Capítulo 03 — Um Mundo Cruel
Ventos suaves carregavam ar frio, o impregnando nas ruas da pequena cidade de Veldoren. E por estas ruas, Arthur caminhava, carregando uma caixa em seus braços.
Ele andava com passos deliberados, sem se preocupar com o frio, apenas olhando para os lados.
Quando chegou em uma encruzilhada de ruas, abaixou seu olhar para a caixa em suas mãos.
— Dolores… — disse Arthur, verificando uma pequena nota grudada nela.
Ao voltar sua atenção para a rua novamente, ele notou uma mulher sentada num banco em frente a uma velha casa. As mãos dela se mexiam, como se trabalhassem em algo.
Mas o que chamou a atenção dele foram as roupas que ela usava: um casaco velho, tão fino quanto um pano de chão.
Seus instintos lhe diziam que aquela era a mulher que havia encomendado seus produtos, apesar de não se lembrar de seu rosto. Então, os seguindo, ele andou até ela.
Ao se aproximar, Arthur notou o rosto levemente marcado pela idade, com cabelos desgrenhados pelo vento.
Conforme chegou mais perto dela, a mulher ergueu sua cabeça, aparentemente notando-o. Sem demora, ele a saudou.
— Bom dia, senhora. Perdão por te interromper, mas você seria Dolores?
— Ah, sim, eu sou — mesmo surpresa com a abordagem, ela respondeu com um sorriso.
Sua aparência, influenciada pela meia-idade, a dava um ar de tranquilidade enquanto sorria. Mas ignorando isso, Arthur a entregou a caixa que carregava.
— Aqui, é o pedido que você havia feito na minha oficina.
— Nossa, eu estava me perguntando quando chegaria. Muito obrigada! — agradeceu entusiasmada.
Sem perder tempo, ela abriu a encomenda, revelando três casacos de pele finamente trabalhados.
“Entendo. Seus casacos anteriores devem ter rasgados, então ela pediu por novos. Isso explica suas roupas inadequadas”, concluiu em sua mente. Contudo, Arthur rapidamente notou algo.
Entretanto, no momento em que a mulher retirou uma das peças de dentro da caixa, ele percebeu que elas possuíam tamanho infantil.
Confuso, ele se perguntou se não havia, pela pressa de escapar do armazém, pego o pedido errado. Mas ao olhar para a expressão da mulher, sua confusão aumentou ainda mais.
Um sorriso doce repousava no rosto rosto maduro dela, olhando com estranho apreço para o casaco.
Mesmo que Dolores não fosse alta, com não mais que um metro e sessenta de altura, ela definitivamente não caberia naquela roupa.
— Perdão, senhora Dolores, acho que peguei a encomenda errada…
—Arthur se desculpou, pronto para pegar de volta o pedido.
— Hã? Mas é exatamente isso que eu pedi. — Dolores olhou confusa para o rapaz à sua frente.
Ambos se encararam brevemente, com Arthur sem saber como reagir. No entanto, a mulher começou a rir após alguns segundos, deixando-o sem reação.
— Sinto muito pela confusão, mas as roupas não são para mim, jovem. — Enquanto dizia, apontou para a janela aberta de uma casa ao lado. Lá, um trio de crianças brincava.
Elas pulavam e corriam, gritando alto. Dois meninos segurando gravetos como espadas e uma menina com uma saia grande demais para ela, agindo como uma princesa.
Voltando sua atenção para o rapaz, Dolores disse tranquilamente: —
Eu comprei esses casacos para os meus filhos. Sabe, com esse inverno, é melhor algo de qualidade do que trapos.
— Mas… só há três peças aqui. Você não comprou nada para si mesma? — perguntou Arthur cautelosamente.
— Infelizmente, não; gastei quase todo o meu dinheiro com essas peças. O pouco que me resta é para as necessidades.
Mesmo com tal afirmação infeliz, seu sorriso permanecia forte em seu rosto, como se não enxergasse seu próprio infortúnio.
— Mas desta forma você não passará por dificuldades? Ainda mais com o frio que vem fazendo ultimamente — perguntou Arthur, sinceramente.
Porém, em resposta a sua preocupação, a senhora Dolores apenas soltou uma leve risada.
— Agora que me lembro, seu nome é Arthur, certo? Sabe, você parece um bom rapaz. — Naquele momento, ela o entregou um olhar terno. — Espero que quando meus amados filhos crescerem, possam ser como você.
Abaixando seu olhar, a mulher colocou o casaco que estava em suas mãos de volta na caixa, deixando Arthur travado com o elogio repentino.
— Mas mesmo que pessoas boas como você existam, elas não são a maioria, infelizmente. Uma coisa que descobri com meus anos de vida é que o mundo é um lugar horrível — Dolores disse, uma expressão séria tomando seu rosto.
Já tendo se acostumado com o jeito sereno da mulher, a mudança de atitude dela o pegou desprevenido.
Mas logo seu sorriso voltou, ao ver o rapaz confuso, então continuou: — Por isso, tento dar o máximo de conforto para aquelas crianças. Eu desejo que elas possam crescer confortáveis e felizes.
O olhar dela se voltou para onde seus filhos brincavam. Arthur seguiu seu olhar. Inconscientemente, ele se viu naquelas crianças.
“E se pudéssemos continuar nossa vida pacífica?”, foi uma coisa que ele pensou muitas vezes nos últimos dois anos.
Repetidamente, entre sangue e suor derrubados nos treinos intensos, lágrimas rolavam de seus olhos. Não pelo esforço, mas pelo motivo de o exercer.
Nunca houve um alguém para ser seu salvador naquela situação. Mesmo Aurora apareceu quando já era tarde demais para reverter a situação. Então, ele treinou para ser isso para os outros.
“Por que me esqueci disso?”, pensou olhando para as crianças.
Agora, vendo as crianças brincarem inconscientes da crueldade do mundo, seu punho de apertou.
Seus treinos ferozes, onde a passagem do tempo era ridiculamente lenta e tediosa. As inúmeras batalhas travadas contra animais e monstros de todos os tipos, através da guilda.
Tudo isso foi para alcançar um objetivo singular: ficar forte o suficiente para derrotar o Mosteiro de Deus.
“Então, por que deixei isso de lado, enquanto me fechava em um medo inútil?”
— Mesmo que meu corpo congelasse pelo tremendo frio de Veldoren, eu não me importaria, contanto que os corações de meus filhos permanecessem aquecidos — completou a mulher.
Enquanto digiria a forte convicção da mulher, uma sensação desconhecida se instaurou no peito de Arthur.
“O que é isso? Não é como a ansiedade de mais cedo, nem como o medo de ontem… Não é ruim… Não, eu sei o que é. Eu senti isso na primeira vez em que vi minha mestra: isso é inspiração”, concluiu em sua mente.
— Seu nome é Dolores, certo? — perguntou mesmo sabendo a resposta. Sem dizer muito, se virou.
Confusa, a mulher olhou para Arthur, que se afastava lentamente no horizonte, então perguntou: — Sim, por quê?
Longe o suficiente para que sua voz se tornasse um sussurro aos ouvidos da mulher de meia-idade, ele finalizou: — Muito obrigado pelas palavras. Elas me ajudaram muito.
“De fato, agora percebo meus erros. Se não fosse por ela, quanto tempo mais eu perderia de forma tão patética?”, deu um sorriso amargo enquanto pensava.
Deixando a confusa Dolores para trás com sua encomenda, Arthur desapareceu de vez no horizonte cinzento da manhã.
— Acho que devo voltar aqui mais tarde e agradecer devidamente…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.