Capítulo 3 - Can't Help Myself

Para Derek, tudo aquilo era um grande enigma. Mesmo sendo um morto-vivo, sua mente ainda estava intacta, diferente dos outros.
Ao tocar seu corpo e olhar seu reflexo na vidraça, ficou chocado ao perceber o quão pálido e deteriorado estava. A aparência do seu corpo e a desolação da cidade ao redor mostravam que meses, talvez anos, haviam se passado.
Quando olhou para sua boca, notou algo que o fez estremecer: havia sangue. Não era o seu, que agora tinha uma cor negra; aquele sangue era vermelho e vibrante.
Naquele momento, a verdade o atingiu como um soco: aquele sangue pertencia à pessoa cujos restos estavam ali, sem pele e sem olhos. Ele ficou paralisado. O fato de ter sangue em sua boca e estar sobre aquela pessoa deixava claro que a havia devorado.
Ajoelhando-se, Derek olhou para suas mãos ensanguentadas e uma onda de aflição começou a crescer dentro dele. Ele se comparou aos outros mortos-vivos. Sua mente gritava de culpa, mas seu corpo não reagia; seus olhos estavam vazios e ele não sentia nada — nem dor, nem o toque suave do vento. Era como se seu sentido de tato tivesse morrido junto com ele.
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O tempo passou lentamente, e Derek sabia que ficar ali parado não mudaria nada. A verdade era dura: aquela pessoa nunca voltaria a ser quem era. A realidade do que se tornaou pesava sobre seus ombros.
Apoiando-se na vidraça da loja, Derek conseguiu se reerguer, mas suas pernas magras e cobertas de feridas necrosadas tornavam cada movimento uma verdadeira batalha, como se estivesse reaprendendo a andar.
Ao se inclinar para frente, perdeu o equilíbrio e caiu de cara no chão; tentar manter o corpo alinhado era uma tarefa impossível, já que sua cabeça pesava para trás, fazendo-o tombar.
Enquanto lutava para se levantar novamente, um outro morto-vivo esbarrou nele, fazendo-o cair mais uma vez. Como de costume, a dor não era uma preocupação, mas a raiva começou a borbulhar dentro dele.
Agarrando a perna do morto-vivo, fez com que ele também caísse. Mesmo sem poder expressar emoções como antes, uma ideia divertida surgiu em sua mente:
“É bom, né?” Pensou enquanto segurava a perna do outro por pura diversão. O morto-vivo, que estava sendo agarrado, parou de se mover e virou a cabeça na direção dele.
Derek ficou horrorizado ao ver que o ser não tinha olhos nem mandíbulas; sua língua enorme pendia para fora da boca como um fio solto. Um frio na barriga o fez soltar a perna rapidamente, temendo que aquele ser grotesco fosse atacá-lo. Para sua surpresa, o morto-vivo apenas se levantou e seguiu seu caminho.
Derek se sentiu aliviado. Enquanto observava o morto-vivo caminhar, notou seu jeito peculiar de se mover. Lembrava uma pessoa bêbada cambaleando a cada passo. Intrigado, decidiu imitar o movimento e, embora fosse complicado, acabou se divertindo.
Ao olhar ao redor, percebeu que nem todos os mortos-vivos se moviam daquela forma; havia outros que se arrastavam pelo chão, criando um espetáculo grotesco.
No entanto, uma sombra de tormento ainda pairava sobre ele. Apesar de não lembrar dos detalhes do que havia feito, a sensação de culpa o acompanhava. Reunindo coragem, aproximou-se do corpo que despertava sua curiosidade e inquietação. Os mortos-vivos ao seu redor começaram a se agitar, atraídos pela presença de carne fresca.
O cadáver que Derek supostamente devorou estava em um estado deplorável: sem olhos, sem rosto e com parte do cérebro ausente. Era uma visão horrenda, que tornava impossível qualquer possibilidade de retorno à vida como um dos mortos-vivos.
Na tentativa de aliviar um pouco sua culpa, Derek se esforçou para arrastar o corpo, determinado a evitar que outro morto-vivo o devorasse. O esforço foi intenso, e ele ouviu o estalo de vários ossos enquanto se movia, alguns até quebrando.
Finalmente, conseguiu colocar o corpo em um carro velho que estava com as portas abertas. Ao se afastar do veículo, olhou para o horizonte e se perguntou:
“O que eu faço agora?”
Após vagar em conflito sobre sua natureza anormal, o crepúsculo chegou. Os mortos-vivos estavam menos ativos do que durante o dia, pois enxergar no escuro era um desafio para eles, assim como para Derek.
No entanto, os mortos-vivos conseguiam usar seus outros sentidos, como audição e olfato. Já Derek, devido ao estado de seu corpo, não conseguia sentir cheiros; seus vasos respiratórios haviam sido destruídos.
Movendo-se na escuridão, Derek teve a sorte de entrar em uma loja. Com medo do que poderia acontecer, encostou as portas. Enquanto caminhava, acabou se deparando com o balcão da loja e, em um movimento rápido, caiu para o outro lado, sem tempo para se surpreender.
No chão, seu corpo ficou em uma posição cômica, com os pés para cima e o rosto colado ao chão. Sem ninguém com quem conversar e sem um lugar para ir, Derek começou a filosofar consigo mesmo:
“Então é isso, né? Estou morto, mas ao mesmo tempo estou vivo, certo? E agora, o que eu faço?”
As horas se arrastavam, e o sono nunca chegava para Derek. Ele se sentia como uma máquina, conectada 24 horas por dia, programada para realizar ações específicas eternamente, enquanto sua essência se degradava lentamente, até que seus movimentos se extinguissem. Era como a famosa obra de arte 𝘾𝙖𝙣’𝙩 𝙃𝙚𝙡𝙥 𝙈𝙮𝙨𝙚𝙡𝙛, onde a luta contra as limitações parecia fútil.
Com a chegada dos primeiros raios de sol, os mortos-vivos começaram a se mover. Eles formaram pequenos grupos que se uniram, criando uma horda pulsante de desespero e instinto primitivo.
Derek observou esse fenômeno com um misto de fascínio e temor. Essa uniao representava tanto um perigo quanto uma oportunidade.
Após passar aquela eternidade revisitando seu passado e lamentando suas escolhas, ele estava confuso; confuso sobre si mesmo e sobre o que havia se tornado. Com muitas perguntas fervilhando em sua mente e em busca de respostas — ou talvez apenas um propósito — decidiu se juntar à horda.
Era uma escolha instintiva; talvez ali ele encontrasse algum sentido no caos que se tornou sua vida. E assim, como um eco de sua própria busca por identidade, ele se deixou levar pela maré de mortos-vivos que avançava pelo mundo sombrio ao seu redor.
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