RWAR!

    A grotesquidade ambulante se aproximava a passos largos de Arthur, ansioso para provar sua carne.

    Baba viscosa fluía como uma nascente de seus lábios podres com o simples pensamento de saciar-se de algo vivo, o fedor pútrido tomando a floresta.

    Não importava para ele se haviam pedras pesadas ou árvores antigas com dezenas de metros de altura em sua frente. Se elas atrapalhassem sua corrida, seriam levadas ao chão.

    Sua forma de correr, carregada não apenas pelo desejo de consumo, mas também pela fúria do ataque do caçador, era desengonçada.

    Como se não suportasse seu próprio corpo, o Lince das Neves alterado pela mana quase se rastejava, movendo-se sempre para frente.

    Arthur, que observava com interesse genuíno aquela coisa hedionda, sentiu uma pontada de decepção em seu peito.

    Talvez, em outra época, pudesse ter aproveitado o encontro para estudar a criatura, mas agora já não tinha mais tempo.

    Com sua espada em mãos, analisou o lince cuidadosamente enquanto a distância entre eles diminuía rapidamente.

    Além de seu crânio, o lince possuía buracos profundos em sua pelagem, com sua carne repulsivamente escura se projetando para fora.

    Como rachaduras em um bloco de concreto, as feridas expostas causavam fragilidade nítida. E percebendo isso, Arthur começou a pensar em algo.

    Mas enquanto ele forçava-se a criar um plano em sua mente, uma sombra imponente se projetou sobre ele. O lince estava à sua frente.

    Talvez pelo breu infinito da noite fria, Arthur não havia notado o quão distorcidos e avermelhados os olhos daquela coisa eram.

    O Lince das Neves o encarava com fome, fitando-o com os olhos como se apreciasse um prato saboroso. Mesmo que um caçador experiente, Arthur paralisou por um momento.

    Sem que pudesse notar, uma enorme garra cortou o ar em sua direção, pretendendo acabar com tudo rapidamente.

    Saindo de seu torpor, Arthur moveu sua espada, bloqueando o golpe da fera. Porém, a força por trás ainda era muito grande.

    O corpo do jovem caçador voou como uma pipa quebrada por vários metros. Durante o trajeto no ar, seu corpo se chocou com inúmeras árvores.

    Uma cortina de poeira tomou a região onde Arthur havia sido lançado, um som poderoso de choque ecoando pelo lugar.

    — Parece que alguém está muito ansioso para nossa luta… — uma voz suave, mas firme, se apoderou dos ouvidos do enorme Lince.

    Em meio aos restos de várias árvores, uma figura se ergueu de uma cratera recém formada, dando leves tapinhas em sua roupa.

    — Bom, eu também desejo acabar com isso rapidamente.

    Sem aviso prévio, Arthur se lançou para frente em busca do lince.

    Sua rápida aproximação chocou a fera, que não reagiu a tempo quando um corte profundo perfurou sua barriga.

    O prateado da espada de Arthur que buscava brilhar como uma estrela, agora se afogava em um vermelho vivo repulsivo.

    RWAAAR!

    O Lince das Neves gritou em dor pura, se contorcendo para aliviar a sensação de queimação que tomava seu corpo.

    Com movimentos fluídos, Arthur lançou mais um golpe, agora em direção a um de suas quatro patas.

    “Como não posso competir em força com você, não deveria ao menos te superar em velocidade?”

    Mais um rugido ecoou da fera enquanto ela buscava revidar os ataques. Mas seu corpo lento pouco podia fazer contra a velocidade vertiginosa de Arthur.

    Seus ataques se conectavam com fluidez praticada, semelhantes a uma dança mortal, onde um passo em falso levaria a um fim horrível.

    Contudo, Arthur ainda se permitiu perder-se em pensamentos enquanto lutava bravamente.

    “Ele parece ter experiência em lutar com seu corpo modificado. Provavelmente já faz um tempo desde que sofreu a mutação, mas isso deixa muito estranho ele só ter sido descoberto recentemente.”

    O animal não hesitava em atacar Arthur mesmo quando era atacado pela lâmina afiada do sujeito, como se não temesse pela própria vida.

    O fato impressionou o jovem, que nunca havia enfrentado algo tão disposto antes.

