Uma multidão enorme de pessoas se formou nas portas de uma antiga pousada em Veldoren.

    — É ele alí? — um transeunte perguntou animadamente, se esgueirando sorrateiramente entre os corpos de outras pessoas.

    — Ei, cuidado! Para de empurrar — gritou outro.

    Mais e mais pessoas se reuniam no lugar, algumas até mesmo olhando pelas janelas. Os olhos dos cidadãos brilhavam fortemente em ânimo e surpresa. E no centro de toda a atenção, estava um homem.

    Ele vestia uma elegante armadura preta com uma chamativa capa vermelha, como os heróis contados em contos antigos. Mas mesmo com toda a atenção, ele se manteve quieto.

    À sua frente, uma tigela de sopa fumegante estava disposta na mesa. Ocasionalmente, ele colocava algumas colheradas em sua boca, aproveitando a refeição.

    Seus movimentos carregavam cuidado calculado, portando-se com elegância contraditória ao ambiente inquieto. Finalmente, após dar sua última colherada, ele se levantou.

    O povo assistia a cada passo seu com afinco, como se observassem o espetáculo de suas vidas, enquanto ele se movia até o balcão.

    — Aqui está o dinheiro da comida, ela estava excelente — sua voz ecoou pesadamente pela pousada com suavidade impressionante para sua aparência forte.

    As jovens mulheres que o apreciavam, deleitavam-se com fantasias sobre o cavaleiro. Obviamente, parte disso se devia a sua boa aparência.

    Seus cabelos loiros desciam pelas laterais de seu maxilar bem definido, emoldurando seu rosto de traços delicados. Os lábios rosados do sujeito faziam os corações das jovens errarem a batida.

    Até homens sentiam seus corações tremerem com a boa aparência do rapaz, sua pele sedosa brilhando em tom sobrenatural.

    Mesmo seus olhos castanhos como mel possuíam uma gentileza natural, adicionando certo charme inocente nele. De fato, ele era o galã dos sonhos.

    — S-sim, senhor! Muito obrigado pela preferência! — respondeu o experiente balconista como se fosse um novato.

    Durante seu caminho para o segundo andar da pousada, os murmúrios sobre o cavaleiro de armadura se intensificaram ainda mais.

    — Você viu? Esse jeito, essa aparência, tenho certeza de que o rapaz é um nobre!

    — Nobre? Dúvido. Não há porque um nobre aparecer em nossa cidade.

    Dois homens de meia idade se envolveram em uma discussão sobre a origem do rapaz, mas nenhum deles chegou em uma conclusão satisfatória.

    — Mas há um motivo para ele estar aqui. — Um terceiro sujeito apareceu, interrompendo a discussão dos dois. — Não ouviram o que ele disse mais cedo? Ele foi enviado para anunciar a chegada deles!

    Mesmo que o sujeito não tivesse pronunciado um nome, todos os presentes naquele emaranhado humano sabiam de quem ele falava.

    A Caravana Comercial de Trown!

    Como ele havia dito, a pouco tempo atrás, o homem chegou montado em seu cavalo, passando pelos portões da cidade enquanto atraia o olhar do público.

    Com voz suave, ele avisou àqueles presentes da chegada da caravana de comerciantes. O resultado disso foi uma avalanche de pessoas nas ruas.

    Os trabalhadores pediram folga de seus trabalhos, apenas para aproveitar aquele evento tão aguardado.

    — É mesmo? Agora entendo a comoção da cidade. — Os dois homens acenaram com a cabeça em concordância.

    Quando o cavaleiro desapareceu pela escada do segundo andar, a multidão começou a se dispersar. Embora alguns bufos de decepção das mulheres pudessem ser ouvidos, isso não durou muito.

    Segundo o cavaleiro, a caravana chegaria em poucas horas. E mesmo que algumas pessoas tivessem ido para suas casas, o dobro fez o caminho oposto.

    Em marcha, eles se moveram até os portões da cidade com ânimo pouco visto naquela região. Tão forte foram seus passos apressados, que a poeira levantou no ar.

    — Nossa, é sempre tão animado assim? — um jovem rapaz perguntou, impressionado. — Eu moro aqui há anos, e nunca tinha percebido isso.

