Capítulo 51 — Estrangeirismo
Leonard que estava sentado sob a cama, suspirou pesado, como se a gravidade do dia tivesse se tornado insuportável. Junto a isso, o colchão rangia sob seu peso, um som quase glotal em sua melancolia. Fazendo-o decidir se deitar finalmente, ele se enrolou no cobertor áspero, puxando-o até a altura do queixo, mas o frio ainda continuava ali, rastejando sob sua pele, infiltrando-se pelos ossos.
Os olhos dele se fixavam no teto encardido. Pequenas rachaduras se entrelaçavam como teias de aranha, mas, em meio a toda a penumbra, algo mais se tecia — eram fios etéreos, translúcidos e cinzas que serpenteavam em movimentos hipnóticos. Era como observar um tear invisível trabalhando sem descanso, entrelaçando os destinos uns nos outros, puxando, rompendo, restando os nós.
“Quem de nós ele escolheu?”
A pergunta ecoava na mente de Leonard como um sino distante, reverberando até se perder na vastidão nebulosa de seus pensamentos. Ele não queria pensar nisso, mas sua mente vagava sem rédeas, arrastada por uma corrente implacável.
Seu olho esquerdo — marcado pela Eternidade — pulsava com um calor estranho, não exatamente doloroso, era constante e estranho de se sentir. Desde aquele dia, o órgão parecia uma existência à parte, um intruso habitando seu próprio corpo. Um intruso que, aos poucos, Leonard se acostumava com a sua presença, ainda que a visão dos fios se desenrolando à sua frente nunca deixasse de ser perturbadora.
Ele esticou a perna esquerda e sentiu a panturrilha se contrair num espasmo doloroso. O desconforto percorria suas articulações como ferrugem, como se seu próprio corpo fosse uma máquina velha que rangia sob o peso do tempo. Não havia razão para aquilo. Não houveram batalhas hoje, nem esforços extenuantes, e ainda assim, cada músculo protestava em silêncio.
Os fios estavam ali. Sempre estiveram, embora ele nunca pudesse ver antes. Semelhantes a uma segunda pele, uma prisão sem grades. O destino, se é que essa palavra fazia sentido, talvez fosse infinito, mas Leonard ainda não sabia se ele próprio estava destinado a segui-lo apenas.
Pelo menos, as visões haviam se tornado menos frequentes.
Ele fechou os olhos devagar, como se temesse o que encontraria ao fazê-lo.
“Amanhã preciso averiguar mais sobre isso…”
E, no silêncio abafado do quarto, os fios continuaram a se mover.
…
Ao longe.
Leonard se viu diante daquela porta mais uma vez.
Atravessando os limites da razão, onde o tempo se curva e o espaço se dissolve, ele a reconheceu — não como nada novo, mas como um eco persistente, um sonho reincidente que se insinuava nas sombras de sua consciência.
Na vastidão esquecida onde nada deveria existir, ali estava ela: uma porta antiga, enraizada num corredor que se perdia no além do tempo.
A porta parecia pulsar, respirando como um ser adormecido à espera de despertar. Feita de madeira envelhecida, suas rachaduras contavam histórias que Leonard jamais ouviu, mas que, de algum modo, sentia como memórias latentes, arranhando as bordas de sua mente. Era um enigma esculpido no âmago do insondável destino, uma barreira entre o agora e o impossível.
Mas desta vez, algo estava diferente.
Ele tinha um corpo.
Dessa vez, não era apenas uma consciência sem forma flutuando na imensidão do sonho. Leonard sentia o peso dos próprios membros, os músculos tensos, o coração martelando no peito como um tambor de guerra. O frio áspero do chão sob seus pés descalços provavelmente significava que aquilo era mais do que uma visão.
E ainda assim… o jovem não conseguia se mover.
O tempo dobrava-se ao redor dele, enroscando-se como uma serpente invisível. Cada tentativa de avançar era frustrada por uma força que não se manifestava fisicamente, mas se impunha sobre ele como uma maré inexorável. O corredor à sua frente parecia esticar-se, tornando a porta mais distante a cada instante, como um horizonte que recua diante do viajante.
O ar tremulava ao seu redor, distorcido por murmúrios indistintos—não palavras, mas ecos de lamentos, fragmentos de agonia arrancados de gargantas esquecidas. Gritos afogados em um silêncio pesado, espesso, como se o próprio espaço entre as coisas estivesse impregnado de desespero. Não vinham de um único ponto, mas de todos os lugares e de lugar nenhum, enrolando-se ao redor de Leonard, como dedos invisíveis roçando sua pele.
E, além de tudo isso, havia a luz.
Ela vazava pelas frestas da porta, impaciente, pulsando como uma criatura ansiosa para emergir. Uma energia branca, febril, que parecia palpitar em um ritmo estranho, entrecortado, vivo. Seu brilho oscilava entre o sublime e o horrendo, como se a realidade tentasse decidir se aquilo era uma revelação ou um presságio.
Cada instante que Leonard a observava parecia mudar sua natureza. Num momento, era como o sol nascente banhando um campo dourado; no instante seguinte, era o reflexo da lua em um lago estagnado, algo belo demais para ser confiável. O tempo se desfiava ao redor dessa luz, e ele sentiu como se estivesse diante de uma pintura cujo significado fugia sempre que tentava compreendê-lo.
Leonard inspirou, o ar gélido invadindo seus pulmões com a violência de uma lâmina.
Dessa vez, ele sabia.
Já esteve ali antes. Já vira essa porta em sonhos passados — mas antes, ele era apenas uma sombra sem corpo, uma consciência flutuando no nada. Agora, ele existia. Sentia o peso do próprio ser, o latejar do sangue em suas têmporas, a contração involuntária de seus músculos. E ainda assim, isso não o aproximava da porta.
Cada tentativa de avançar era em vão. A distância entre ele e a madeira envelhecida permanecia inalterada, como se estivesse eternamente preso na fração de um instante antes do primeiro passo. O corredor, antes um espaço fixo, parecia dobrar-se sobre si mesmo, esticando-se em um paradoxo que desafiava qualquer lógica.
Seus dedos se contraíram, um arrepio subindo por sua espinha como um presságio sussurrado ao ouvido.
Aquilo que via não era apenas um lugar. Nem uma lembrança.
Era um prelúdio.
Um chamado.
E aquilo por trás da porta — seja lá o que fosse — estava esperando. Não com a paciência do inerte, mas com a inquietação de algo que já estava desperto e ansiava pelo momento de atravessar.
As raízes invisíveis daquela presença se estendiam, tocando os limites do seu ser, sondando sua mente, absorvendo sua essência como um solo fértil que se rende à tempestade.
E, pela primeira vez, Leonard teve certeza absoluta.
Essa porta em algum momento se abriria.
E quando acontecesse, ele não teria escolha a não ser estar ali.
…
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