Capítulo 4 - Aquele Ser
Conforme o sol subia, e o calor aumentava, Derek estava se sentindo estranho. Uma tontura junto da sua visão turva, o calor estava assando seu cérebro. Diferente dos outros mortos vivos que não tinham consciência de nada, Derek resolveu se abrigar na sombra de uma árvore que estava na calçada da rua.
Ele ainda permanecia confuso com tudo que vinha acontecendo, ele queria entender como esse novo corpo funcionava.
Com o sol se escondendo atrás das nuvens, Derek se juntou aos outros mortos vivos.
Mais tarde, em uma rua com muitos carros em todos os cantos, os mortos vivos reduziram sua velocidade, as dezenas de carros estavam atrapalhando a caminhada.
Derek que estava exercido nos pensamentos, foi empurrado pelos mortos que estavam se apertando no caminho estreito, enquanto caia, Derek viu rapidamente seu reflexo na janela de um carro, vendo algo que deixou passar despercebido. Querendo ter certeza do que viu, ele se ergueu se apoiando no carro e se viu.
“Espera, por que meus olhos são verdes? Todos os mortos vivos que vi até agora tinham os olhos brancos. Será que sou uma anomalia? Ah, nem sei o porquê dessa pergunta, está mais do que nítido que sou diferente.” Derek estava impressionado com esses olhos, e ao mesmo tempo curioso.
De repente, não muito distante de onde Derek se encontrava, um homem segurando um bastão de baseball com pregos por todo ele exceto pelo cabo gritava com os mortos vivos enquanto tentava proteger uma pequena garotinha que abraçava uma mulher com joelhos machucados.
—SEUS PUTOS! SAIAM DE PERTO DA MINHA FAMÍLIA! — gritou o homem com uma expressão preocupada e enfurecida apertando o bastão com força.
Derek ouviu os gritos e, se esgueirando pelos mortos vivos, e passando por um beco bem estreito que ligava a outro quarteirão em outra rua, conseguiu chegar onde viu os três.
Aquela família estava cercada por dez mortos vivos, o homem já estava exausto. No chão já havia quatro mortos vivos com a cabeça estourada. O homem não parava de balançar seu bastão e os mortos não paravam de se aproximar.
Ao serem acertados, eles caiam e se erguiam novamente, estava nítido que se isso continuasse assim, as três pessoas viriam a morrer.
Derek congelou por alguns segundos não sabendo o que fazer. Quando estava prestes a fugir, algo o fez parar, um sentimento maior do que o medo e o desespero tocou sua mente, era o seu lado humano, o fazendo sentir compaixão pelos humanos.
Ignorando o medo, Derek caminhou sem hesitar em direção aos mortos. Dado ao seu estado, ele não poderia fazer muita coisa, ainda mais por não querer sequer pensar em matá-los, então começou a agarrar as pernas dos mortos vivos a fim de derrubá-los.
Estava dando certo sua ideia, porém, no desespero, o homem que protegia sua família não conseguiu pensar naquilo como um morto vivo bom, e sim como um alvo fácil, ele se aproximou de Derek segurando seu bastão pronto para esmagar sua cabeça, se esquecendo dos outros mortos vivos em sua volta, e assim, acabou sendo atacado de surpresa por dois mortos vivos que começaram a rasgar seu pescoço o devorando.
Com o homem morto, os mortos vivos foram para cima da mulher e da criança. Derek tentou se levantar, outros mortos vivos chegaram até esse lugar e começaram a passar aos montes por cima dele, impossibilitando que ele se levantasse.
A mulher abraçou a pequena criança com força, colocando sua cabeça sobre seu peito e apertando.
— Tudo bem, filha. Vai tudo ficar bem, confia na mamãe. — disse a mulher com as mãos e olhos trêmulas suando frio.
Os mortos vivos se juntaram aos montes em cima delas, enquanto estavam sendo devoradas vivas, Derek só conseguiu ouvir os gritos de horror e dor das duas.
Um longo tempo se passou, os mortos vivos já haviam deixado o lugar, só restava Derek, que estava parado, vendo os dois corpos repletos de mordidas e sangue.
Ele estava lamentando sua insignificância em ajudá-las. Em poucos instantes, os dedos delas estavam dando tiques, elas voltaram a vida como um deles, ao se levantarem, mais sangue escorreu. Os pensamentos de Derek sumiram por um instante.
Elas passaram por ele e seguiram para uma grande horda que estava se formando, com um sentimento vazio, Derek as seguiu, continuando sua caminhada cadavérica.