    Sentado em um banco da praça ao lado, ele observava a população se reunir em volta do portão como abelhas rodeando uma flor.

    — É claro que sim, Arthur! — disse uma garota ruiva gesticulando com as mãos. — Isso só acontece duas vezes no ano, então é um momento muito aguardado.

    — Eu tinha ouvido falar que era realmente movimentado, mas como sempre passei esses dias em minha oficina, pensei que fossem só exageros.

    — Mas não é! — Os olhos da mulher brilhavam conforme explicava o evento para Arthur.

    Histórias sobre lojas de jogos, comidas exóticas e até mesmo itens do dia-a-dia atraíram Arthur, que olhava atentamente para a mulher. Na verdade, não era pelas histórias que ele a encarava.

    — Lya, acho que você está se empolgando demais com as comidas — disse, sorrindo enquanto observava a saliva escorrendo pelas laterais da boca da mulher.

    — O-o quê!?

    Rapidamente, ela se limpou desesperadamente, suas orelhas brilhando em vermelho. O sorriso no rosto do rapaz se intensificou com os gestos exagerados de Lya.

    — Prestem atenção, eles podem chegar a qualquer momento — uma voz clara os interrompeu.

    Arthur virou sua cabeça, encontrando Aurora sentada ao seu lado com uma postura exemplar. Era impressionante como ela mantinha a coluna reta enquanto olhava para os portões.

    Seguindo o olhar dela, tanto Arthur quanto Lya se viraram para frente. O público falava alto demais para ouvir qualquer coisa com clareza.

    Mas mesmo com tanto ânimo, minutos se passaram e nenhuma nada apareceu de lá. Vendo isso, Arthur bufou, chateado.

    — Quando eles vão chegar? Já estamos aqui desde que aquele cara chegou na cidade, e nada até agora…

    — Tenha calma, Arthur, ainda podem levar algumas horas.

    — Horas? Meu Deus, eu deveria ter ficado na minha oficina.

    Aurora desviou seu olhar para seu discípulo, que parecia derreter no banco em tédio. Mesmo Lya, sempre tão serena, parecia cansada.

    — Então vamos aproveitar nosso tempo e repassar o plano inicial mais uma vez.

    Arthur e Aurora expressaram seu descontentamento com bufos e reações exageradas, afinal, já haviam feito aquilo a semana inteira.

    Mas mesmo que quisessem reclamar, o olhar afiado da mulher de aparência imponente os deixou quietos. Aproveitando do silêncio deles, Aurora continuou.

    — A caravana ficará em Veldoren por apenas três dias. Como não temos certeza sobre seus números e a disposição das carruagens, usaremos os dois primeiros dias para analisá-los.

    O foco da dupla estava inteiramente nela, absortos em suas palavras. Mesmo o tédio não era páreo para o jeito requintado e chamativo de Aurora.

    — Com as informações coletadas, invadiremos uma das carruagens e iremos até a cidade de Brumere, o próximo ponto da Caravana Comercial de Town.

    O plano era simples, talvez até demais, mas a falta de informações prévias atrapalhou a criação de algo mais complexo.

    Por conta disso, muitas falhas poderiam surgir e dificultar o plano, mas Aurora tinha uma contramedida para essas situações.

    — Lya servirá como distração durante a nossa investida ao estabelecer certo caos durante o festival.

    — Aurora, eu realmente não me sinto confortável fazendo isso… — disse a garota, relutantemente.

    Arthur, que estava ao seu lado, acenou com a cabeça. De fato, Lya sempre agiu como uma boa moça; confusão simplesmente não era com ela.

    — Senhorita Aurora, não há mais nada que ela possa fazer? — ele perguntou.

    — Não. Ela não teria nenhuma utilidade fora isso.

    — O quê!? — O tom ríspido atraiu Lya, que a encarou chocada com a falta de educação. — Vo-você não po-pode dizer algo assim!

    A ruiva gaguejava em busca de formar palavras coerentes, mas nada lógico saia de sua boca aberta até o queixo. A pouca vergonha de Aurora era demais para ela.

