Derek não conseguia esconder sua surpresa. Estava estampado em seu rosto.

    Os cabelos, a pele, os lábios… tudo era exatamente como ele se lembrava de Stéfany. Tudo, exceto o vestido que ela usava e a íris dos olhos — moldadas como flores de quatro pétalas, brilhando em um rosa intenso

    A gosma que estava consumindo Insane, agora se dissipava lentamente.

    Derek tentou falar, mas as palavras não saíam. Sua voz parecia um disco arranhado.

    Ele estendeu a mão, querendo tocar o braço dela, confirmar que era real. Mas antes que conseguisse, ela desapareceu.

    Não houve desespero.

    Suas mãos começaram a tremer, o coração disparou. Lágrimas brotaram e escorreram sem controle.

    Não era medo. Nem tristeza. Era felicidade.

    — Você está bem… Que alívio — murmurou, sorrindo entre as lágrimas.

    Elas caíam sem parar, pingando no chão.

    De repente, Stéfany reapareceu diante dele. Agachou-se, levou as mãos ao rosto de Derek e, com delicadeza, enxugou suas lágrimas. Ergueu seu rosto, guiando-o com suavidade para que a olhasse.

    Ela sorria com ternura.

    Naquele instante, parecia que o vídeo de seu corpo lutando desacelerava, quase congelando.

    Derek e Stéfany se levantaram juntos.

    De pé, ele passou o braço pelo rosto, secando as lágrimas. Apesar da alegria de vê-la, seu bom senso ainda o mantinha alerta.

    Ela estava ali, em silêncio, com um sorriso fixo. Derek a observou dos pés à cabeça.

    Os olhos chamavam mais atenção que tudo. Depois, o vestido. E aquele estranho jeito doce.

    Mas ele sabia. Aquela não era a verdadeira Stéfany.

    — Quem é você? — perguntou, recuando alguns passos.

    Ela pareceu surpresa por um breve momento, mas logo voltou a sorrir.

    Então, diante dele, seu corpo se desfez em flores que voaram na direção de Derek, atravessando-o.

    Ele manteve o olhar firme, tentando parecer forte, mesmo com os punhos tremendo discretamente.

    — Eu? — disse ela, sua voz misturada ao voo das pétalas. — Vou te contar quem sou. Mas antes…

    Ela bateu as mãos duas vezes, com elegância.

    O som das palmas ecoou.

    Antes que pudesse continuar, Derek ouviu um estalo — algo se quebrando.

    Ergueu os olhos. Rachaduras se espalhavam pelo teto, como se fosse feito de vidro. Elas se multiplicavam, aprofundando-se.

    Derek observava, curioso e apreensivo.

    Fragmentos começaram a cair, revelando uma imagem clara por trás da superfície.

    Não houve tempo para processar. O teto inteiro se estilhaçou e despencou.

    Derek cerrou os olhos e protegeu a cabeça com os braços.

    O som dos cacos atingindo o chão ecoou por alguns segundos e então, silêncio.

    Ele abriu os olhos devagar, abaixando os braços.

    Não acreditava no que via.

    O cenário sombrio havia se desfeito como fumaça ao vento. Agora, diante de Derek, estendiam-se campos verdejantes que ondulavam suavemente pelas colinas. No topo de uma delas, erguia-se uma árvore imponente, solitária, com galhos largos e folhas que dançavam ao sabor da brisa. O céu acima era de um azul cristalino, sem nuvens.

    Derek sentiu a grama fresca sob os pés e o vento acariciando sua pele.

    Incrédulo, esfregou os olhos.

    — Isso… não pode ser real — murmurou.

    Ao olhar ao redor, seus olhos encontraram Stéfany. Ela estava sob a árvore, acenando com um gesto suave, como se o chamasse para casa.

    O vento soprava ao longe, fazendo as folhas da árvore se desprenderem e flutuarem lentamente até o chão.

    Derek caminhou até ela. Ela estava sentada com as pernas esticadas, encostada no tronco.

    Ele parou diante dela, hesitante. Sabia que não era a mesma Stéfany — não podia ser — mas a emoção o dominou. Agachou-se devagar, como quem se aproxima de um sonho prestes a se desfazer.

