voz trêmula:

    — Qu-Que… O que é você?

    O ser soltou uma gargalhada profunda que reverberou pelo vazio.

    — O que sou eu? Eu já te disse! Eu sou você! — o ser sorriu de forma ameaçadora, mostrando dentes afiados como os de um tubarão.

    Derek ficou paralisado pela confusão. O ser continuou:

    — Você é um fracasso! Olhe para si mesmo! Teve a chance de voltar e ainda teme tudo e todos. Você é um rato! Sinto que posso acabar com você com uma simples abocanhada. — o ser lambeu os dedos afiados com sua língua longa e áspera.

    As palavras cruéis do ser pesaram no coração de Derek.

    — Você é um idiota que levou uma eternidade para voltar! Até a Stefany teve coragem de te buscar e você ficou aqui como um inútil! Por sua causa, eu também vou morrer…

    Derek interrompeu, o medo transparecendo em sua voz:

    — A Stefany não morreu?

    Um silêncio pesado pairou entre eles. O ser se virou de costas para Derek, tossiu e sorriu maliciosamente.

    — Ah, isso… Não sei. E quem sabe?

    Derek percebeu que não conseguiria respostas apenas com perguntas vazias.

    — Então você… O que quer de mim? — perguntou Derek com sua voz tremendo entre medo e nervosismo.

    O ser soltou uma risada profunda, crescendo em intensidade até ecoar pelo vazio e fazer Derek tapar os ouvidos.

    Quando o riso finalmente cessou, Derek retirou as mãos das orelhas. Piscou os olhos e, num piscar de segundos, o ser desapareceu e reapareceu atrás dele, causando-lhe um sobressalto.

    — Viva! Isso é tudo que eu desejo. Se fizer isso, descobrirá toda a verdade. — disse o ser em um tom alegre.

    Apesar da oferta tentadora, uma dor interna ainda o atormentava.

    — Eu… não sei se consigo. Mal consigo salvar um animal. Não sei se tenho a força necessária para isso. — disse Derek, se menosprezando.

    O ser desapareceu novamente, mas o estalo de sua língua ressoou em sinal de desaprovação por todo o vazio. Sua voz começou a ecoar:

    — Aqueles que têm força sempre saem na frente. Os fracos são deixados para trás. Eles tremem e esperam serem salvos enquanto os fortes avançam. Não adianta ser astuto ou empático; nada disso te salvará! Por isso você não pode continuar assim. Aprimore-se! Seja forte! Devore todos que cruzarem seu caminho! Vá e mostre ao mundo quem você realmente é!

    Essas palavras acenderam uma chama de motivação dentro de Derek misturada a uma fúria crescente.

    Num instante, ele retornou ao mundo real sem perceber como havia se levantado. Sem hesitar, correu em direção ao morto-vivo prestes a atacar um animal indefeso.

    Por sorte, Derek conseguiu subir nas costas do morto-vivo e agarrou seus cabelos, o que lhe deu tempo suficiente para que o animal pudesse se arrastar para longe do perigo iminente. 

    Enquanto tentava puxar a criatura grotesca, o morto-vivo o derrubou com um movimento brutal e violento, continuando a se arrastar pelo chão de maneira selvagem e descontrolada. Derek se agarrou com todas as suas forças a uma das pernas da abominação, mas isso não foi suficiente para detê-la; o morto-vivo prosseguiu em seu movimento, lento, mas absolutamente implacável.

    A cada movimento que a criatura fazia, os músculos frágeis e podres dos braços de Derek começavam a se rasgar sob a pressão, e seus ossos pareciam se desconectar. Até que em um esforço desesperado e quase insuportável, seu braço esquerdo se separou por completo do corpo e caiu no chão com um estrondo retumbante.

    Vendo seu próprio braço no chão à sua frente, Derek sentiu uma onda de raiva fervendo dentro de si, como uma chama violenta e intensa que consumia tudo ao seu redor. Ele estava completamente tomado pela fúria; cada tentativa de deter aquela abominação parecia inútil, como se estivesse lutando contra um mar revolto e indomável. 

    O desespero começou a se transformar em uma loucura avassaladora, e ele sentiu sua sanidade escorregar entre os dedos como areia fina escorrendo por um relógio de areia.

    Em um acesso de raiva cega e incontrolável, Derek se jogou na frente do morto-vivo, gritando em pensamento com toda a força de sua vontade: 

    “Morre!!!”

    Com um ódio profundo pulsante em seu coração, ele enfiou seu braço na boca da criatura repulsiva, atravessando seu pescoço apodrecido com uma determinação feroz. Apoiando seus pés nos ombros da criatura, Derek forçou com toda a sua força acumulada e, em um ato desesperado e brutal que parecia desafiar todas as probabilidades, separou a cabeça do corpo do morto-vivo.

    Os movimentos da criatura cessaram abruptamente, como se o tempo tivesse parado por um instante.

    Derek se sentiu vitorioso ao cair de joelhos no chão. Ele ergueu a cabeça para cima e abriu a boca como se fosse dar um grito vitorioso; no entanto, nada saiu. O silêncio era ensurdecedor.

    Ele queria comemorar aquela vitória amarga sobre a morte, mas ainda precisava ver como o cachorro estava.

    Infelizmente, essa luta parecia ter sido em vão. O estado do animal era crítico: seu corpo estava coberto de feridas profundas e horríveis; ele parecia extremamente magro, como se não tivesse comido há dias intermináveis. Além disso, uma de suas orelhas havia sido arrancada cruelmente, deixando à mostra o osso exposto e pedaços faltando que só aumentavam a dor no coração de Derek. Não havia mais nada que pudesse ser feito por ele.