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Derek estava apavorado com a nova rotina. Ele se encontrava com diversas outras pessoas e as vendo sendo devoradas sem poder fazer nada por elas. Ele já estava ficando louco com toda essa carnificina.
Na sua mente, Derek gritava para que todo esse massacre parasse. Porém, diferente dos dias anteriores, algo que nunca havia acontecido ocorreu.
Centenas de vozes de diferentes pessoas começaram a sussurrar em sua mente:
“Intruso… Aniquilar…”
Quando se deu conta, Derek já estava naquele vazio obscuro de antes. Naquele espaço, seu corpo estava como era quando vivo, o que lhe causou confusão.
As centenas de vozes haviam retornado, e a cada segundo elas sussurravam mais alto, fazendo que Derek tampasse os ouvidos.
Com os olhos bem abertos, ele viu algo descomunal se formando. Vindo do chão, uma gosma negra estava ganhando forma. As vozes viam dessa gosma, se contorcendo, estava tomando uma forma humanoide, os detalhes começaram logo a seguir, tomando a forma de Derek só que morto vivo.
Derek ficou espantado ao ver isso, se afastando lentamente para trás. Em um instante, as inúmeras vozes se pararam, e simultaneamente, Derek congelou de medo. O morto vivo levantou o rosto, e, ao abrir sua boca, ele sussurrou com uma voz seca:
– Intruso… Aniquilar…
Com medo, Derek correu em meio a vasta escuridão, sem rumo, a fim de se afastar desse ser.
Após um tempo correndo, ele olhou para trás, já havia despistado aquela criatura.
Sentando-se de joelhos e olhando para sua mão, Derek começou a surtar. Ele estava se questionando sobre as coisas que estavam acontecendo desde muito antes de sua morte.
Memórias ruins dos anos passados vieram à tona: o sofrimento que passou na escola, em sua casa ele acordava com um sorriso no rosto, mas era pura fachada. Isso era apenas para livrar seus pais de qualquer sofrimento que pudessem passar.
Seus amigos? Todos traíram sua confiança. Durante seus 16 anos, sua vida vinha sendo um inferno.
Na escola, os outros o recebiam com socos em lugares onde ninguém perceberia, e o pior eram os professores. Todos sabiam que Derek sofria bullying, mas escolheram ignorar, como se não fosse problema deles. Derek já estava cansado dessa vida onde ele sempre era a vítima.
— NÃO! Não quero mais viver assim!
Derek decidiu se erguer contra o opressor pelo menos uma vez. Voltando pela mesma direção que havia percorrido, ele se deparou com a criatura, ela estava parada, olhando diretamente para ele.
— Você… deve… eliminado — sussurrou a criatura, caminhando em sua direção.
Em um impulso de coragem, Derek correu em sua direção sem hesitar, sem qualquer plano ou estratégia. Ele se jogou sobre o morto vivo, derrubando-o no chão.
O morto vivo tentava agarrá-lo com seus braços, mas Derek não queria se deixar ser dominado, ele subiu para o peito do morto vivo e prendeu seus braços usando suas pernas.
Mesmo tremendo de medo, Derek entrelaçou seus dedos juntando suas mãos, ergueu elas para o alto, e com um forte grito, começou a socar o rosto do morto vivo, conforme socava, mais sua mão se afundava no crânio, no rosto de Derek, invés de sangue, um líquido negro pingava a cada soco dado.
O morto vivo finalmente havia parado de se mover, por todo corpo de Derek, o líquido negro estava. Derek se sentiu estranho, suas mãos tremiam e seus olhos lacrimejaram, mas não era de tristeza e sim felicidade. Pela primeira vez em sua vida, Derek conseguiu vencer o agressor. Em um piscar de olhos, ele foi trazido de volta ao mundo apocalíptico.
Derek sentia uma alegria intensa, como se tivesse despertado de um longo pesadelo. Ele não conseguia entender exatamente o que havia acontecido, mas a felicidade tomava conta dele.
De alguma forma, a experiência naquele lugar transformou seu jeito de ver a vida. Antes, ele se via como um simples verme neste mundo apocalíptico, sem valor algum. Mas agora, pela primeira vez, ele se sentia alguém importante.
Com um novo ânimo, deixou para trás seu antigo eu e começou a andar com a cabeça erguida, determinado a recuperar todos os sonhos e desejos que lhe foram tirados.
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Derek sabia que mesmo se saísse em busca de seus sonhos, ainda haveria aqueles prontos para destruí-los. Um morto-vivo vivendo entre humanos seria visto como uma aberração muito pior do que os mortos devorando pessoas, e isso poderia levar à sua morte nas mãos de um sobrevivente.
