Apesar de não ter conseguido devorar a anomalia, Derek não se deixou abalar.

    O que havia conquistado já era motivo suficiente para animá-lo.

    Quando a anomalia foi engolida pela horda, a leve brisa que soprava desapareceu por completo, sufocada pelo amontoado de mortos-vivos.

    Nenhum deles parecia prestes a se transformar em outra anomalia.

    O mistério sobre a origem dessas criaturas permanecia intacto. Não apenas para elas, mas para todos, até mesmo os mortos-vivos comuns.

    Após se distanciar bastante da horda, alcançando uma área quase livre de mortos-vivos, Derek retirou sua máscara improvisada. Respirou fundo, sentindo com clareza o ar ao redor. Não era puro, mas ainda assim melhor do que antes.

    Queria reviver aquela sensação de “enxergar” pelo olfato.

    Parou no meio de um cruzamento, fechou os olhos e se concentrou.

    Sem os trapos cobrindo o rosto, seu faro parecia mais aguçado. Conseguiu captar o odor de cadáveres vindo de dentro de lojas próximas.

    Talvez pela distância, mas não conseguia distinguir se eram mortos-vivos ou apenas corpos abandonados.

    Aos poucos, percebeu uma limitação: sua percepção olfativa se estendia apenas a um raio de cerca de dez metros em qualquer direção.

    Não detectava coisas sem cheiro ou com odor muito fraco, mas ainda assim, a habilidade era útil.

    Com esse novo entendimento, decidiu retornar à horda em busca de mais anomalias.

    Sabia que não seria fácil capturá-las, especialmente com a massa de mortos se aglomerando e a presença de olheiros.

    O disparo anterior de sua arma já havia atraído atenção.

    No alto de prédios, figuras observavam atentamente os movimentos da horda.

    Derek precisaria se mover sem levantar suspeitas.

    E isso significava abandonar, ao menos por agora, o uso de sua arma de fogo.

    O primeiro, Derek atraiu para um beco estreito entre dois prédios, onde não havia espaço para fuga ou distrações.

    A anomalia veio quente na sua direção, sem perceber que ele já havia se preparado.

    Com uma coleira retrátil, achada presa firmemente a um poste, com o esqueleto do antigo animal ainda preso à ponta.

    Ele a pegou e esticou pelo chão de um canto ao outro do beco, prendendo-a de modo a não ceder com facilidade.

    Quando a anomalia investiu, tropeçou no obstáculo, puxando a coleira e fazendo-a se soltar de repente.

    O impacto a derrubou, e, sem hesitar, Derek cravou a faca em seu corpo.

    Em seguida, abaixou-se e a devorou.

    O segundo ele não atraiu para um beco, mas para dentro de uma loja parcialmente desabada.

    Espalhou destroços e estilhaços de vidro no chão, posicionando-se no fundo, à luz fraca que entrava pelas janelas quebradas.

    A anomalia, guiada pelo cheiro, entrou apressada, ignorando o perigo sob os pés.

    O som dos cacos quebrando denunciou cada passo, e, quando ela cruzou a porta, Derek soltou uma prateleira enferrujada que havia escorado de forma precária.

    O peso esmagou a criatura contra o chão.

    Ele subiu por cima, empunhou a faca e finalizou o trabalho antes de devorá-la.

    O terceiro exigiu mais paciência.

    Derek atraiu ele desde a horda, até um cruzamento de duas ruas. 

    Se posicionou, deitando no chão, se fingindo de morto. Escutando o som que se aproximava ao longe e sentindo o cheiro dele se aproximar.

    Quando a anomalia apareceu, ela foi direto para ele, agachando-se para devorá-lo.

    Nesse momento, Derek abriu seus olhos e fincou a faca no pescoço da anomalia, por engano.

    O sangue negro espirrou em seu rosto.

    A anomalia não recuou, mas tentou mordê-lo.

    Foi quando Derek agarrou ele pelos cabelos quebradiços, tirou a faca do pescoço e fincou nos olhos, o finalizando.

    Até então, foram poucas as mudanças. Mas sua mobilidade melhorou levemente, agora podendo andar quase normalmente.

    Agora era a vez do último.

    Derek o avistou à distância, distraído.

    Aproximou-se devagar, com facas nas mãos, esperando o momento certo para estacar.

    Conforme avançava, o cheiro da anomalia se intensificava.

    Derek estava focado, como um tigre prestes a atacar sua presa. Já próximo, ouviu ao longe o som de um carro. Alguns olheiros estavam indo embora. Desviou o olhar por um instante. Quando voltou, a anomalia havia desaparecido.

    Olhou para a esquerda, para a direita, até para baixo. Nada. 

    “Merda… acho que o perdi…”

    Antes que pudesse terminar o pensamento, sentiu o cheiro vindo de trás. A anomalia estava a cerca de três metros, parada, o encarando por trás. Derek congelou.

    Virou-se rápido, mas foi surpreendido por um golpe seco. A criatura o atingiu com força, jogando-o contra uma parede.

    Por instinto, Derek levou seu olhar e sua mão ao bolso da calça, a fim de pegar a arma, mas não a pegou. Um tiro dela seria comprometedor. Revelaria sua posição aos olheiros.

    No alto dos prédios, os olheiros estavam a serviço de algum acampamento, buscando, contando e anotando as principais características de mortos-vivos anormais enquanto catalogavam eles com algum tipo de sistema.

    Embora Derek não soubesse, sua presença já havia sido notada.

    — Ali, às 12:00 horas. Dois proeminentes lutando entre si. Uma variante 1-C e outra 2-A — disse uma mulher mascarada usando binóculos enquanto um homem anotava em caderno o que ela disse.