    Arthur, a única barreira física que separava as duas mulheres, se manteve tão quieto que mesmo seus batimentos cardíacos diminuíram, buscando se esconder da vista de ambas.

    Mas quando Lya tentou partir para cima de Aurora, ele decidiu intervir. Mesmo que ela não pudesse machucar sua mestra, ele não queria que elas brigassem.

    — Tudo bem, tudo bem. Vamos parar por aqui, não? — disse nervosamente, segurando Lya pelos braços.

    — Mas eu não disse nenhuma mentira — sua mestra falou, lançando mais lenha na fogueira que era Lya.

    — Sua, sua…

    Colocando Lya de volta em seu lugar, Arthur pensou em uma forma de a acalmar. Para sua sorte, ele tinha um plano perfeito.

    Primeiro, ele colocou a mão na cabeça quente da mulher, a paralisando imediatamente.

    — Arthur, o que você está fazendo? — sua mestra perguntou de lado, mas ele a ignorou.

    Lya, que o encarava com olhos esbugalhados, parecia querer dizer algo, mas estava perturbada demais para conseguir falar. Aproveitando isso, ele continuou com seu plano.

    — Lya, eu vou te comprar muitos doces e guloseimas, pode ser? Então, vamos deixar isso de lado.

    “Bom, meu plano é só encher ela de comida; barriga cheia, mente vazia”, pensou Arthur.

    A mulher pareceu surpresa com a tentativa dele, pronta para o julgar pelo seu jeito infantil de pensar, mas logo trocou de ideia.

    A caravana estava chegando com muitas comidas de outros lugares — comidas que ela nunca poderia comer em outras situações.

    — Tudo bem então, vou cobrar isso de você mais tarde — bufou com falsidade, já pensando no que escolher.

    “Eu acho que realmente sou um gênio”, concluiu Arthur com o êxito de seu truque..

    — Eles chegaram. — A voz de Aurora os acordou de sua conversa.

    Arthur e Lya voltaram sua atenção para os portões da cidade imediatamente. Como se olhassem para o evento de suas vidas, seus olhos brilhavam de interesse.

    — Saiam da frente, deixem-me ver! — a população gritava alto, suas vozes ecoando em desespero.

    Empurrões entre as pessoas liberavam pequenas janelas por onde era possível ver uma enorme comitiva de carruagens marchando em ordem.

    — Isso é espetacular… — um balbucio solto escapou pela boca de Arthur, caindo nos ouvidos moucos de Lya, que observava tudo com igual admiração.

    Os olhos azuis de Arthur tentavam capturar tudo o que via, desde as carruagens com madeiras negras e revestimentos em vermelho.

    Fios dourados de ouro reluziam das paredes externas dos veículos, iluminando os arredores como lâmpadas. Arthur nunca soube que as carruagens eram tão luxuosas.

    “Talvez eu devesse ter saído mais nos últimos festivais…”, restou a ele apenas se resignar com suas decisões passadas.

    Contudo, enquanto analisava minuciosamente a caravana, tomando notas mentais sobre a qualidade dela, algo chamou sua atenção. Mais especificamente, uma figura.

    Ela se movia solitariamente à frente das carruagens em um cavalo, ditando o ritmo que elas tomavam como um pastor controlando um rebanho de ovelhas.

    Junto do relinchar audível do animal, a figura gesticulava para que os cidadãos abrissem espaço, um som metálico ecoando a cada vez que as placas de sua armadura negra se mexiam.

    Arthur logo notou que a armadura que o suposto cavaleiro usava era semelhante a do rapaz de mais cedo na pousada.

    Mas o que mais chamou a atenção dele foi a enorme espada que a figura carregava em suas costas, ainda maior que ela mesma.

    Sempre que algum infeliz se aproximava demais, os olhos ferozes, visíveis apenas pela pequena fresta em seu capacete, os encaravam.

    — Tomem cuidado, nosso plano pode sofrer mudanças drásticas — a voz de sua mestra soou atrás dele enquanto ela também observava a figura.

    Mas mesmo sem o aviso de sua mestra, Arthur já havia percebido que…

    “Ele é forte… muito forte.”

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