    Ela o encarava com um sorriso sereno, os olhos brilhando com uma confiança que parecia eterna.

    Derek levou a mão ao rosto dela e tocou.

    Ela não desviou o olhar. Continuou firme, olhando dentro dele.

    Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso. A pele era quente e macia.

    Sua mão tremia. Era tão real que quase acreditava.

    Um sorriso suave surgiu em seus lábios, enquanto os olhos se enchiam de emoção.

    ✥—————✥—————✥

    Depois de alguns instantes, Derek se recompôs. Sentou-se à frente dela, cruzando as pernas.

    Respirou fundo, pronto para perguntar quem ela era — mas ela o interrompeu com leveza.

    — Esse lugar é agradável, não acha? — disse, com entusiasmo quase infantil.

    O vento voltou a soprar, mas Derek permaneceu em silêncio.

    — Ah… então não gostou? E eu achando que um lugar calmo assim te agradaria — comentou, fechando os olhos e balançando a cabeça. — Se não gostou, talvez devêssemos mudar de cenário.

    Ela abriu os olhos e ergueu a mão, prestes a estalar os dedos.

    O mundo tremeu. Como se estivesse prestes a se despedaçar, como o vazio anterior.

    — Só responde minha pergunta! — gritou Derek, com os olhos ardendo de fúria.

    Surpresa, ela piscou três vezes rapidamente.

    — Tá bom, tá bom… eu digo — respondeu, afastando os dedos. O mundo parou de tremer.

    Inspirou fundo.

    — Por onde começar… minha origem? O que me motiva? O que eu quero? Você precisa ser mais específico.

    — Tudo. Primeiro: o que diabos é você e o Insane? — disparou Derek.

    — Como Insane já te disse: nós somos você. Mais precisamente, partes de você — respondeu, apontando para o peito dele.

    Derek franziu a testa, insatisfeito. 

    Ela o encarou e ele manteve a expressão firme.

    — Tá certo. Sei como você é difícil de lidar, mas tudo bem, temos tempo — disse ela, olhando para cima.

    A projeção do corpo real ainda passava lentamente, como se o tempo ali fosse outro.

    — Pra essa história, você vai querer pipoca — disse, batendo as mãos duas vezes. Um balde de pipoca apareceu entre as pernas de Derek.

    Por dentro, ele se impressionou. Por fora, manteve o olhar sério.

    Ela então suspirou e começou:

    — No princípio, criou Deus os céus e a terra. Mas a terra estava sem forma e vazia; havia trevas sobre o abismo, e o Espírito Sa—

    — Você tá me zoando, né? — interrompeu Derek, irritado.

    Ela caiu na gargalhada, lágrimas escorrendo dos olhos.

    Derek cerrou os dentes.

    — Tá legal, tá legal… parei — disse ela, limpando as lágrimas com as costas da mão.

    — Vamos começar de verdade. Sou Asha. Represento a esperança e a bravura — declarou, colocando a mão sobre o peito com delicadeza. — E a essa altura, você já deveria saber o que somos.

    — Esperança? Tipo Elpis? — perguntou Derek, confuso. — E como eu deveria saber quem vocês são, se nunca me contam nada?

    Ela assoprou o dedo indicador, como quem pede silêncio.

    Asha se levantou lentamente. Nesse instante, o vento cessou. As folhas da árvore congelaram no ar. Até a retroprojeção do corpo de Derek parou.

    Ela caminhou em volta dele, com passos leves, quase flutuando.

    — Vejamos… por onde começar — disse, com um tom suave, quase maternal. — Você quer respostas. E vai tê-las.

    Derek a observava em silêncio, o coração ainda acelerado. Ele não sabia se devia confiar, mas algo nela o fazia querer ouvir.

    — Eu sou Asha. A esperança que você enterrou. A bravura que você esqueceu. E Insane… — ela estendeu a mão, como se tocasse algo invisível — …é o medo que você alimentou. A raiva que você negou. Somos fragmentos. Ecos do que você é, do que foi, e do que pode ser.

    Derek permaneceu sem entender.

    — Tudo bem. Sabia que não iria entender assim. Então vamos do início. No início…

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