    Ao olhar melhor para o cachorro ferido, Derek teve uma súbita lembrança; ele já tinha visto aquele animal antes — não apenas visto, mas também brincado com ele em dias mais felizes. Era Spike, o cachorro de seu vizinho querido. Essa revelação fez com que sua dor se intensificasse; ele havia perdido a chance de proteger uma das últimas coisas que ainda lhe trazia alegria neste mundo devastado pela tragédia.

    “Droga! Se eu fosse mais forte ou tivesse feito algo diferente talvez isso…”

    A dor evidente nos olhos de Spike era palpável; eles lacrimejaram enquanto ele gemia suavemente de dor insuportável. Mesmo assim, ele olhava para Derek com uma calma surpreendente em meio ao caos. Parecia ter reconhecido seu amigo humano apesar daquela situação horripilante. Mesmo fraco e debilitado pela dor extrema, Spike juntou forças suficientes para abanar a cauda uma única vez.

    Vendo esse gesto delicado e cheio de amor incondicional, Derek se perguntou se Spike realmente o reconhecera mesmo nessa forma grotesca e repulsiva. Olhando profundamente nos olhos cansados do cachorro, era como se ele dissesse que a culpa não era de Derek.

    “Não sei se foi isso realmente que você queria me dizer, mas não vou deixar que você continue sofrendo assim.”, pensou Derek angustiado.

    Com determinação renovada e tristeza misturadas em seu coração dilacerado, Derek agarrou firmemente o pescoço do cachorro e torceu com todas as suas forças. Os olhos de Spike arregalaram-se instantaneamente em um momento de compreensão antes de começarem a fechar lentamente até que finalmente ficaram sem vida.

    “Se esse cachorro lutou para viver todo esse tempo mesmo nesse estado tão deplorável… Então talvez eu ainda deva continuar tentando.”, pensou Derek enquanto uma nova onda de motivação começava a brotar dentro dele.

    Derek se levantou lentamente após aquele ato doloroso e decisivo, pronto para seguir em frente na luta pela sobrevivência. Mas antes que pudesse dar mais um passo adiante, um som inesperado fez com que ele parasse abruptamente; um gemido baixo vinha da cabeça do morto-vivo decapitada.

    Mesmo sem estar conectada ao corpo apodrecido da criatura monstruosa, aquela cabeça ainda possuía vestígios de vida pulsando dentro dela.

    A raiva dentro dele não havia sido totalmente esgotada; ainda havia fogo ardente em seu interior. Derek caminhou até a cabeça amputada e agarrou seus cabelos desgrenhados com determinação renovada.

    Ele começou a balançar seu braço como se fosse uma gangorra descontrolada antes de finalmente lançar a cabeça para o alto com toda a força que restava nele.

    A cabeça rodou no ar num movimento grotesco antes de cair no chão com força brutal; os miolos espalharam-se pelo chão como um testemunho macabro do fim daquela batalha grotesca e sangrenta.

    ✥—————✥—————✥

    Dois dias se passaram e Derek refletiu intensamente sobre sua situação. Ele sabia que era hora de seguir em frente.

    Na calada da madrugada, decidiu cavar duas covas no quintal para enterrar seus pais, dando a eles um funeral digno. Com sua mão, ele trabalhou arduamente, moldando a terra e criando um espaço respeitoso para aqueles que amava. Colocou um objeto significativo de cada um deles: o boné do pai, que ele sempre via usar, seja no trabalho ou na rua, e o cordão com uma cruz da mãe, que a acompanhava enquanto ela orava.

    “Que vocês possam descansar em paz agora…”, pensou Derek entristecido.

    Sem que percebesse, lágrimas de sangue negro escorreram de seu rosto.

    Já no entardecer do dia, Derek decidiu que era hora de partir. Ele se aprontou, trocando suas roupas e enfiando duas facas nos bolsos, preparado para o pior que pudesse vir.

    Enquanto dava uma volta pela casa, uma onda de memórias o atingiu. Lembrou-se do Natal, das risadas e das pequenas celebrações em família. A imagem do dia em que ganhou sua bicicleta veio à mente, com seu pai ensinando-o a andar e sua mãe, no primeiro dia de aula, ouvindo ansiosamente como foi seu dia enquanto o abraçava e beijava, deixando-o tão contente.

    Ao chegar à porta, Derek percebeu que não poderia deixar uma casa que já foi tão cheia de vida apodrecer. Para manter essa memória em sua mente, decidiu queimá-la.

    Ele pegou gasolina dos carros da rua e álcool das casas, jogando em todos os móveis. Cada cômodo carregava lembranças, e ele queria que tudo permanecesse vivo em sua memória.

    Por último, acendeu uma vela na sala e a deixou em cima da mesa. Em seguida, foi à cozinha e deixou o gás vazando, criando uma atmosfera tensa.

    Quando estava na porta de casa, ouviu as vozes dos seus pais dizendo: 

    — Adeus, filho.

    Surpreso, virou-se rapidamente, mas não havia ninguém ali. 

    Ele deu um sorriso afetuoso em pensamento e saiu andando.

    À medida que se afastava, o gás inundava a cozinha e chegava à sala. Ao entrar em contato com a vela, tudo pegou fogo, queimando rapidamente e se alastrando para as casas vizinhas.

    Mesmo com o alto som das chamas e o crepitar do fogo, Derek não olhou para trás. Ele queria manter a última imagem que teve da casa. 

    Confiante e determinado seguiu andando.

    “Adeus, mãe e pai.”, pensou com firmeza, deixando as mágoas para trás.

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