Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura:
Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!
Capítulo 2 — Livro Estranho
Na pequena sala mal iluminada, Leonard, sentado em uma velha banqueta de madeira, inspecionava o estado de cada um dos exemplares entregues na última remessa. No teto, um pequeno painel plafon de LED era a única coisa que brilhava no cômodo abarrotado de pilhas e mais pilhas de livros.
— Tô vendo que hoje será um longo dia… Por que vêm tantos de uma só vez? Eles podiam buscar aos poucos… — murmurou.
O cheiro característico das páginas amarelas e brancas impregnava o ambiente, transmitindo uma nostalgia agradável, mas também um odor que o fazia ter dores de cabeça. Dentre os exemplares, reconheceu alguns clássicos canadenses, como O Desgarrado e Brian, o Caçador Solitário.
“Bons livros.”
Ao avaliar o estado de cada livro, suas mãos tocaram em um livro muito familiar. O Processo, de Franz Kafka, em péssimas condições, mas o maldito livro despertava árduas lembranças.
— Por que esse livro sempre me lembra dela? — disse baixo, enquanto se recordava de Sophie, sua mãe, e a pessoa que mais adorou essa obra, até onde sabia.
Leonard jogou o livro em outra pilha, àquela reservada aos livros que haviam passado na verificação, e continuou com os próximos exemplares. Perto dos últimos exemplares, ele encontrou um pequeno volume encadernado. Era discreto, mas sua aparência o diferenciava dos demais.
— Hum?
A capa e a contracapa eram de couro preto envelhecido, sem título, sem autor, sem qualquer vestígio de origem. Deslizando os dedos sobre a superfície áspera e marcada pelo tempo, sentiu uma leve resistência, como se a pele do livro respirasse sob seu toque.
Uma sensação desconfortável rastejou pela espinha.
— O que é isso? — murmurou, sem esperar resposta.
O livro parecia pulsar em suas mãos. Não literalmente — ou talvez, sim, em um nível que ele não compreendia. Era uma intuição irracional, algo primitivo e profundo, como o pressentimento de que se está sendo observado na penumbra. Com hesitação, Leonard o abriu.
As páginas eram antigas, amareladas e manchadas pelo tempo, mas estavam vazias. Virou uma, depois outra. Nada. Nenhum sinal de tinta, nenhuma palavra esquecida, apenas o silêncio impresso no papel. Até que, ao chegar à penúltima folha, algo tingido de vermelho manchava a última página.
Ele arregalou os olhos.
“Mas que porra é essa?”
O símbolo ali desenhado parecia pertencer a algo que jamais deveria ter sido registrado. Era um emaranhado de curvas e ângulos impossíveis, como se cada traço negasse as leis da geometria. No centro, algo que era, ao mesmo tempo, um olho e uma espiral, expandia-se para o infinito. Em torno dele, quatro figuras pontiagudas — lâminas, setas, garras — apontavam para os quatro pontos cardeais, como se estivessem aprisionando ou libertando algo.
Leonard não sabia dizer se aquilo lhe causava fascínio ou repulsa.
— Isso é tão… lindo? — Sua voz vacilou no absurdo, sentimentos contraditórios, mas que se uniam diante daquela vista.
Havia uma beleza terrível naquela imagem. O traçado, a precisão, os detalhes minuciosos retratavam uma obra de arte feita à mão com um talento que desafiava a sua compreensão. E, no entanto, havia algo errado. Como uma pintura que não deveria existir, um rosto visto num pesadelo, uma nota musical que ressoava errada no ouvido, embora não soubesse dizer por quê.
Virando a página novamente, ele observou a assinatura com uma única palavra: Voynich. O nome soava familiar, embora não soubesse exatamente o motivo.
“Acho que ninguém vai se importar se eu comprar esse livro antes de colocá-lo à venda. Não há conteúdo algum, e dificilmente alguém se interessaria por um livro de página única…”
Ele separou o pequeno livro de capa preta na mesa e voltou à análise dos restantes. Sua intuição finalmente voltou ao normal, e sentiu uma estranha paz na luta constante com o sono.
“O sono continua… Será que ficarei o dia inteiro desse jeito? Que coisa mais estranha…”
Ao fim da inspeção, a enorme pilha de livros havia se transformado em duas caixas: uma com os livros que estavam em boas condições e outra com os que estavam danificados. Esforçando-se, Leonard levou a caixa dos livros bons até a livraria e organizou-os na seção de usados.
