Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura:
Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!
Capítulo 17 — Príncipe dos Caídos
…
A luz da manhã filtrava-se preguiçosamente pelas cortinas negras, tingindo o aposento de um dourado crepuscular. No vasto dormitório real, cada detalhe falava de luxo e poder: a cabeceira esculpida reluzia sob a iluminação vacilante do lustre angelical, poltronas e sofás de veludo pareciam ter sido criados não para o conforto, mas para a ostentação. O espelho à frente refletia um homem de semblante tranquilo, cujo rosto pálido e de olhos cinzentos continha uma beleza severa, quase cruel. Seu sorriso era leve, mas vazio.
Calius Von Gervain, segundo na linha de sucessão ao trono do Império de Eldor, deslizou os pés nus sobre o carpete cinza, sentindo o calor reconfortante da trama espessa. Vestia apenas uma camisa de linho branca e um short negro. No reflexo, via não apenas um homem, mas um símbolo — uma personificação da linhagem imperial, alguém que deveria inspirar tanto respeito quanto temor. Mas nada disso lhe trazia contentamento.
Uma movimentação sutil chamou-lhe a atenção. Uma serviçal postava-se hesitante na entrada, como se sua mera presença já fosse um insulto à realeza. Seu olhar baixava-se instintivamente ao chão, a voz saindo como um murmúrio cerimonioso:
— Vossa Alteza Calius, amado pelo império e príncipe dos príncipes, reflexo vivo do Imperador Johann Von Gervain, o sol de toda a nação. No baile desta noite, vossa alteza reencontrará sua prometida, Lady Asher Greyfull, filha do Duque de Newham.
Calius suspirou, deixando a cabeça pender levemente para o lado.
— Se assim deseja o imperador, nada há a ser feito. — Deu de ombros, indiferente, sinalizando para as serviçais prosseguirem com seu dever.
Sem contestação, as criadas aproximaram-se, retirando suas vestes com a precisão e frieza de quem já executara aquele ritual mil vezes. Indiferentes à nudez do príncipe, guiaram-no até a banheira de mármore branco, onde a água quente estava perfumada com essências raras. Ao afundar-se na espuma, Calius sentiu a tensão escorrer por seu corpo, mas sua mente permanecia afiada, girando em círculos viciosos.
“Se não fosse aquele estúpido Richard… tudo seria mais fácil.”
Seu irmão mais velho, o herdeiro legítimo, sempre fora um obstáculo. Uma muralha intransponível entre ele e a coroa. Mas resignação era a virtude dos que aceitavam seu papel, e Calius nunca fora um homem virtuoso.
Após o banho, já vestido e preparado, ele permaneceu sozinho em seu quarto, esparramado sobre uma poltrona cor de vinho. O lustre acima brilhava como um firmamento opressor. Hoje completava vinte e um anos. Uma idade que, para os comuns, significava a transição para a vida adulta. Para ele, nada mais era do que mais um dia no teatro da sucessão imperial.
— Entediante… — Sua voz saiu rouca, como se as próprias palavras lutassem para serem ditas.
Três batidas na porta interromperam seus pensamentos. Uma voz sem rosto anunciou:
— Vossa Alteza, o oráculo veio visitá-lo.
Calius ergueu uma sobrancelha, intrigado. Ajustou-se na poltrona, apoiando os pés sobre o baú ao pé da cama, e respondeu após uma breve pausa:
— Deixe-o entrar.
A porta rangeu suavemente ao se abrir.
Primeiro, surgiu uma criada esguia, o branco de suas vestes fazendo-a parecer um espectro deslizando pela penumbra. Seus passos eram leves, cuidadosos, como se temesse perturbar a poeira que repousava no ar. Atrás dela, envolto em um manto azul-escuro, surgiu um homem cuja presença era tão discreta quanto inevitável. O capuz projetava sombras sobre seu rosto, mas não o suficiente para ocultar os cabelos dourados, presos em um coque meticuloso.
