— Senhorita Aurora, preciso falar com você sobre algo: eu gostaria de enfrentar o Mosteiro de Deus… com você! — disse Arthur, olhando para sua mestra.

    Sua vontade era tão grande, que era possível encontrar fogo em seus olhos. E isso deixou a mulher na sua frente atordoada.

    — Hã? — A comumente estóica Aurora não pôde deixar de abrir sua boca em espanto. — O que você quer dizer com isso?

    A mudança de mentalidade do sujeito foi grande demais para um só dia, deixando ela, sua mestra que esteve com ele por mais de dois anos, sem conseguir processar a informação.

    Ao ver o estado em que deixou-a, Arthur falou novamente, um sorriso travesso pairando sobre seus lábios: — É exatamente isso que eu disse, senhorita Aurora: nós dois, juntos, vamos enfrentar o Mosteiro de Deus.

    Ao perceber a expressão alarmante do garoto, ela logo se recompôs e perguntou: — Mas o que houve para haver tal mudança? Não foi ontem que você fugiu só de ouvir o nome deles?

    O sorriso de Arthur travou, morrendo lentamente enquanto seu rosto se avermelhava como um morango. Virando a cabeça, seus olhos se desviaram dos de Aurora.

    — A-aconteceram algumas coisas… — gaguejou com vergonha. Em tom sincero, falou — Hoje, encontrei uma mulher. Seu nome era Dolores. Ela me disse algumas coisas que me fizeram repensar. Aquela mulher possuía uma personalidade forte, diga-se de passagem.

    Vendo seu discípulo agir com tamanha sinceridade, a curiosidade de Aurora se aguçou. Era raro Arthur falar sobre uma mulher, principalmente de tal forma.

    — E então, o que ela disse?

    — Ela me contou que havia gasto parte de sua economia com as minhas roupas, mas foram apenas para seus filhos. E como, mesmo que não pudesse fazer muito por eles, ainda faria o máximo que podia… 

    Ficando em silêncio, Arthur abaixou seu olhar como se ele pesasse demais. Em sua visão, apenas a espada de madeira em suas mãos era visível.

    Firmando seu aperto sobre ela, como fez por todos esses anos e lutas, voltou sua atenção mais uma vez para Aurora.

    — Eu sou forte. Percebi isso com nossa batalha simulada e também por todas as minhas lutas anteriores. Então, por ser forte, eu não deveria proteger o futuro dos mais fracos? Pelo menos é isso que Selina teria me dito…

    A memória de seus amigos de infância, e também de Selina, alguém por qual nutria muitos sentimentos, apenas fortaleceu a convicção do jovem Arthur.

    Mesmo que mal tivesse saído do casulo, ele estava disposto a vagar por todo o continente, se necessário, para eliminar o culto que tirou tanto dele.

    Mas ele não poderia fazer isso sozinho. Abrindo seus lábios finos, chamou por Aurora mais uma vez: — Por isso, eu peço que venha comigo atrás do Mosteiro de Deus.

    Sua mestra era uma figura firme em sua vida, como uma rocha, então ele esperava que ela reagisse com seriedade. Contudo, uma risada saiu da boca dela.

    Era tão baixa e sútil que nem se podia dizer que existiu, mas os ouvidos treinados de Arthur o permitiram ouvir. 

    — Arthur, mas não eu quem havia pedido isso primeiramente? Não entendo o ponto em me pedir isso — sua voz saiu com o mesmo tom frio de sempre.

    No mesmo instante em que disse isso, o rosto de Arthur se avermelhou ainda mais, finalmente atingindo o estágio de um morango maduro.

    Talvez fosse apenas impressão, mas Aurora podia jurar que havia visto fumaça saindo da cabeça dele.

    “Se ele fosse sempre assim, eu poderia o colocar em um pote”, ela pensou.

    — Lembre-se que sou sua mestra, Arthur, e é meu dever te guiar independente de onde você for — finalizou, como um último prego no caixão de Arthur.

    O mesmo, envergonhado com o tom de Aurora, virou o rosto para o lado. Mas suas orelhas ainda eram visíveis enquanto também se tornavam avermelhadas.

    Querendo quebrar o clima deprimente — apenas para ele —, Arthur lançou-se para frente, brandindo sua espada.