    “Sua resistência é impressionante. Já cortei sua barriga e pernas em inúmeras áreas, mas ainda se move com tanta vontade.”

    A luta prosseguiu, a sensação de tempo se esvaindo a cada golpe e contragolpe.

    Com o tempo, o branco da neve se transformou em um mar vermelho e lamacento, onde cada passo provocava respingos.

    A pelagem do lince também se alterou conforme a luta prosseguia, se sujando de terra e sangue, mas o pior fora seus membros.

    Diversas fraturas e cortes profundos rasgavam sua pele, causando dor infinita na criatura. Suas patas eram, agora, eram só um resquício do que já foram um dia.

    Porém, Arthur também não saiu ileso.

    Bloqueando mais um ataque da criatura, ele levantou uma cortina de poeira, e se aproveitando disso, correu por entre as árvores, se escondendo embaixo de uma pedra.

    Após confirmar que o Lince das Neves ainda o procurava, Arthur retirou parte do casaco preto que usava, que mais se assemelhava a trapos agora.

    Felizmente, não havia sofrido nenhum dano sério, além de pequenos arranhões e hematomas, mas seu corpo ainda sentia o cansaço da batalha intensa.

    Sentado no chão de neve fofa, aproveitou para descansar um pouco, sempre atento ao lince que ainda o procurava.

    Contudo, graças a densidade exuberante da floresta nevada, o monstro parecia ter dificuldade em encontrar Arthur.

    Enquanto relaxava seu corpo exausto contra a pedra fria, muitos pensamentos correram por sua mente.

    “É uma sorte que a mutação por mana tenha diminuído a velocidade do Lince das Neves, além de seu estado enfurecido também ajudar, senão eu estaria encrencado.”

    Um suspiro escapou de seus lábios finos com o pensamento.

    “Mas, com o seu estado atual, eu tenho chances de vencer contra ele”, concluiu em sua mente.

    Arthur sempre se orgulhou de sua velocidade e força, ficando atrás apenas de Aurora. Então, estava confiante que poderia lidar com o Lince que atacava cegamente.

    “Quando essa luta terminar, então eu poderei partir junto de Aurora e lutar contra o culto. Sim, eu devo vencer essa luta para provar que estou pronto.”

    Tão focado em seus pensamentos, o jovem não notou o silêncio ensurdecedor que cobriu toda a floresta.

    “Mas… eu tenho a capacidade de enfrentar o culto?”

    Uma sombra distorcida e horrível se projetou sobre Arthur, engolindo-o.

    O rugido da fera despertou o jovem de seus pensamentos, mas ainda não conseguiu reagir rápido a tempo quando um golpe pesado o acertou.

    RWAAR!

    Uma dor lancinante infestou o braço do rapaz enquanto seu corpo caía contra o chão.

    Diferente das vezes anteriores onde fora arremessado, Arthur não se levantou imediatamente. Pelo contrário, permaneceu caído na neve.

    Seu olhar distante encarava o pouco do céu noturno visível através das copas das árvores.

    Pontos pálidos cobriam o vazio do cosmos. A luz deles era tão forte que, mesmo do outro lado do universo, ainda podiam o iluminar.

    “Um dia… será que poderei fazer minha espada brilhar como as estrelas?”

    Afogado em devaneios sem fim, seus olhos buscaram o Lince das Neves.

    Ele se aproximava lentamente, como se já soubesse que a luta estava chegando ao fim.

    Arthur não poderia julgá-lo por esse pensamento, visto que foi acertado por descuido próprio.

    Mas ele não poderia desistir da luta alí. Se fizesse isso, a morte seria o pior dos problemas.

    Pensamentos sobre como sua mestra reagiria a sua falha tomavam sua cabeça, quase o enlouquecendo.

    Mais uma vez, se levantou, mas agora para não cair mais.

    No entanto, quando seus dedos finos buscaram o cabo de sua espada caída no chão, uma dor feroz tomou seu antebraço.

    O observando, Arthur percebeu que ele se curvava em um ângulo estranho, naturalmente impossível.

    Então, a percepção tomou-o: seu braço havia se quebrado no impacto.