Meia hora após finalmente completar a ida e vinda, ajeitando os livros em bom estado e os que não estavam tão bem, poderia finalmente descansar. Já havia passado do meio-dia e ainda não tinha tirado o seu horário de almoço, então decidiu fazer isso.
De volta ao pequeno cômodo, sentou-se na mesma banqueta e almoçou em silêncio. Percebeu, entretanto, que o livro que havia deixado separado já não estava na mesa.
“Será que já o pegaram? Me esqueci de separá-lo… Bom, já foi. Não posso chorar pelo leite derramado.”
Após o almoço, Leonard auxiliou os outros vendedores. Era algo que fazia com prazer, pois gostava de conhecer pessoas e descobrir seus gostos literários, onde muitas vezes revelavam algo sobre elas.
“Onde já se viu! Como a pessoa não gosta de Hamlet e Dom Quixote? Que tipo de monstro são essas pessoas de hoje em dia?!”
Olhando pela janela, observou o dia tranquilo. O sol espreitava timidamente entre as nuvens, enquanto a tarde corria como se as horas voassem. Faltava pouco para o expediente terminar, e nada de extraordinário havia acontecido.
“Aquele livro… Seria muito intrusivo perguntar quem o pegou? Ah… Melhor não, deixa quieto, não quero arrumar nenhum tipo de discussão nem nada, afinal é só um livro qualquer que me chamou a atenção mesmo…”
A monotonia foi quebrada quando, faltando pouco mais de meia hora para o fim do expediente, o sino da porta soou. Emma e Aria estavam ocupadas atendendo outros clientes, então Leonard observou o recém-chegado.
O homem portava-se bem-vestido, com um meio fraque cinza com alguns tons esverdeados, um cinto ajustado na cintura e uma gravata discreta. Na cabeça, usava um fedora preto. Seu cabelo era loiro e comprido, e seus olhos azuis chamavam a atenção.
Ele teve a impressão de estar diante de alguém extremamente organizado e cuidadoso. Aproximou-se do cliente com a tranquilidade de sempre, disposto a ajudá-lo.
— Boa tarde, estou à procura de Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, sabe me dizer se teria? — disse o rapaz, observando o entorno.
— Boa tarde, temos, sim. Talvez eu só demore um pouquinho para encontrar, calma aí.
— Sem problemas… Só espero encontrar esse livro aqui… Passei na outra livraria, mas não tinham exemplares…
— Entendi… Bom, vou procurar e logo te trago aqui!
Leonard foi até a seção de livros novos, mas voltou de mãos vazias após alguns minutos.
— Infelizmente, os novos já foram levados, mas lembro que chegou um ou dois exemplares na remessa de livros usados, tem algum problema?
— Não… Sem problemas.
— Certo, irei lá buscar.
Ele se dirigiu para as prateleiras e mesas de livros usados e ficou por ali procurando o livro. Não demorou muito para encontrar o livro. Lá estava ele: o mesmo exemplar de capa de couro preta, velho e surrado, exatamente como o vira anteriormente.
Por acaso, havia encontrado aquele mesmo livro enquanto retirava da pilha Os Irmãos Karamazov. Ele caiu no chão, revelando-se de maneira inesperada. Não se sabia há quanto tempo estava esquecido ali.
— Uh… Ele está aqui — murmurou para si, quase inaudível.
“Depois eu vejo isso… Irei levar o livro para o senhor lá frente.”
Colocando o livro de volta na pilha, mas ligeiramente separado para lembrar de buscá-lo mais tarde, retornou com o exemplar solicitado pelo rapaz.
— Aqui está! Os Irmãos Karamazov para o senhor. Precisa de mais algo?
— Não… É apenas este livro mesmo.
— Então é só passar pelo caixa ali com o Liam que ele finaliza a sua compra. Desculpe te atrapalhar, mas… Qual é o seu nome?
— Meu nome? Dante. E o seu é… Leonard? — respondeu, lendo o crachá no peito de Leonard.
— Isso mesmo! Foi um prazer te atender, Dante. Até mais!
Leonard não sabia ao certo por que se interessara pelo nome do cliente apenas no final do atendimento. No entanto, algo em sua intuição dizia que eles ainda se encontrariam novamente. Quando o expediente finalmente terminou e a livraria ficou vazia, recordou-se do livro estranho. Ele foi até a seção de usados e encontrou o livro sem capa com facilidade.
“Bom… Acho que não tem problema se eu comprar ele, certo? Vou passar lá com o Theo antes.”