    De punhos vazios, Aurora soltou uma pequena risada enquanto se defendia de seu discípulo.

    — Que mal-criado — ela disse — Acho que devemos ter uma segunda rodada então.

    Dessa forma, Arthur e sua mestra lutaram por horas a fio, com ele evaporando o resto da vergonha passada com apenas uma única resolução…

    Por tudo o que perdeu e teme perder, ele daria tudo de si contra o culto.

    ×××

    O vasto horizonte era pintado de roxo e laranja conforme o sol se punha. Muitas horas já haviam se passado desde o início do treino.

    O campo de treinamento, antes tão organizado, agora estava uma bagunça completa. Os espantalhos jaziam jogados pelo lugar enquanto poeira ainda 

    Arf! Arf!

    E jazido no chão sujo do lugar, estava Arthur, ofegando como se lutasse por sua vida.

    Todo seu corpo tremia. Mais alarmante era como seus membros tinham espasmos regularmente, como se possuíssem vida própria.

    Mesmo que o jovem tentasse, não conseguia levantar seus braços que pareciam pesar uma tonelada agora. Com isso, uma onda de arrependimento veio.

    “Por que fui tão impulsivo? Não era necessário esse treino…”, pensou, pois até mesmo falar era uma tarefa árdua.

    Sua garganta gritaria se pudesse, mas estava tão seca que nada saia. No entanto, para sua graça, uma figura encorpada se aproximou dele.

    Ao ver a figura que chegava, seus olhos brilharam como estrelas. Lá estava Aurora, mas o que realmente atraiu sua atenção foi a divina garrafa d’água que trazia consigo.

    As gotas de água que escorriam por ela lhe davam uma aparência soberana, refrescando Arthur sem nem mesmo ingerir o líquido.

    — Está com sede? — perguntou a mulher.

    Sem poder responder, já que o frescor era apenas ilusório, acenou vigorosamente com a cabeça. Ele levantou seu corpo com uma força que não sabia que ainda tinha.

    No momento que Aurora o entregou a bebida, Arthur não perdeu tempo, bebendo a água em poucos segundos.

    “Céus, isso é maravilhoso…”

    Depois de beber metade da garrafa, seu olhar caiu sobre Aurora enquanto a devolvia. Mesmo que seu corpo estivesse suado, ela nem sequer ofegava.

    Era como se o treino de uma tarde inteira não fosse mais do que um aquecimento.

    “Ela é realmente um monstro. Acho que não poderia vencer ela mesmo que treinasse por cem anos. Se pelo menos eu pudesse utilizar mana…”, se lamentou.

    Mesmo após incontáveis lutas, onde usou todas as estratégias que pensou, não conseguiu vencer Aurora em nenhuma rodada. Era um golpe em seu orgulho, mas era o esperado.

    “Será que um dia serei como ela?”

    — Senhorita Aurora, o que vamos fazer agora? Já que decidimos enfrentar o Mosteiro de Deus, não deveríamos partir cedo?

    Aurora, que tomava água da mesma garrafa de Arthur, respondeu brevemente: — Não, levará alguns dias para preparar tudo para nossa partida. Veldoren é uma cidade pequena e muito isolada. Até juntarmos tudo, pelo menos uma semana já terá se passado.

    Acenando com a cabeça, Arthur despencou no chão novamente. Seu corpo parecia que entraria em colapso a qualquer momento se continuasse de pé.

    Mas para sua decepção, Aurora o chamou mais uma vez: — Arthur, vamos para a guilda. Tenho que resolver algumas coisas lá. — No momento em que finalizou sua fala, partiu por entre as árvores.

    Arthur, confuso, perguntou porquê eles deveriam ir até lá, mas sua mestra apenas o ignorou, o ouvindo ou não.

    “Por que ela ficou tão quieta de repente? Não, este é o normal dela. Era só que ela estava estranhamente comunicativa hoje…”, pensou com pesar, concluindo que a Aurora faladora era mais sensível que a verdadeira.

    Não querendo ficar para trás, ele a seguiu com o corpo rangendo a cada passo. Apenas o amargor tomou seu coração pensando em como seria doloroso o dia de amanhã.

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