    — Certo. Próximo.

    E a mulher tirou sua visão de Derek e continuou  procurar outros pela horda.

    Derek não achava estar sendo observado e temia ser descoberto.

    Deixando de olhar sua arma e olhando pra frente, ele viu que a criatura havia desaparecido de sua frente. Ele olhou com rapidez para os lados tentando localizá-la. Tentou usar o olfato, mas o cheiro parecia ter se espalhado, como se estivesse em todas direções.

    Foi quando ele tentou avançar a procura da criatura que mortos vivos foram empurrados contra ele, quase o derrubando.

    Retomando o equilíbrio com rapidez, ele se virou e viu que eram apenas mortos vivos comuns, porém atrás deles estava o culpado, a anomalia.

    Dessa vez Derek o viu se mover. Ele se moveu com rapidez como se suas articulações fossem soltas. Desaparecendo atrás dos mortos-vivos.

    “Primeiro o bebê… e agora você? Merda!”, pensou Derek, tomado pela fúria.

    Com os olhos cravados na criatura, ele assumiu posição de combate. Seus sentidos estavam aguçados, conseguindo acompanhar os movimentos da anomalia que se escondia atrás dos mortos-vivos, sem deixar brechas para um ataque surpresa.

    A criatura, curiosamente, não o atacava. Derek continuava a se mover em círculos, mantendo o olhar fixo nela. Mas aquilo não seria suficiente. A diferença de habilidades entre os dois era evidente. Derek precisava da faca.

    Uma das facas estava a menos de dez passos de distância. A outra havia se perdido entre a multidão.

    Ao desviar o olhar por um instante em direção à faca, sua guarda baixou. Foi o suficiente para a criatura avançar com ferocidade. Quando estava prestes a abocanhá-lo, Derek reagiu, retomando a guarda e encarando-a. A criatura desviou no último segundo. Em vez de mordê-lo, arranhou-o com suas garras e se escondeu novamente.

    Aquilo o intrigou.

    “Um morto-vivo tímido? Que hilário.”, pensou Derek com sarcasmo.

    Com base nesse comportamento, começou a arquitetar formas de usar isso a seu favor.

    Aproximando-se lentamente da faca, sem tirar os olhos da anomalia, Derek se abaixou e a pegou com rapidez. Ao se levantar, foi surpreendido por um ataque brutal: às garras da criatura rasgaram sua pele da testa até a bochecha, levando consigo seus dois olhos. Ela desapareceu novamente.

    O sangue negro escorria das feridas, transbordando dos olhos arrancados, deixando dois buracos profundos e sombrios.

    Derek estava mergulhado na escuridão.

    A criatura aproveitava essa vantagem, desferindo ataques unilaterais em sequência. Para Derek, parecia que a anomalia compreendia perfeitamente como enfraquecer sua presa. Como um gato brincando com um rato antes de matá-lo.

    Seu corpo acumulava ferimentos, coberto de sangue. Um dos tendões do braço esquerdo foi cortado pelas garras da criatura.

    Desesperado, cercado pelo breu e temendo pela própria vida, ele balançava o braço direito, ainda segurando a faca, tentando se defender. Mas seus golpes não eram eficazes.

    Mesmo sem sentir os ataques, ele os ouvia: o som da carne sendo rasgada, o sangue pingando no chão.

    No auge do desespero, Derek foi arrastado para um lugar onde não ia há muito tempo — o canto mais profundo de sua mente.

    Ali, em sua forma humana e nua, estava sentado com as mãos na cabeça, se culpando por tudo.

    Na escuridão, uma imagem se projetava diante dele: seu corpo de morto-vivo, atacando o ar com a faca, enquanto era dilacerado pela anomalia. Era como assistir a uma transmissão em tempo real.

    Então, algo vindo das sombras chamou sua atenção, um som de respingos. Persistente. 

    “Que som é esse?”

    Derek olhou para frente. Seus olhos se abriram em espanto.

    Diante dele, uma gosma negra se contorcia, mudando de forma. Antes que pudesse questionar, uma risada grotesca ecoou da gosma, fazendo seu corpo inteiro estremecer.

    Era a risada de Insane.

    Conforme o medo crescia, a risada se intensificava e Insane se mostrava saindo da gosma.

    “Ele não… agora não…” 

    Derek fechou os olhos com força, tremendo. Lágrimas escorriam.

    Quanto mais Insane ria, mais a confiança de Derek se esvaía. O pavor tomava conta, afetando até seu corpo físico, seus movimentos tornaram-se lentos, descoordenados.

    Então, um silêncio profundo caiu repentinamente, silenciando Insane.

    Derek, ainda chorando, foi surpreendido por algo inesperado: flores passaram por ele, acompanhadas de um aroma suave e reconfortante. Duas mãos leves e macias deslizaram por seu rosto, vindo por trás.

    Num suspiro, ele abriu os olhos.

    À sua frente, viu Insane preso à gosma, como se estivesse sendo devorado. Seus braços estavam imobilizados, metade do corpo consumido, e a boca selada pela substância viscosa. Suas sobrancelhas franzidas e expressões faciais revelavam raiva enquanto se contorcia, tentando se libertar.

    As mãos que acariciavam Derek o envolveram num abraço. E então, uma terceira voz surgiu, com tom doce, suave e confiante:

    — Que o desespero desapareça. E que venha a esperança.

    Derek reconheceu a voz. Seus olhos se arregalaram, tomados pela emoção.

    A pessoa que o abraçava era a Stefany.

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