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    A luz do lado de fora parecia quase cruel depois da penumbra abafada do armazém. Leonard piscou algumas vezes, tentando ajustar a visão de seu olho direito novamente. O céu cinzento parecia indiferente, lançando uma chuva lenta de neve que, em outra circunstância, traria uma sensação de calmaria. Mas ali, naquele momento, a neve trazia seu peso diferente.

    “Que forte… parece que estou mal-acostumado mesmo.” 

    Claire e Liam estavam parados, a uma distância razoável do armazém. Leonard notou como os dois pareciam relaxados, mas apenas superficialmente. Os olhos deles, por mais que tentassem evitar o contato direto, os traíam. Claire assobiava, um som curto e improvisado, enquanto seus dedos tamborilavam nervosamente na costura do casaco. Liam, por sua vez, mantinha as mãos nos bolsos, chutando pequenos montes de neve como se estivesse distraído, mas seus ombros rígidos contavam outra história.

    — Estão bem? — perguntou Leo, olhando em direção à garota de cabelos lisos e ruivos em seu eventual tom de pele branco e ao garoto de cabelos cacheados cor de marfim com um tom de pele mais bronzeado. 

    Claire foi rápida em responder, quase como se estivesse esperando pela pergunta.

    — Estou sim. — Sua voz soava leve, mas as palavras não vinham com a firmeza que deveriam.

    Enquanto falava, ela se alongou exageradamente, esticando o braço para trás e virando o rosto para o lado.

    “Percebe-se…”, pensou Leonard enquanto a observava em silêncio, decidido em não a pressionar.

    Liam demorou um pouco mais. Seu aceno foi simples, quase negligente, mas os olhos permaneceram focados em algo distante, como se ele preferisse não estar ali. A neve continuava a cair em torno deles, cobrindo o chão com uma delicadeza que contradizia o clima tenso do grupo.

    Nesse momento, Cassiano e Katherine saíram do armazém. O primeiro tinha uma expressão neutra, mas seu olhar parecia mais atento, como se ainda tentava processar o que quer que tenha visto ou sentido lá dentro. Katherine, sempre reservada, carregava uma calma que parecia quase ensaiada, como um véu, cobrindo uma inquietação mais profunda.

    — Que fome — comentou Cassiano, quebrando o silêncio com uma voz que evocava uma estranha mistura de despreocupação e pragmatismo. Ele deu uma rápida olhada ao redor, seus olhos fixando-se brevemente nos rostos de Claire e Liam antes de seguir em frente, pisando na neve com passos firmes.

    “A Kath está tão quieta desde que chegamos, o que será que pode ter acontecido para essa mudança?”

    Katherine, caminhando ao lado dele, não disse nada. Seus olhos eram como poços profundos, absorvendo os detalhes ao redor sem deixar escapar qualquer emoção.

    — O Senhor Luke… tem algo acontecendo com ele, não tem? — Leonard finalmente disse, mantendo a voz baixa, quase como se temesse que o homem ainda pudesse escutá-los, mesmo à distância. Ele olhou para os outros, esperando por alguma reação.

    A mulher loira lançou um breve olhar na direção de Leonard, antes de seguir em frente.

    Claire parou de se alongar e ficou em silêncio por um instante, como se considerasse a pergunta com mais sinceridade do que gostaria de admitir.

    — Talvez seja só o jeito dele… — respondeu.

    — Ou talvez não. — Liam disse de repente, sua voz cortante como o vento. Ele olhou para Leonard, seus olhos carregavam algo indefinível, antes de voltar a chutar a neve. 

    Cassiano parou por um momento, voltando-se para o grupo com um olhar pensativo.

    — Seja como for, acho que devemos prestar mais atenção. As coisas aqui são diferentes.

    Katherine assentiu levemente, mas permaneceu em silêncio, deixando suas ações falarem por ela. A quietude retornou ao grupo enquanto voltavam a andar em direção à casa onde estavam hospedados.

    Já em frente à porta, Claire foi a primeira a chegar, ficando em frente a ela pensativa, antes de abri-lá e entrarem.

    Após o almoço, cada um comeu algumas barras de cereais que haviam trazido nas mochilas anteriormente. Durante a tarde, Cassiano os dispensou para fazerem o que quiserem nesse período, pois estaria ocupado montando um fogão a lenha portátil.

    A luz do entardecer filtrava-se pela janela do quarto de Liam, tingindo o ambiente com tons de laranja e cinza. O silêncio que preenchia a casa era denso, quase opressor, como se a quietude tivesse um peso próprio. Sentado na cama, ele traçava palavras com cuidado em seu caderno, cada uma daquelas linhas carregava fragmentos daquilo que vivenciou no dia.

    Os cachos que caíam sobre sua testa balançavam levemente com o movimento de sua mão, e ele ocasionalmente os afastava com um gesto automático, sem tirar os olhos do papel. Escrevia parecia ser sua única âncora nesse ambiente estranho e carregado de incertezas.

    Liam parou por um instante, segurando a caneta no ar. Seus olhos se perderam na janela, observando o céu escurecendo rapidamente. A escuridão aos poucos parecia engolir o vilarejo.

    “Já está tão tarde assim?”, pensou Liam. A ausência dos donos que deveriam ser comuns — como as conversas, os passos, o ranger das tábuas sob os pés dos outros — era estranha. Ele inclinou a cabeça levemente, tentando captar qualquer indício de movimento.

    Foi então que o silêncio foi rompido por um som apressado e seco: batidas na porta. Três. Rápidas. Urgentes. Como se a pessoa quisesse evitar ser ouvida pelos outros.

    Liam endireitou-se na cama, com o coração já disparado. Ele olhou para a porta, mas não se moveu imediatamente. Algo parecia… errado. Regular demais, quase metódico, como um tique-taque de um relógio defeituoso.

    O ar no quarto parecia mais pesado. O garoto apertou a caneta com força, sentindo a ponta quase atravessando o papel. Uma gota de suor escorreu pela lateral de seu rosto, apesar do frio que impregnava o quarto.

    — Quem é? — perguntou, com a voz baixa, mas firme, o som de suas palavras soava mais alto do que gostaria no silêncio absoluto.

    Do outro lado, silêncio. Nenhum som. Nenhuma resposta. Apenas o peso da espera.

    O mesmo se levantou lentamente, cada movimento parecia calculado, como se um só passo em falso pudesse disparar algo inominável. A madeira do assoalho gemeu sob seus pés, o som parecendo existir mais do que deveria. Liam parou, segurando a respiração por um instante e se aproximou da porta.

    — Quem está aí? — repetiu, desta vez mais alto, mas com uma ponta de hesitação.

    As batidas vieram novamente. Três. Exatamente como antes, mas agora com um som mais… sólido. Mais próximo, quase como se viessem de dentro da própria madeira da porta, reverberando no quarto como um sussurro ameaçador.

    Liam engoliu em seco, algo não estava certo.

    “Quem poderia ser? Estão me pregando uma peça?”

    Com uma pitada de hesitação, ele olhou para a maçaneta, que parecia quase vibrar de forma imperceptível. Ou seria apenas sua mente pregando uma peça? Ele deu um passo à frente, a mão hesitante estendida para a maçaneta.

    E então, uma voz, sussurrada e baixa, mas clara, disse:

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