Capítulo 43 — Comodidade
Enquanto os seis caminhavam sob a neve fofa, o som abafado de seus passos era a única trilha sonora, quebrando o silêncio que cobria onde quer que fosse. O silêncio, no entanto, não parecia algo neutro. Começou como uma cortesia tácita, mas agora crescia, denso e palpável, era vergonhosa a sensação que cinco dos seis sentiam, mas nada conseguiriam fazer.
A cena aos poucos foi se preenchendo com mais vida e sons, embora ainda sim baixos, todos viviam sua vida como normalmente.
Leonard mantinha os olhos atentos aos arredores. O isolamento opressor de antes foi se substituindo por uma atividade moderada, onde alguns moradores atravessavam os caminhos cobertos de neve, carregando sacos de farinha ou cestos com as mais diversas coisas dentro, moviam-se em um ritmo tranquilo. Sua audição também notava sussurros trocados em tons baixos, acompanhados de sorrisos que dois senhores sentados soltavam enquanto conversavam. Mais adiante, havia uma criança que corria atrás de um cão magro, seu riso claro contrastava com a situação que deveria estar acontecendo.
Era uma cena estranhamente normal, quase tranquilizadora. Quase.
“Bom, talvez a vida não precise ser apenas dor e sofrimento o tempo todo”, pensou Leonard, mas sua mente não lhe permitiu tal conforto por muito tempo. O pensamento foi seguido por um calafrio repentino. Não era apenas o frio ou a cena distante do que deveria, parecia ser algo mais profundo, algo que puxava Leonard por dentro, como um fio gélido trançado com promessas e ameaças indistintas.
“Não… Grande Ceia, eu preciso saber mais sobre esse tal Awain, o que eles fazem nesse rito.”
Quando finalmente chegaram a uma construção peculiar — uma casa de madeira pintada em um tom rubro em certos cantos e não apresentava nenhuma janela —, Luke hesitou antes de abrir a porta. Ele colocou os galhos que carregava ao lado, encostando-os na parede de madeira enegrecida pelo tempo. Em seguida, tirou uma chave do bolso com os dedos que tremiam levemente, talvez pelo frio ou pela idade, tentou girá-la na tranca. A resistência era notória. Leonard observou o esforço do homem que, aos poucos, tornou perceptível a dificuldade para abri-la.
Cassiano, que até então mantinha uma expressão de calma inabalável, avançou para ajudar o senhor. Ele colocou os galhos que carregava junto aos de Luke e inclinou-se levemente.
— Precisa de ajuda? — perguntou, sua voz firme, mas sem traço de julgamento.
Leonard se sentia estranho. Algo naquela situação parecia… errado. A chave emperrada, embora comum, fazia sua mente insistir em conexões que ele não conseguia formular. Era como uma melodia dissonante em meio à harmonia da neve caindo ao redor.
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— Por algum motivo, a chave não entra direito… — respondeu Luke, a frustração começando a transparecer.
“Por que? Por que essa sensação estranha?” Leonard se perguntava, mas mantinha seus pensamentos para si.
Cassiano deu dois passos à frente e estendeu a mão.
— Posso tentar?
Leonard se virou para observar Liam, que se mantinha quieto, queria dizer algo, mas sentia que isso só causaria suspeitas no momento.
Luke olhou para ele por um instante, parecia o avaliar.
— Claro, toma. — Ele entregou a chave.
Cassiano a pegou, seus dedos grandes envolviam o pequeno objeto desgastado. Leonard notou, de relance, o brilho opaco da chave cinzenta. A superfície era gasta e marcada como algo que havia sido usado durante boas gerações.
Com uma facilidade quase casual, Cassiano inseriu a chave na fechadura. A tranca cedeu com um som seco e ele tirou a maçaneta, empurrando a porta para dentro. A neve acumulada ao pé da entrada foi deslocada, revelando um interior escuro e abafado.
— Aí está. — Cassiano devolveu a chave ao senhor Luke.