Segurando o livro com cuidado, um arrepio percorreu-lhe o corpo quando uma brisa gélida e estranha atravessou uma janela. Ele guardou o livro no bolso de seu avental e foi desligar as luzes da seção e do armazém.
Quando chegou próximo ao caixa, viu Theo, ainda com o computador do caixa ligado, enquanto anotava algumas coisas em seu bloco de notas.
— Com licença, Theo, encontrei esse livro e fiquei interessado nele, mas não há preço. Acredito que passou batido… Você pode buscar o código no sistema? — Nesse momento, Leonard já estava tirando o pequeno livro do bolso do avental.
— Claro, deixa eu dar uma olhada… — Ele pegou o livro e analisou o código colado na parte de trás. — Que estranho… Esse livro não está cadastrado no sistema. Não tem título, e não parece ser apenas a capa apagada. É como se ele nunca tivesse sido entregue aqui, embora o código confirme que sim.
— Entendi… Nesse caso, como podemos proceder para que eu o compre? — Indiferente com o que havia sido dito anteriormente, e sem entender o peso da situação, ele ficou olhando para seu colega de trabalho, esperando alguma resposta.
— Hum… Pode ficar para você sem precisar pagar nada. Não há sinais de como avaliar o valor desse livro, afinal, está em mau estado e é bem velho, acredito que nem os superiores iriam se importar com isso.
— Muito obrigado… Pode colocar numa sacola para mim? Assim, fica melhor para andar com ele na rua até chegar em casa.
— Tudo bem, vai indo se trocar. Eu vou terminando as coisas aqui e logo coloco, só lembre de passar por aqui depois e levar seu novo livro para casa.
Depois de se trocar, Leonard passou no caixa, pegou o livro já ensacado e saiu da livraria. Caminhando com cuidado pela neve, ele chegou em casa enquanto a lua crescente brilhava no céu.
Ao se aproximar da porta, percebeu pela janela uma luz acesa. James já estava em casa, o que o deixou aliviado. Ao entrar, o aroma familiar da casa o envolveu.
James estava no sofá, estudando. Sem querer incomodá-lo, Leonard subiu para o quarto e deixou a sacola com o livro sobre o criado-mudo que dividia com Calli. Depois, foi tomar banho. Sob a água quente, Leonard sentiu o peso de sua condição física. Sabia que era mais fraco que outros de sua idade.
“Preciso preparar a comida para o nosso jantar e as marmitas de nós três para amanhã…”
Após o banho, sem mais delongas, ele preparou o jantar que ele e James iriam comer e arrumou as três marmitas que comeriam no dia seguinte. Depois, ele e James jantaram em silêncio, assistindo à televisão, que destacava os feitos das grandes organizações.
“Isso tudo é tão chato… A vida gira em torno dos fortes, mas e nós? Vivemos na miséria do dia a dia…”
Enquanto divagava, James o despertou com uma pergunta: — Você sabe algo da mamãe? A viagem dela está acabando?
Mentir doía em Leonard, mas contar a verdade que Sophie havia abandonado eles deixaria uma cicatriz em seu irmão mais novo que ele não sabia se seria curada — e se seria.
— Ela me ligou… Disse que ficará fora por mais um tempo devido à sua viagem de negócios. — Tentando confortá-lo, colocou a mão na cabeça de James e fez um cafuné.
Olhando para a televisão, no canto inferior, estava o horário local, 21h54. Logo, ele se lembrou de que James deveria ir dormir em breve, para não atrapalhar seu próximo dia.
— Vamos dormir? Já está tarde, você tem ótimas aulas amanhã para ver e eu tenho que ir trabalhar…
— Está bem, irmãozão! — O pequeno já se levantava do sofá, indo direto para o banheiro, escovar os dentes para finalmente ir dormir.
Sentindo uma dor no peito por ter que mentir para seu irmão, Leonard desligou a televisão e ficou observando, quieto, o seu próprio reflexo na tela, agora escura.
“Como vou continuar olhando na cara do James, se sequer consigo contar a verdade para o meu próprio irmão mais novo? Tudo isso é culpa sua, Sophie, sua egoísta… Você nem sequer pensou em se importar com como seus filhos ficariam? Porra!”
Horas depois, Calli chegou. Exausto, ele mal trocou palavras com Leonard antes de subir direto para o quarto.
Assim, aparentemente todas as pendências daquele dia haviam finalmente sido executadas. Leonard apagou as luzes e conferiu se a porta estava fechada, depois seguiu para o quarto e finalmente se deitou, e inesperadamente, por algum motivo… conseguiu dormir mais rápido do que pensava pelo cansaço.
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