Capítulo 47 — Eu achei!
Sozinho, Leonard ergueu os olhos para o céu. O cinza outrora inquebrantável começava a ceder lugar à penumbra da noite, que avançava como um predador cauteloso. A escuridão trazia um frio mais cortante, como se quisesse abraçá-lo e arrancar qualquer calor que restasse.
“Três cavaleiros… Estou cada vez mais perdido no que está acontecendo.”
Ele se levantou, enfiando as mãos nos bolsos do casaco pesado. Seu semblante era calmo, quase imperturbável, mas isso era apenas uma máscara. Por dentro, o peso do dia, das perguntas sem resposta e das decisões que se avolumavam, o puxavam para baixo como correntes invisíveis. Tudo o que podia fazer agora era caminhar — o movimento era uma distração necessária.
Enquanto seguia pela trilha ladeada pela neve e pelas sombras das árvores mortas, os seus olhos captaram uma figura familiar: o Senhor Luke, parado em frente a uma casa, conversando com Chloe. As palavras entre eles eram indistintas, mas o tom parecia sério. Leonard desacelerou, preferindo não ser notado.
“Minha suposição estava certa?”
Decidido, ele passou indiferente, como um andarilho sem destino. Ele sentia cada vez mais um estrangeiro na vida dos outros, uma peça deslocada em um quebra-cabeça que não entendia. No entanto, algo dentro dele — uma sensação em seu olho esquerdo, um formigamento que ele aprendera a não ignorar — o avisava de que algo se aproximava.
A neve continuava a cair, mas em vez de se sentir sufocado por ela, Leonard começou a enxergá-la como uma velha companheira. Sua presença constante e silenciosa era quase reconfortante, mesmo enquanto tornava tudo ao redor mais hostil.
Finalmente, ele chegou à última casa no limite do vilarejo. Através da vidraça, uma luz alaranjada piscava, um convite caloroso em meio ao frio glacial. O fogo estava aceso. Talvez Cassiano ou alguém estivesse usando o fogão portátil a lenha dentro de casa, embora ninguém realmente quisesse ficar lá fora, esperando esquentar, era uma solução improvisada e arriscada, mas inevitável naquela situação.
“Será que compraram algo para cozinhar? Não me lembro de ver ninguém enquanto andava…”
Ele parou diante da porta, inspirando fundo, e então girou a maçaneta. O ar quente o envolveu imediatamente, trazendo o cheiro de carne e arroz.
Na sala, Katherine estava esparramada no sofá, assistindo à televisão com a postura de quem não esperava nada além do tédio. Eden Hollow era um lugar quase que desconectado do mundo, e a televisão velha que funcionava parecia mais uma espécie de milagre.
Leonard passou por ela, acenando levemente com a cabeça. Katherine não desviou os olhos da tela, mas respondeu com um breve movimento do queixo.
Na televisão, um anúncio de alguns anos atrás passava, a trilha sonora animada ecoava pela pequena sala. Leonard reconheceu-o imediatamente.
“Faz tempo…”
Seguindo para a cozinha, encontrou Cassiano em silêncio, mexendo em uma panela que soltava um vapor perfumado. A carne estava fatiada de forma irregular, e o arroz borbulhava suavemente.
— Precisa de alguma ajuda? — perguntou Leonard, a voz carregando um traço de cansaço, mas também uma leve busca por distração.
Cassiano não desviou o olhar da panela.
— Não. No momento, não.
Recebendo a resposta curta, Leonard deu de ombros e saiu da cozinha. Ele estava exausto, mas algo o fazia hesitar em deitar. Caminhando pelo corredor até os quartos, ele foi tomado por uma breve sensação de desconforto.
Foi então que ouviu.
Um murmúrio baixo, abafado, como uma corrente de ar, sussurrando palavras que ele não podia entender. Ele parou no meio do corredor, com os pelos da nuca se arrepiando.