Os olhos, porém, eram inconfundíveis. Verdes, profundos, como caramelo derretido sob a luz das velas. Havia algo inquietante neles — o brilho de quem enxerga além do véu do presente, carregando nos ombros um fardo de verdades que ninguém pediu para ouvir.
Cedric Greyfull. O oráculo da corte. O irmão mais velho de Asher.
E, na medida do possível, dentro daquelas muralhas sufocantes, um amigo.
— Quanto tempo, Calli. — Sua voz carregava um tom brincalhão, mas não perdeu a solenidade devida.
Calius, ainda esparramado na poltrona, revirou os olhos.
— Já lhe disse para não me chamar assim.
Cedric riu, deslizando para dentro do cômodo com a naturalidade de quem já conhecia cada centímetro dele. Sentou-se sem cerimônia na poltrona oposta, cruzando uma perna sobre a outra. O brilho zombeteiro em seu olhar contrastava com a exaustão gravada nas linhas sutis de seu rosto.
— Sua cara sempre vale o risco.
O silêncio que se seguiu foi breve, mas carregado. Calius o estudou por um momento antes de falar.
— Você parece cansado. — Cedric suspirou, recostando-se.
— Tenho ganhado fama ultimamente. Essas malditas visões… Todos querem respostas, mas ninguém quer as perguntas que as acompanham.
— E por que simplesmente não ignora?
— Se fosse tão simples, meu tormento já teria acabado.
Lá fora, o barulho distante de rodas sobre pedra cortou a quietude do quarto. Calius desviou o olhar para a janela, observando a carruagem adornada em ouro atravessar os portões. O brasão dos Greyfull reluzia sob a luz da manhã, uma lembrança inegável do que estava por vir.
— Parece que sua irmã e seus pais finalmente chegaram. — Cedric não precisou olhar para saber.
— Hoje é o dia do seu pedido, não é?
— Assim foi decidido pelo imperador. Nada há a fazer, senão aceitar.
As palavras saíram sem peso, como se já tivessem sido repetidas inúmeras vezes. Cedric o observou em silêncio, esperando.
— Pelo menos não casei tão cedo quanto Richard. A esposa dele… Como era o nome mesmo?
— Iris Raylegh. A futura imperatriz. A mulher que você certa vez chamou de estranha — disse Calius enquanto soltava um riso breve, sem humor.
— Talvez eu estivesse certo. Para eles, sou apenas o príncipe louco, afinal. Dizem que perdi a sanidade há muito tempo.
Cedric inclinou-se para frente, os olhos verdes cravando-se nos seus.
— Suas visões me dizem o contrário. Sua presença é um ponto de convergência. Seu destino é maior do que imagina.
Calius ergueu uma sobrancelha, descrente.
— Você me faria um imperador, mas esse não é meu papel. Richard reinará, e eu serei um mero espectador.
Cedric sorriu, malicioso. — Isso é algo que um louco diria.
— Então talvez sejamos todos loucos. — Calius deu de ombros.
O silêncio que veio depois não era desconfortável. E, no momento seguinte, ambos começaram a rir.
— Isso tinha que vir de você! — Cedric balançou a cabeça, pegando a taça de vinho que Calius lhe estendia.
Brindaram sem palavras. O vinho desceu quente, queimando a garganta como um lembrete de que, pelo menos por aquela noite, ainda eram jovens. Ainda podiam se dar ao luxo de rir. Mas, como tudo na corte, esse luxo era passageiro.
O tempo voou, e logo Cedric se levantou, esticando os ombros.
— Te vejo no baile.
— Sim… tenho algo a fazer antes.
Cedric assentiu e saiu, fechando a porta atrás de si.
Calius permaneceu sentado, imóvel. O silêncio se instalou novamente, mas desta vez pesava mais. Não era apenas a ausência de som — era a ausência de significado.
A solidão envolvia seus ombros como um manto invisível. A solidão de um príncipe sem propósito.
A solidão de um homem que, no fundo, sabia que era fraco.
Bom dia, próximo capítulo na terça!
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