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— Muito obrigado mesmo, se não fossem vocês cinco, teria sido cansativo carregar tudo isso. — Ele fez um sorriso, enquanto guardava a chave no bolso. — Mas uma dúvida, onde está a Rose? Não vi ela hoje…
“Seis… então eles nos veem como os seis que estavam aqui antes.”
Cassiano parou por alguns instantes, pensando em qual seria a melhor resposta, mas seu rosto se mantinha sem alteração alguma.
O cheiro com notas terrosas, vibrante e aveludado, provindo da madeira que armazenavam ali, entorpecida cada um presente pelas narinas, era difícil de definir exatamente como cada um se sentia.
— Ela apenas não acordou bem hoje, logo deve melhorar — respondeu Cassiano, com seu tom casual.
— Entendi… bom, melhoras para ela! — Luke compadeceu, comovido pela situação da garota que sequer estava ali.
Os seis entraram no armazém, os galhos secos ralando em suas mãos com o movimento. O ambiente lá dentro era opressivo. A falta de janelas transformava o espaço em uma penumbra inquietante, onde até mesmo o fraco facho de luz da porta parecia impotente contra as sombras. O ar tinha um peso peculiar, como se a própria madeira das paredes estivesse impregnada de anos de isolamento.
— Podem deixar por aqui — disse o senhor Luke, indicando um canto com um gesto lento. Sua voz parecia ecoar brevemente, como se o silêncio ao redor sugasse tudo o que escapasse de seu lábio.
Um a um, os galhos foram depositados no chão de madeira úmida, misturando-se só amontoado que ali havia. Leonard, prestando atenção no interior devido à percepção que seu olho esquerdo propunha, notou o rosto de Claire se contorcendo momentaneamente. Não era escandaloso, mas havia algo ali — uma sombra de medo atravessando seus traços, tão passageira quanto uma rajada de vento. “Medo do quê?” Leonard ponderou, o pensamento coçava sua mente como um fio solto de lã.
— Prontinho! — Claire exclamou de repente, sua voz soando um tanto aguda, como se esforçasse para parecer à vontade no ambiente. Ela deu uma meia volta com rapidez, já se dirigindo para a saída. — Vamos, pessoal? Precisamos almoçar em casa.
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Leonard notou o tom na voz dela, a ansiedade mascarada por uma tentativa de praticidade. Antes que pudesse processar a sensação de desconforto, Liam prontamente concordou, quase apressado:
— Ah, certo, vamos.
Ambos se encontravam como se fugissem de algo invisível. Leonard permaneceu no lugar por um instante, observando-os.
“Medo de escuro, hein?”
Ele deixou escapar um sorriso discreto, algo entre a diversão e o desalento. Depois, seguiu atrás deles.
Katherine, sempre silenciosa, inclinou a cabeça ligeiramente em despedida ao senhor Luke antes de seguir para fora. Cassiano a acompanhou com seu passo firme e deliberado, mas Leonard notou que o olhar do homem parecia inspecionar o armazém por um instante a mais do que o necessário, como quem pressentia que algo estava fora do lugar, mas não se sabia o quê.
…
Dentro do armazém, o senhor Luke permaneceu imóvel por alguns momentos, o som dos passos do lado de fora desvaneceu-se até o silêncio absoluto tomar conta. Seus olhos se voltaram lentamente para o amontoado de galhos no chão. Algo lá parecia chamá-lo.
Ele ficou ali, parado, a expressão em seu rosto mudando gradativamente. Primeiro, foi o franzir de sobrancelhas, como quem escuta algo quase inaudível. Depois, um leve tremor nos cantos de seus lábios, que lentamente se curvaram em um sorriso. Não era um sorriso comum; era um sorriso vazio e carregado, como se seu dono estivesse contemplando algo muito além daquele espaço.
Houve um instante de silêncio absoluto, tão profundo que parecia que o armazém respirava por conta própria. Então, Luke virou-se e saiu, deixando a porta aberta para a escuridão.
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…
Bom dia!
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