Capítulo 22 - Raio de Esperança
Derek ficou impressionado com a arma.
Era a primeira vez que via uma de perto. Nunca imaginou que realmente precisaria usar uma, embora tivesse assistido a tutoriais por pura curiosidade — aqueles vídeos que você nunca acha que vão ser úteis de verdade.
Lembrou-se de um deles. Como verificar se a arma está carregada.
Ele puxou o ferrolho com cuidado, como lembrava do vídeo. Duas balas. Ainda tinha poder ali.
Olhou para o cadáver no chão. Abaixou-se. Vasculhou os bolsos da jaqueta ensanguentada e depois os da calça. Encostou em algo metálico — um pente com seis balas.
Pegou.
Só de segurar a arma e ver as munições, Derek sentiu que tudo mudaria. Matar os mortos-vivos agora parecia fácil. Uma moleza. Imaginou-se como nos filmes que já tinha visto incontáveis vezes, o herói solitário, com uma arma na mão e a morte nos olhos.
Apontou a arma para frente, erguendo-a até a altura do rosto, tentando mirar como viu nos filmes. Achando que a arma estava travada, apertou o gatilho.
Ela disparou.
Um estrondo ecoou no escuro, seguido de um clarão e o som seco da bala atingindo algo lá adiante, onde a escuridão ainda dominava.
O recuo foi brutal. A coronha bateu com força em seu rosto.
Derek quase desmaiou. Cambaleou para trás, mal conseguindo firmar os pés. Seus olhos giraram, cada um olhando para um lado diferente. O mundo se distorceu.
Ele sentiu algo errado.
Um estranho aumento no campo de visão. Mas não conseguia mover os olhos para onde queria. Era como se estivessem travados. Desesperado, bateu com a palma da mão na própria cabeça, tentando trazê-los de volta ao lugar.
Funcionava — aos trancos.
“Malditos tutoriais…”
Aquela arma seria útil, mas também perigosa. Derek percebeu que teria que tomar muito cuidado dali em diante.
Derek seguiu caminho, agora, com a arma devidamente travada e guardada no bolso da calça.
Enquanto isso, em algum andar…
Um som abafado de algo se arrastando ecoava entre as paredes metálicas.
Um tec-tec molhado, repetitivo, intercalando por pequenos gemidos. O som estava vindo por entre os estreitos dutos de ventilação, que serpenteavam por dentro das paredes.
Dentro deles, o bebê morto-vivo engatinhando.
De repente, ele parou.
O disparo de Derek, tão alto e agudo, havia rompido o silêncio do hospital.
O bebê virou lentamente a cabeça como se pudesse localizar o som mesmo sem enxergar direito.
Então deu meia volta, engatinhando em direção ao som, aumentando a velocidade conforme se movia.
Derek continuou.
Ele revistou quarto por quarto, à procura do bebê. Mas só encontrava mortos-vivos comuns. Ainda que “comuns”, eram horripilantes — cada um pior que o outro. Assustou-se de diversas formas, em cada canto, em cada sombra. Ao mesmo tempo, encontrava objetos abandonados.
Celulares. Fotos antigas. A maioria dos aparelhos estava quebrada ou descarregada, mas dois ainda tinham carga suficiente para algumas horas.
Encontrou também uma sala de medicamentos. Estava toda revirada, com vidros quebrados e líquidos espalhados pelo chão. Foi fácil deduzir por que os sobreviventes haviam vindo até ali.
Mais adiante, Derek avistou uma escada e, novamente, notou um brilho fraco vindo do andar de cima.
Sentiu um alívio inesperado — não precisaria mais dos celulares por um tempo.
Deslocou a mandíbula novamente, retirando o aparelho que mantinha preso na boca. Estava aliviado por não ter que usar aquele método de novo tão cedo.
Ala 3.
Ele caminhava lentamente, aproveitando a luz natural que agora invadia os corredores. O brilho fraco do sol filtrava-se pelas janelas sujas, lançando feixes dourados que cortavam a poeira suspensa no ar. O silêncio, quebrado apenas pelo som abafado de seus passos, tornava o momento quase reverente.
Derek se aproximou de uma das janelas, onde os raios solares atravessavam o vidro embaçado de poeira. Com um movimento instintivo, passou a mão sobre a superfície áspera, limpando uma parte pequena o suficiente para espiar através dela.
A paisagem diante dele era diferente. Não a mesma que viu no andar inferior. Talvez tivesse percorrido mais corredores e agora estivesse do outro lado do hospital.
Lá fora, o mundo continuava estilhaçado. Prédios em ruínas se erguiam como fantasmas da civilização, suas estruturas corroídas pela passagem implacável do tempo e do abandono. Ao longe, colunas finas de fumaça ascendiam lentamente para o céu límpido. Sobreviventes?
O vento — frio, cortante, mas livre — sibilava entre as rachaduras das estruturas, fazendo eco entre escombros e aço retorcido.
Derek observava, perdido em pensamentos.
“Ah… Stefany. Tenho certeza de que, se fosse você no meu lugar, tudo já teria se resolvido…”
Era impossível não lembrar dela. Sentia falta do modo como ela o fazia se sentir humano, mesmo quando o mundo desmoronava ao redor. O cheiro suave, o toque breve. Não tiveram muitos momentos afetuosos — ele passava mais tempo treinando do que com ela —, mas, ainda assim, cada lembrança pulsava viva, como brasas que nunca se apagavam por completo.
Se perguntava como ela estaria agora. Será que havia encontrado o pai? Estaria segura?
O hospital o deixava inquieto.
Derek já havia provado seu valor. O medo, mesmo presente, já não tinha o mesmo poder sobre ele. Este feito era um degrau a mais, um avanço em sua busca para superar Insane.
Era hora de partir. Perderia a chance de encontrar o bebê morto-vivo, mas encontraria outros como ele por aí.
A criatura era esperta. E, por mais que Derek odiasse admitir, havia algo na perseguição que o fazia se sentir como a presa.
“Aproveitando que esse lugar está iluminado, vou dar só uma última olhada. Talvez encontre algo útil antes de cair fora.”
Dirigiu-se a mais um quarto. Pela janela da porta, enxergou um ambiente coberto de sombras, mas não totalmente escuro. Dava para ver.
Cadeiras e mesas pequenas estavam espalhadas pelo espaço, cobertas por uma fina camada de poeira, como se o tempo ali tivesse parado. A lousa suja dominava uma das paredes, com vestígios apagados de palavras e números que já não significavam nada.
No chão, brinquedos abandonados, pelúcias rasgadas e esquecidas. Um lugar feito para crianças.
No canto da sala, quase invisível na penumbra, havia algo. Ou alguém.
Uma jovem mulher, encostada na parede, com ferimentos visíveis. Imóvel.
Ele observou a figura por alguns segundos, e a única conclusão que sua mente ofereceu foi direta.
“Entendo. Mais um cadáver.”
Virou-se para sair, sentindo o peso da cena se dissipar enquanto seus pés encontravam o chão novamente.
Mas, no canto do olho, percebeu um movimento.
A jovem se mexeu. Virou de lado, abraçando o próprio corpo com um tremor fraco, instintivo, de quem buscava calor.
Derek parou. Seu olhar retornou à mulher, desta vez com atenção real.
Ele ficou surpreso.
A jovem respirava. O peito subia e descia, os olhos tremiam sob as pálpebras e os lábios balbuciavam.
Não era um cadáver. Era uma sobrevivente.
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