    Seu rosto se fechou em uma carranca feia enquanto sentia a dor queimando seus ossos.

    Virando-se para a monstruosidade ambulante à sua frente, ele notou que ela havia parado de andar, focando seus olhos vermelhos nele.

    Era como se esperasse pelo próximo passo de Arthur, talvez tendo ganhado experiência com a luta dura entre eles.

    — Você é muito inteligente… Acho que não posso hesitar mais.

    Arthur trocou a espada de mãos, a segurando com sua esquerda. Não era seu braço dominante, mas teria que servir.

    Com um aperto firme, a posicionou em frente ao seu corpo. De forma sútil, uma pequena luz começou a se espalhar pelo fio da lâmina.

    — Não gosto de usar isso, mas acho que não tenho outra escolha agora.

    A luz pura que brilhava em um branco belo tomou completamente a espada.

    Não era tão intensa, sendo apenas um sussurro de algo mais, mas era tudo o que ele tinha.

    — Revestimento de Mana… — sua voz escapou de seus lábios franzidos.

    O Revestimento de Mana era a técnica que utilizava a mana como revestimento para armas e objetos.

    Ela poderia aumentar a resistência e força de algo, por isso era considerada uma técnica essencial para qualquer espadachim.

    Mas havia um sério problema…

    “Não posso controlar minha mana, então a penalidade da habilidade é muito dura. Bom, o que deve ser, será”, se resignou em sua mente.

    O Lince das Neves, notando a força poderosa que se apoderava de sua espada, sentiu o desespero de agir.

    Com a força que suas pernas machucadas permitiam, correu até Arthur com ódio fervente em seus olhos.

    Um pequeno sorriso tomou o rosto de Arthur quando observou a movimentação do animal.

    Aquele seria mais um confronto direto. E o último deles.

    “Posso não brilhar como uma estrela agora, mas um dia, e tenho certeza disso, extinguirei a escuridão de todo o mundo!”

    Suas pernas se firmaram no chão, e com um movimento, ele partiu como um raio em direção ao enorme lince.

    O pescoço do animal era largo, talvez mais grosso que um tronco de árvore, mas isso pouco importou para Arthur.

    Enquanto o lince preparava sua mandíbula em um tentativa de mastigar o caçador resiliente, um forte clarão explodiu quando a lâmina de Arthur encontrou seu pescoço.

    BOOM!

    Como se o dia houvesse clareado, a floresta se iluminou intensamente com um barulho ensurdecedor.

    O choque do impacto destruiu árvores e evaporou pedras, criando uma cratera de dimensões impressionantes no lugar.

    Arthur pousou segundos depois de desferir o ataque, caindo no chão enquanto agarrava seu braço. Um gemido de dor saiu de sua boca.

    Seu braço esquerdo, como um espelho de seu direito, também estava virado em uma direção estranha, mas ainda mais destruído.

    Carne exposta apareceu em seu braço conforme um cheiro de queimado tomava suas narinas. Contudo, seu estado ainda era melhor que o do Lince das Neves.

    A enorme criatura, que poderia causar temor até mesmo em um bárbaro, se manteve de pé em absoluto silêncio.

    Não havia mais grunhidos, rugidos ou olhares assassinos, apenas um silêncio mórbido pairando no ar.

    Mas embora a criatura se mantivesse de pé, Arthur não demonstrou preocupação, pois ao seu lado, uma massa de carne estava caída.

    Aquela era a cabeça do horrível Lince das Neves — pelo menos o que havia sobrado dela.

    Pow!

    Um baque soou quando o pesado corpo do lince caiu no chão, sangue jorrando de seu pescoço rasgado.

    Fuah!

    Arthur soltou um suspiro pesado, segurando o grito que queria dar pela dor infernal em seus braços. Seria ruim se algum animal fosse atraído para lá.

    “Se bem que aquela explosão deve ter causado uma confusão enorme… Tanto faz, eu só quero descansar. Mas antes disso…”

    Quase caiu ao tentar se levantar sem usar suas mãos para se apoiar, mas conseguiu ficar em pé.

    Com passos cautelosos, ainda temendo que o Lince das Neves pudesse se levantar mais uma vez, se aproximou do corpo dele.

    “Agora, o que eu faço com você?”

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