…
Claire, após o almoço, decidiu se trancafiar em seu quarto, ansiosa para mexer no celular.
“Finalmente posso mexer em paz, sem aquele frio lá fora!”
A garota havia retirado seu casaco, ficando apenas com uma camisa preta junto à calça na mesma coloração, estava mais confortável do que nunca.
— Isso sim que é vida… ganhar sem precisar fazer nada, talvez, só talvez, você seja esperta mesmo, Teresa. — comentou a jovem, olhando para o teto relaxada, sua expressão esbanjava que ela estava mais feliz do que nunca.
Pegando um espelho pequeno que carregava consigo de um lado ao outro na escrivaninha, Claire observava seu reflexo, a intrínseca tatuagem em seu pescoço, aquela mesma, lótus carmesim que ganhou no cômodo empoeirado, ainda não fazia sentido a ela.
“Isso não deveria se revelar? Tipo, não teve nada… está certo?”
Depois de uma rodada de dúvidas, a jovem jogou o espelho para o lado da cama e pegou seu celular, abrindo um contato e escrevendo algo durante boas horas do dia. Quando Claire percebeu, já estava quase de noite e havia finalmente finalizado o texto que estava escrevendo.
Antes de enviá-lo, a garota abriu a galeria para enviar, junto a foto que tirou de seus companheiros cheios de poeira 1 após abrir a porta da dispensa.
“Espera, o que é isso?”
Aproximando a imagem, ela percebeu uma espécie de vulto que fez sua espinha tremer, no canto da imagem, encarando diretamente ela, havia uma espécie de cabeça ilusória semi transparente na poeira, tinha dois longos chifres em cima de uma máscara branca, a criatura exalava a sensação de medo eminente.
— E-ei…
Claire havia deixado seu quarto como um furacão, sua mente a mil por hora e o coração disparado como se ecoasse o som de tambores em seus ouvidos. A imagem daquele vulto horrendo, com seus chifres ameaçadores e máscara branca, permanecia gravada em sua mente. O simples pensamento de que algo tão terrível pudesse estar tão próximo fez o frio lá fora parecer insignificante.
Chegando à porta do quarto de Liam, seus nós dos dedos bateram apressados, três vezes seguidas. Sua impaciência crescia a cada segundo, o silêncio por trás da porta só alimentava ainda mais a sua urgência.
“Vamos, Liam, abra logo!”
Do outro lado, ouviu-se uma voz abafada e um tanto quando medrosa.
— Quem é?
Mas Claire não tinha tempo para formalidades. Sem hesitar, girou a maçaneta e entrou, ignorando a falta de convite.
— Eu encontrei! Eu encontrei vestígios do Wendigo…
A frase saiu aos tropeços, quase colidindo com o olhar de Liam, que já estava em movimento. Em um reflexo rápido, ele girou em direção a ela com uma caneta firmemente empunhada como uma faca.
— Claire?! — exclamou ele, recuando abruptamente ao reconhecê-la. — Que diabos você está fazendo? Quase que eu te acertava.
— E você quase me matou com uma caneta, parabéns. — Claire bufou, mas havia um tremor subjacente em sua voz.
Liam suspirou, passando a mão pelo rosto. Ele estava descalço, com os cabelos bagunçados, e o quarto parecia extremamente mais desordenado do que o usual.
— O que foi tão importante que você quase arrombou a minha porta?
Claire hesitou por um segundo, sua respiração ainda entrecortada. Depois de tudo, verbalizar o que viu era mais difícil do que aparentava.
— A… a foto que tirei ontem, lembra? Da despensa cheia de poeira? — começou ela, com a voz agora mais baixa.
Liam assentiu, confuso, mas curioso.
— Sim, e daí?
— Tinha algo na foto. Um vulto — Claire engoliu em seco. — Não, mais do que um vulto. Eu acho… Eu acho que era o próprio Wendigo.
- nota: capítulo 34[↩]
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