Em um quarto vazio, um rapaz estava sentado solitariamente em uma cama. Dentro do cômodo, a lâmpada a óleo queimava, iluminando fracamente o ambiente frio pela noite.

    “Eu me sinto mal”, era a única coisa que Arthur conseguia pensar.

    Seu peito queimava enquanto seus olhos pareciam prestes a explodir, mas ele permaneceu imóvel, memórias de mais cedo no dia ainda o atormentando.

    Tudo estava tão normal, seja pelo trabalho ou pelas conversas casuais, mas isso acabou no momento em que ele leu o jornal.

    O Mosteiro de Deus.

    Quando viu aquele nome, memórias retornaram como uma represa quebrada, um turbilhão de emoções atingindo-o diretamente, o fazendo fugir do local imediatamente.

    Olhando para trás agora, Arthur se arrepende de abandonar Aurora na guilda sem dizer nada. Na verdade, enquanto ele tentava sair de lá, ela o agarrou pelo braço.

    — Arthur — seu nome foi dito com o máximo de cautela que a fria Aurora conseguiu — se eles realmente voltaram, precisamos lidar com isso. Temos que ir atrás deles.

    A forma com que ela o chamou naquela hora com tanta compaixão, enquanto seu olhar e voz se tornavam consideravelmente ansiosos, o atormentava agora.

    Arthur se moveu para a beirada da cama. Mas no momento que tentou se levantar, suas pernas falharam, o derrubando de volta na cama.

    — O quê? — sua voz saiu em um sussurro mal contido. Olhando para elas, notou que tremiam profusamente.

    Arthur não era tão jovem, já tendo enfrentado diversos animais e monstros perigosos em suas missões. Ele sabia o que era aquilo.

    “Eu estou com medo…”, concluiu, incrédulo com o fato. “Por que estou assim depois de apenas ouvir o nome deles? Porra… Pelo o quê eu lutei tanto nesses últimos anos?”

    Ele se sentiu exausto com sua própria fraqueza, um suspiro pesado escapando de sua boca. Seus olhos percorreram o quarto como se buscassem por algo. Mas encontraram o mesmo lugar vazio de sempre.

    O cômodo era tão sem nada que se assemelhava a um papal em branco, sem nenhuma foto, cartas, plantas ou qualquer outra coisa que adicionasse vida ao ambiente. Com exceção do armário.

    Grande o suficiente para guardar quilos de roupa, ele e a cama eram os únicos móveis visíveis alí. Arthur nunca recebeu visitas, mesmo quando esperou por elas, então abandonou a ideia de decorar o lugar a muito tempo.

    “Será que eu deveria comprar algo?”, pensou com os olhos pesados. Contudo, ele logo notou um objeto parado ao lado da cama.

    Uma espada guardada em uma bainha de couro finamente trabalhado.

    Estendendo sua mão branca em direção a ela, apertou suavemente o cabo da espada. No momento em que seus olhos a encontraram, apreço tomou seu rosto.

    Foi um presente dado a ele por sua mestra quando se tornou um discípulo dela. Inconscientemente, ele soltou um pequeno riso enquanto falava: — Nossa… já fazem dois anos desde aquilo.

    Ele se lembrou dos problemas que teve no início de seu treino, principalmente pelo quão duro ele era — algo que teme até hoje não ter se acostumado.

    De forma despretensiosa, retirou a espada sutilmente da bainha. No mesmo momento, uma luz pura foi refletida nela, cobrindo o corpo de Arthur. Olhando para o lado, ele encontrou a lua o iluminando.

    Após apreciar por mais alguns minutos o fio da lâmina, ele a guardou.

    Já era tarde, e amanhã ele teria mais treino com sua mestra. Esse pensamento geralmente o traria nervosismo, mas naquele momento, foi como um aviso de que tudo ainda permanecia como sempre.

    Se deitando em sua cama, Arthur olhou para seu teto. Os pensamentos conflitantes, o medo, a insegurança e confusão ainda persistiram em sua mente, mas ele se forçou a os ignorar.

    Decidido a dormir, fechou os olhos, se entregando lentamente para a escuridão. Contudo…

    — Argh! Socorro!

    — Mãe! Mamãe, cadê você?

    — Por que vocês estão fazendo isso!? Alguém, por favor, me ajude!

    … inúmeros gritos e pedidos de ajuda invadiram sua mente.

    Arthur fugiu de sua cama, tremendo pelo o que ouvirá. De pé, ele olhou ao redor em busca de alguém, mas não encontrou nada.

    “O que foi isso?”, se perguntou. “As vozes, tenho certeza que já as ouvi antes, elas pareciam familiares…”

    Eram gritos tão guturais, tão vividos, que não podiam ser só um sonho. Ele se forçou a pensar, seus pés batendo no chão em ansiedade, mas não demorou muito até se lembrar.

    — São… são os mesmo gritos daquela noite… — sussurrou em voz baixa, olhando para os lados como se procurasse por algo.

    Mesmo que não dissesse em voz alta, um fato surgiu em sua mente: que aquela não seria uma boa noite.

    ×××

    Raios de luz entravam no quarto de Arthur sem serem convidados, iluminando suavemente o cômodo. Eles tocavam cada parte do lugar, incluindo a cama onde ele dormia. Lentamente, de forma quase imperceptível, seus olhos se abriram. 

    O recém acordado olhou para os lados sem pressa, sua expressão revelando o cansaço de uma noite mal dormida.