Estar com a horda era sua melhor chance de alcançar seus objetivos sem ser interrompido. Com a mente cheia de esperanças e possibilidades, Derek sentia uma paz estranha, mesmo cercado pela morte.
Mas essa paz estava prestes a ser abalada. Do alto de dois enormes prédios gêmeos, duas pessoas vestidas com roupas táticas estavam eliminando os mortos-vivos da horda com rifles de precisão. A cada tiro disparado, eles se comunicavam com gestos rápidos das mãos, parecendo verdadeiros soldados de elite em ação.
Quando um tiro acertava o crânio de um morto-vivo, a cabeça explodia, espalhando os miolos pelos outros ao redor. As armas eram silenciosas, não faziam barulho algum. Mesmo sem poder ver ou ouvir os snipers, os mortos-vivos começavam a ficar agitados.
Um dos disparos atravessou o crânio de dois mortos-vivos e, por sorte, atingiu apenas de raspão a testa de Derek. O impacto fez sua cabeça recuar levemente, tirando-o de seus pensamentos.
Ele olhou ao redor, vendo corpos sendo destruídos e, ao levantar os olhos, percebeu os snipers lá em cima.
“Não! Isso não pode estar acontecendo!” Pensou Derek, amedrontado.
Ele se jogou no chão, temendo que sua nova vida acabasse antes mesmo de começar. Começou a se arrastar rapidamente, tentando escapar do massacre, mas com tantos mortos-vivos ao redor, ele era constantemente pisoteado.
Depois de alguns minutos se arrastando, Derek percebeu que não estava conseguindo sair do lugar; tudo que fazia era andar em círculos entre os mortos.
Desesperado para encontrar uma saída, ele se levantou rapidamente. Nesse momento, um dos snipers disparou novamente. O projétil perfurou o crânio de vários mortos-vivos ao longo do caminho e mudou de direção ao final, atingindo um morto-vivo bem na frente de Derek.
O impacto fez com que o morto-vivo fosse arremessado para trás, caindo em cima de Derek. Deitado no chão, ele pensou com medo:
“Isso é um pesadelo!”
Enquanto se esgueirava pelo chão, tentava escapar daquela cena horrenda. Depois de um tempo que parecia uma eternidade, conseguiu sair do mar de mortos-vivos e se deparou com um cruzamento de vias onde quase não havia criaturas.
Derek se deitou de costas no centro do cruzamento, buscando acalmar a mente.
“Uou! Isso foi… insano! Se eu tivesse ficado mais um pouco ali, poderia ter sido o fim! Mas uma coisa é certa: nunca mais quero passar por isso!”
Embora seu corpo não sentisse nada, sua mente ainda refletia sobre a situação, misturando flashes de emoção e lembranças. Ele decidiu ficar um tempo ali no chão mesmo.
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Derek, preocupado que os snipers o vissem ali e o eliminasse, decidiu seguir por uma nova rota.
Ao caminhar por uma das vias, uma placa estranhamente familiar chamou sua atenção. Era como se toda aquela rua e os prédios ao redor o abraçassem com memórias. Ele percebeu que estava perto do bairro onde morava.
Sentindo uma onda de nostalgia, Derek seguiu pela rua feliz por estar tão perto de casa.
Enquanto caminhava, uma morta-viva que devorava um animal dentro de uma loja o avistou e começou a observá-lo com seus olhos brancos e vazios, como se estivesse ávida com a sua presença.
À medida que avançava pelo seu antigo bairro, as mudanças eram de cortar o coração. As ruas estavam tomadas por raízes expostas, carros enferrujados estavam jogados em qualquer lugar, e as casas estavam abandonadas.
As vinhas subiam pelas paredes das casas, criando um cenário de selva urbana. Cada detalhe fazia suas memórias voltarem à tona; flashes da vida antes do apocalipse surgiam em sua mente.
Mas tudo isso se desfez quando ele parou em frente à sua casa. As janelas estavam estilhaçadas e o jardim parecia uma floresta, com grama alta e mato por toda parte.
Ao chegar na porta, percebeu que a maçaneta estava quebrada. Um frio na barriga tomou conta dele ao pensar no que poderia encontrar do outro lado. Ele já sabia que seus pais estavam mortos e aceitaria isso, mas encarar a realidade era algo completamente diferente.
Respirando fundo em pensamento, reunindo coragem, Derek levantou o olhar e pensou enquanto abria a porta:
“Vamos lá, Derek! Você consegue!”
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