Capítulo 16 — A Lua Carmesim (2)
Sob a luz resplandecente carmesim, a vegetação, tomada por uma estranha calmaria, era um retrato do horror que se entranhava nos ossos de Leonard. O espectro à sua frente parecia cada vez mais deslocado do mundo. O golpe, que deveria ao menos abrir uma brecha em sua constituição óssea, apenas fez um corte superficial em suas vestes, como se a lâmina houvesse deslizado sobre a memória de um corpo que já não existia.
A ausência de sombra do esqueleto era uma afronta ao próprio senso de realidade de Leonard, um enigma que zunia em sua mente como um sino rachado.
“Tem algo de errado… Ele não projeta sombra… Mas faz algum sentido neste inferno?”
Os fios fantasmagóricos dançavam em torno dele, sinuosos e traiçoeiros como serpentes sussurrantes. Cada um era um fragmento de destino, um eco de possibilidades desvanecidas. E todos apontavam para um fim inevitável.
“Esses malditos fios estão por toda parte. Minha cabeça está saturada de visões que não entendo. Isso não tem como parar? Como diabos vou me concentrar?”
Uma sensação rastejou por sua espinha — pressentimento ou simples desespero? — mas ele não teve tempo para considerar. A foice veio outra vez, zumbindo como o sussurro da morte. Seu sangue, espesso e quente, endurecia sobre os farrapos que ainda ousava chamar de roupa, transformando-os em uma carapaça áspera e inútil.
Com ambas as mãos no cabo da espada, Leonard tentou desviar o golpe, mas seu ombro direito falhou. O equilíbrio se desfez. O movimento que deveria salvá-lo se tornou um convite para a lâmina do espectro.
A foice girou e cravou-se no ombro já ferido, rasgando músculo e tendão com uma precisão cruel. O sangue esguichou em ondas rubras. Leonard quis gritar, mas não encontrou fôlego. Sua respiração era um incêndio dentro de si, cada passo um novo aviso de que poderia simplesmente desabar e morrer ali mesmo.
“Merda, merda, merda. Pense, Leonard, pense.”
O céu estalou com um relâmpago, iluminando tudo em um clarão brutal. A chuva vinha, se arrastando do mesmo lado em que se erguia a velha árvore anciã. Sua única chance. Se tivesse tempo para alcançá-la.
Ele tossiu, uma mistura horrenda de sangue e lodo negro escorrendo de sua boca em golfadas pegajosas. Algo dentro dele se espalhava como uma praga. E aquilo não poderia significar nada de bom.
Antes que pudesse reagir, outro espectro emergiu das sombras. Frio e silencioso como um carrasco, enfiou uma espada em suas costas. A dor lhe roubou o ar, e Leonard caiu. Por mero capricho do destino, não foi decapitado pela foice que veio logo atrás—ela passou rente, cortando apenas uma mecha de seu cabelo.
Aquela chama dentro dele, que queimava contra o frio e a escuridão, tremulava agora. Havia medo nela. Como se algo estivesse errado. Como se algo que não deveria estar acontecendo estivesse se desenrolando diante de seus olhos.
“Aí está a espada, merda!”
O espectro retirou a lâmina de suas costas, e Leonard aproveitou a mínima janela de oportunidade para rolar para o lado, escapando do golpe seguinte que teria lhe partido ao meio. A lua carmesim brilhava com intensidade crescente, sussurrando um aviso em sua luz inquietante.
Foi então que percebeu. Não eram apenas dois espectros. Eram três. E um deles, à distância, já esticava o arco recurvo, pronto para disparar.
Ele agiu tarde demais.
A flecha partiu e se cravou fundo em seu olho direito. A dor explodiu em sua cabeça, um clarão branco que se estilhaçou em mil fragmentos escuros. Ele quis gritar. Seu corpo exigia um urro de angústia. Mas nenhum som saiu.
Cambaleando, viu a espada avançando contra seu pescoço em um movimento certeiro, frio, definitivo. Seu único reflexo foi girar o corpo para evitar o golpe. Cego de um olho, Leonard encontrou finalmente o fôlego para gritar. Mas não gritou.
Se engolfou na dor, calado. O sangue escorria de cada extremidade de seu corpo.
Os trovões soavam ao longe, ecos de uma tempestade que já não fazia sentido. Havia três inimigos, mas ele se lembrava de apenas um. A mente vacilava. As sombras se multiplicavam.
“Nada que está ruim não pode piorar… Pense, Leonard! Pense, porra!”
O lodo negro escorria da ferida ocular, espesso como piche, traçando sulcos sombrios pelo rosto pálido de Leonard. O gosto ferroso do sangue misturava-se ao amargor da substância viscosa, colando-se à sua língua como um presságio de morte.
Ele não entendia por que ainda estava vivo. O destino, talvez, decidira prolongar sua agonia — ou brincar cruelmente com suas esperanças antes de extingui-las por completo.
Não houve tempo para reagir. O espectro da foice moveu-se com a precisão inevitável da morte. O golpe cortou o mundo ao meio, e por um breve instante, tudo se resumiu a uma única batida surda. Quando Leonard se deu conta, estava no chão.
Metade de seu corpo repousava a um metro de distância, os músculos ainda contraídos pelo choque. Mas a dor… A dor era absoluta. Era tudo. Um oceano negro e sem fundo no qual ele se afogava sem sequer poder gritar.
A consciência oscilava como a chama de uma vela sob um vento cruel. Cada despertar era uma nova tortura, um renascer apenas para morrer de novo. Mas a morte não vinha.
Os espectros se reuniam em torno dele, um círculo de formas translúcidas e olhos vazios que refletiam um nada absoluto. Outros se juntavam a eles, surgindo das sombras, vindos de todos os lugares e de lugar nenhum. Mas nenhum desferia o golpe final.
Eles apenas esperavam.
O lodo negro misturava-se ao sangue, espalhando-se pelo solo encharcado, tingindo de morte as pétalas das azaleias. As flores, tão frágeis, encolhiam-se e se desfaziam sob o toque corruptor daquela substância impura.
E então, a lua.
Não era uma luz comum. Ela o encarava como um juiz silencioso, fria e inexorável. Um arrepio percorreu sua espinha quando compreendeu.
Eles estavam ali porque ele os chamara.
Cada um daqueles espectros, cada uma daquelas almas torturadas… eram ecos de seu passado, sombras de algo que Leonard havia feito — ou algo que havia sido feito através dele.
A chuva que caíra antes, o lamento que ele ouvira sem compreender… era o choro dessas almas.
Ele foi o carrasco.
Mas não apenas ele.
A chama que teimosamente o mantinha vivo, que queimava dentro de seu peito apesar de toda a dor, era o verdadeiro motivo.
Então, o trovão rugiu, rasgando o céu como um grito dos próprios deuses. As flores despedaçaram-se ao vento, arrancadas como memórias esquecidas.
O som cacofônico encheu seus ouvidos, um coro de vozes e lamentos, um chamado que se intensificava até se tornar insuportável.
E foi quando Leonard viu a lâmina.
A espada descia, afiada e inevitável, buscando seu olho esquerdo, seu cérebro, sua alma.
Não houve tempo para resistência.
A lâmina tocou sua pele.
E então… tudo se apagou.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.