    Ao perceber que já estava de dia, um suspiro pesado escapou de sua boca. — Ah, eu não quero trabalhar hoje… — reclamou, deitando sua cabeça no travesseiro. 

    Contudo, embora estivesse com sono, Arthur sabia que havia muitas coisas para fazer naquele dia. 

    “Bom, como hoje é fim de semana, o treino com a Aurora só vai começar depois do meio-dia”, se consolou em sua mente. “Acho que devo pelo menos fazer algo até lá.”

    Com muita dedicação, ele levantou de sua cama. Mesmo que suas pernas rígidas pedissem para que se sentasse, se recusou. Depois de passar em seu guarda-roupas para se trocar, saiu do quarto.

    Após descer uma escada que estava bem de frente para seu quarto, ele chegou até o mesmo ambiente em que passava dia após dia — sua oficina.

    Quando comprou aquela casa, muitas áreas ficaram vazias devido o pouco uso que tinham. Então, para não desperdiçar espaço, construiu seu local de trabalho ali mesmo.

    Mas como ela não era o seu objetivo principal, passou direto por ela. O lugar que queria alcançar era o fundo da oficina, onde ficava seu armazém.

    Já que estava muito cansado, ao invés de trabalhar na produção de roupas e outros itens com couro, decidiu adiantar as entregas das encomendas. 

    Pouco tempo depois, entrou na pequena sala. Lá, foi recebido mais uma vez por diversas caixas. Mas enquanto ele ia até uma delas, teve sua visão roubada pelo porta-retrato do dia anterior.

    Com passos suaves, se aproximou do objeto, o pegando em suas mãos rígidas. O toque frio da madeira despertou sua consciência.

    Um sorriso sincero adornou seus lábios conforme ele olhava para a foto guardada. Nela, três crianças sorriam para a câmera mágica.

    — Isso foi quando Gregory completou seus dez anos de idade. Tiramos ela para comemorar que todos nós tínhamos a mesma idade… — disse para si mesmo no cômodo vazio.

    Seu toque sobre o porta-retrato se tornou mais delicado enquanto se lembrava das suas antigas boas lembranças.

    — Haha, agora que penso, Selina brigou muito comigo e Gregory para nós pararmos de brincar… Sinceramente, eu adoraria que tivéssemos durado para sempre, mas… eles nos impediram. — O aperto de Arthur sobre a moldura aumentou.

    Uma noite, enquanto todos já haviam ido dormir, pessoas encapuzadas invadiram sua aldeia, atacando quem encontrassem. Para a sorte de Arthur, ele conseguiu se esconder, mas o mesmo não aconteceu com Selina e Gregory.

    Horas após o ataque, ele ousou sair de seu esconderijo — uma casa desabada. Mas por mais que procurasse pelos outros dois, nunca os encontrou.

    “Eles mataram vocês… Destruíram tudo o que tínhamos e depois simplesmente foram embora”, os nós de seus dedos ficaram brancos pelo quão forte apertou o porta-retrato.

    Então, ele finalmente cedeu à pressão, se estilhaçando. Olhando para suas mãos, Arthur percebeu que sem querer havia destruído a moldura.

    — Porra! — Preocupado em perder o único resquício tangível de seu passado, ele verificou a foto. Mas para seu alívio, embora o porta-retrato estivesse inutilizável agora, a foto permaneceu intacta.

    “Sinto muito por isso”, desculpou-se silenciosamente em sua mente. Deixando a moldura meio quebrada novamente em cima da estante, Arthur se sentou no chão, recostado na parede.

    Embora tenha guardado a moldura, a foto permaneceu em suas mãos, que a seguravam com o máximo de cuidado que podiam.

    — Mas mesmo que eu os odeie, a ponto de passar quase dois anos treinando apenas para me vingar, agora, eu me sinto confuso quanto a isso.

    Quando sua aldeia foi atacada, Arthur tinha apenas dezesseis anos de idade, mas recentemente completou dezoito anos de idade, finalmente alcançando a maioridade. Muito tempo se passou desde aquele evento.

    Mesmo que de forma lenta, até mesmo imperceptível, ele havia construído algo real em Veldoren. Desde que chegou ali, construiu um emprego rentável, conseguiu uma boa casa e fez muitos amigos.

    “Por mais de dois anos, vivi em busca de vingança e, por isso, treinei incansavelmente. Mas desde que recebi a notícia da volta do Mosteiro de Deus, percebi que tinha coisas demais para arriscar perdê-las indo atrás deles.”

    Seus olhos umideceram enquanto seu rosto se contorcia em repulsa pela ideia de abandonar algo pelo qual se dedicou tanto.

    — Eu… — os lábios finos de Arthur se abriram com dificuldade, seus olhos expulsando sua tristeza através de lágrimas — estou tão confuso… Não sei o que fazer.

    Os dedos de sua mão soltaram a foto das crianças, a fazendo planar até o chão. Arthur olhou para a foto no chão, mas não a pegou. Invés disso, se levantou.

    — Sinto muito, mas não posso ficar aqui por mais tempo. Ainda há muito trabalho a fazer… — com uma desculpa que o próprio considerava patética, pegou a primeira caixa que viu e andou até a porta.

    Olhando para trás uma última vez, seus passos pararam. Vendo a foto no chão, voltou até ela e a deixou na mesma estante que a moldura quebrada.

    Então, ele finalmente saiu do cômodo.

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