Índice de Capítulo

    Na calada da noite, Calli se levantou da cama e observou a noite caindo em seu silêncio. Do lado de fora, as casas em Ottawa ainda continham luzes acesas aqui e ali. 

    “Nunca vou me acostumar com isso.” 

    No quarto ao lado, escutou James roncando um tanto quanto alto, mas isso não era problema para ele. 

    O jovem loiro se levantou da cama e saiu em direção ao corredor, onde decidiu descer as escadas para tomar um copo de água. 

    “Sinto que esqueci uma parte do meu dia, isso é normal?”

    Ele pegou um copo na prateleira e abriu a geladeira para resgatar uma jarra de água. Após isso, sentou-se numa banqueta em frente ao mármore do balcão e ficou observando pela penumbra, mal enxergando direito o copo de água. 

    Abrindo a tampa da jarra, ele despejou o líquido com cuidado no copo e ficou o encarando. Enquanto fechava, ponderou alguns instantes e saciou a sua sede. 

    “Saudades da vovó e do Leo…” 

    Olhando de relance para o lado, ainda com o copo em mãos, percebeu um livro estranho que lhe era familiar, embora não soubesse exatamente de onde se lembrava dele. 

    “O que é isso?”

    Calli colocou o copo de volta ao balcão e puxou o livro para perto dele, sua capa preta decorada com símbolos similares que por algum motivo traziam familiaridade. 

    Ao abri-lo, o jovem percebeu aos poucos que aqueles mesmos símbolos divergentes e incrustados de preto nas folhas começavam a saltar dela e flutuar em seu redor, com um majestoso brilho lindo e dourado. Cada um dos símbolos pulsava com algo que parecia vida. 

    “Que lindo…”

    Experimentou tocar um deles, a primeira vista, parecia repulsar a sensação de toque, mas logo aceitou, o símbolo saltitou para dentro de sua pele, desaparecendo em uma espécie de pó dourado. 

    “O que foi isso?”

    Ainda rodeado de outros símbolos, ele experimentou virar as páginas, mais e mais símbolos saíam, mas ainda ficara um texto, ou algo que se assemelhasse, no entanto, Calli não conseguia compreender o que era.

    E então uma voz sussurrou no seu ouvido. Um sussurro distante que parecia totalmente irregular, mas ainda, sim, belo de se ouvir. 

    ‘Mexer nas coisas dos outros não deveria ser proibido?’

    Se assustando, ele deu um pulo para trás, quase caindo da banqueta, olhando de um lado para o outro, atordoado, tentando entender o que estava acontecendo. 

    — Quem… é?! — disse Calli, embora sua voz estivesse alta, tentou suprimir-lá para não acordar James lá em cima. 

    ‘Um viajante, eu diria, alguém que busca conhecimento.’ 

    “Que coisa esquisita, falando coisas sem sentido.” 

    Novamente escutou a voz, agora reverberando com um tom orgulhoso. 

    ‘Ei, idiota, eu estou escutando isso.’ 

    Nesse momento, Calli percebeu que a voz vinha de dentro de sua mente, como um intruso em meio aos símbolos belos. 

    A cozinha mergulhou em um silêncio profundo, interrompido apenas pelo som sutil da respiração acelerada de Calli. O livro permanecia aberto sobre o balcão, com símbolos dourados ainda pairando ao seu redor, irradiando um brilho que parecia pulsar em uníssono com sua própria frequência cardíaca.

    “Isso não pode ser real.”

    Calli esfregou os olhos, mas quando os abriu, os símbolos ainda estavam ali, dançando no ar como pequenas estrelas capturadas. E a voz — grave, rouca, mas cheia de uma ironia mordaz — retornou, agora soando como se estivesse tanto ao seu lado quanto nas profundezas de sua própria alma.

    — Quem é você? O que você quer? — sussurrou Calli, mas sua voz estava trêmula, refletindo um misto de medo e fascínio.

    ‘Quem sou eu?’ 

    A voz parecia rir, um som que era, ao mesmo tempo, alegre e ameaçador, como o estalar de um trovão distante. 

    ‘Essa é uma pergunta interessante, não acha? Quem é você, Calli?’

    O jovem engoliu em seco. Ele não sabia como a coisa que falava sabia o seu nome, mas a familiaridade da voz o desestabilizava, como se estivesse lidando com alguém que o conhecia há anos.

    — Isso não importa. Você está na minha cabeça… Como?

    ‘Ah, perguntas e mais perguntas… Tão humano. Tão previsível.’ A voz suspirou, como um professor exasperado pela lentidão de seu aluno. ‘Mas, já que insiste, digamos que… sou uma resposta que você ainda não sabia que estava procurando.’

    Calli sentiu um arrepio subir pela espinha. Ele olhou para o livro, cujas páginas agora pareciam se mover sozinhas, virando lentamente enquanto mais símbolos escapavam, flutuando para o teto antes de desaparecer em um lampejo dourado.

    — O que é isso? Que tipo de livro é esse?

    ‘Ah, finalmente uma pergunta interessante.’ 

    A voz parecia satisfeita, mas não apressada em responder. ‘Este livro é… uma ponte, digamos. Um convite. Uma promessa. Mas, como toda promessa, tem seu preço.’

    — Que tipo de preço você diz? — Calli perguntou, franzindo o cenho, tentando ignorar o aperto crescente em seu peito.

    ‘Depende do que você deseja, pequeno tolo.’ A voz tornou-se mais sedutora, quase melódica. ‘Você sente falta de alguém. Sente o peso de algo que nunca foi concluído, não é? Você carrega perguntas sem resposta, sonhos inacabados… Eu posso ajudar.’

    Ele deu um passo para trás, seu olhar dividindo-se entre o livro e os símbolos restantes.

    — Por que eu? Por que agora?

    ‘Por que não? Você foi quem abriu o livro, quem tocou os símbolos. Você me chamou, mesmo sem saber, o que procurava.’ A voz tornou-se mais grave, sua intensidade preencheu cada canto da mente de Calli. ‘Agora a escolha é sua. Feche o livro e continue sua vida… Ou mergulhe mais fundo no convencimento. Há tanto a descobrir, Calli. Tantas verdades que você jamais imaginou.’

    A cozinha parecia mais escura agora, como se as luzes de lá fora tivessem perdido parte de sua força. Calli sentiu o suor frio em sua testa, mas também uma centelha — uma atração que ele não conseguia negar.

    ‘Mas cuidado… Verdades têm dentes. Elas mordem. Algumas devoram.’

    Calli olhou para o livro novamente, o coração disparado. Ele sabia que deveria fechar aquilo, esquecer que havia descido para beber água. Mas sua mão hesitou.

    “E se for verdade? E se isso puder me ajudar…?”

    A voz riu suavemente, como se tivesse lido seus pensamentos.

    ‘Bem-vindo ao abismo das dúvidas, Calli. Basta dar o próximo passo.’

    Ele respirou fundo, a mão tremendo enquanto se estendia para o livro novamente. A dúvida o consumia, mas algo dentro dele — um desejo profundo e inexplicável — o impelia de hesitar, essa era uma oportunidade… uma bela oportunidade para ter de volta sua avó, poder viver uma vida feliz novamente sem se preocupar com a falta de alguém…

    2/3

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