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    Eden Hollow, segundo dia.

    Leonard despertou com um sobressalto, o peito arfando e a pele coberta por uma fina camada de suor frio. Seu corpo inteiro parecia estar no mesmo tormento, um desconforto difuso que não era exatamente dor, mas uma reverberação sinistra de algo que não deveria estar ali. Seu coração batia rápido, mas não pelo cansaço de um pesadelo fugaz. Não era apenas um sonho, sentia-se cada vez mais próximo de algo que não deveria encontrar.

    Ele piscou algumas vezes, tentando agarrar os fragmentos da visão antes que se esvaíssem na névoa da consciência desperta. Mas como grãos areia entre os dedos, ela escapava, deixando para trás apenas a lembrança de um medo sem nome, de uma porta que não deveria existir e de algo do outro lado, à espera.

    “O que foi isso?”

    A pergunta ecoou em sua mente enquanto o jovem puxava a manga da camisa para enxugar o suor que escorria da bochecha. Seu olhar vagou até a janela, onde a neve caía silenciosamente. O céu ainda ostentava o azul gélido da aurora, e as sombras da noite se dissipavam sob a promessa fria do sol. Um novo dia aos poucos surgia, mas em seu peito crescia a sensação de que não seria um dia qualquer.

    Ele se endireitou na cama, encostando as costas contra a parede como se buscasse algo sólido para ancorá-lo ao presente. Inspirou fundo, sentindo o ar frio invadir seus pulmões, clareando, ainda que por um instante, a névoa persistente em sua mente.

    Aquela porta.

    Era a segunda vez que a via.

    Mas por que conseguia visualizar em seus sonhos? Ela está ligada a Eden Hollow? Por que a primeira vez que a viu foi durante a viagem naquela estrada antes de chegar?

    Nos outros cômodos, sons quebravam o silêncio da casa adormecida. O ranger discreto de mobílias se movendo — não com pressa, mas com uma calmaria desconcertante. Alguém mais já estava acordado.

    Leonard deixou que suas pernas deslizassem para fora do cobertor e para a direita da cama, seus pés tocavam o chão gélido como se a própria madeira absorvesse o frio da neve lá fora. O arrepio subiu por seu corpo, mas não foi apenas o frio que o fez estremecer.

    O Wendigo.

    O pensamento cravou raízes em sua mente. Quem, entre eles, havia atraído sua atenção? Seria ele, por sua maldita Visão Eterna? Katherine ou Cassiano, que estiveram aqui antes? Claire, que portava uma herança maldita desconhecida? Ou Liam, que sempre esteve envolto em enigmas que nem ele próprio parecia compreender?

    Não importava quem fosse. O que importava era o que isso significava.

    Isso era um aviso. Um presságio que os obrigava a se manterem em alerta, sem descanso, sem momentos para fraquejar. Mas o paradoxo era cruel — não podiam se permitir demonstrar essa inquietação. A menor hesitação, um olhar preocupado demais, e os moradores daquele vilarejo perceberiam. E se percebessem, desconfiariam. E se desconfiassem… bom, já tinham suspeitos o suficiente.

    “O que eu faço?”

    Leonard fechou os olhos por um instante, depois suspirou e se levantou. Tocou a maçaneta da porta e a girou lentamente, saindo para o corredor. Os cômodos estavam mergulhados em um semiescuro melancólico, a penumbra esculpida pela luz da manhã que entrava pelas janelas. Um cenário que já lhe era familiar, impregnado pela estranha atemporalidade daquela casa.

    Então ele ouviu.

    O som abafado de uma televisão ligada.

    Hesitou por um momento e franziu o cenho. Não era incomum que alguém estivesse acordado, mas havia algo naquilo que o fez prender a respiração.

    Katherine?

    O nome veio à sua mente antes que pudesse refletir. Ele caminhou até a sala de estar, cada passo ecoando em seu próprio silêncio. Quando se aproximou, encontrou apenas a luz trêmula da tela piscando contra as paredes. O sofá parecia amassado, como se alguém estivesse estado ali até pouco tempo atrás, mas agora não havia ninguém.

    Leonard franziu os lábios, desconfortável.

    — Esqueceram de desligar a televisão… — murmurou Leonard para si mesmo, soltando um sorriso de canto, mais para espantar o desconforto do que por achar graça na própria constatação.

    O controle remoto pesava em sua mão de maneira desproporcional, como se carregasse algo além de simples fios e pilhas gastas. Ele desviou o olhar para a tela tremeluzente, onde uma propaganda qualquer se desenrolava. Nada de excepcional. E, ainda assim, uma sensação incômoda serpenteava sua mente, um déjà vu persistente que se recusava a se dissipar.

    “Eu já vi isso antes.”

    Mas quando? E onde?

    A resposta não vinha, como um sonho esvaído ao despertar, deixando apenas o rastro de uma impressão vaga. Leonard forçou a mente a buscar algum resquício, alguma conexão entre o agora e o passado, mas nada se fixava. Apenas a incômoda certeza de que algo estava errado.

    “Que estranho… Bom, tanto faz.”

    Ele suspirou e desligou a televisão com um clique seco. O brilho espectral da tela morreu, e o cômodo foi engolido por um silêncio denso, como se a ausência do som amplificasse o vazio ao redor.

    O jovem permaneceu ali por um momento, observando a sala. Tudo parecia tão calmo… Exatamente como na noite anterior. O sofá no mesmo lugar, a mesinha de centro imaculada, a luz da manhã filtrando-se pelas cortinas com um ar de normalidade enganoso. Mas algo estava errado.

    Ele não sabia o quê, mas sentia.

    Era um incômodo sutil, persistente, como a sensação de ser observado em um quarto vazio. Como a lembrança de um sonho ruim que se recusa a ir embora.

    Leonard passou a mão pelo rosto, em um esforço notório na tentativa de dissipar a própria tensão. Mas não era apenas paranoia. Ele sabia. Algo habitava aquela casa além deles, dos sussurros da neve e das sombras alongadas pelos corredores. O perigo era real. O Wendigo estava perto, espreitando, aguardando. A fotografia de Claire, as histórias dos dois veteranos, as pequenas coincidências inquietantes… Nada ali era verdadeiramente simples.

    Então, ele ouviu.

    Um som. Um farfalhar. Algo se movendo.

    Seu corpo se tensionou no mesmo instante, e seus olhos varreram cada canto da sala. Nada. Nenhuma mudança perceptível. Mas o som era real. Ele não estava ficando louco.

    “Aquele som… alguém esteve aqui. Mas quem?”

    Leonard respirou fundo, tentando controlar o impulso de se levantar de imediato. Em vez disso, deixou-se cair no sofá, forçando o corpo a parecer relaxado enquanto sua mente corria solta em mil direções.

    “Por que me chamaram de Damian? Eles nos veem como as mesmas pessoas que estavam na missão anos atrás?”

    Era um detalhe que não deveria importunar tanto, mas incomodava. Um nome não era apenas um nome. Um nome era uma identidade, era história. Era a linha entre o que se foi e o que se é.

    Mas e se aquela linha estivesse se apagando?

    “Como foi decidido esse nome? Existe um motivo aparente?”

    Leonard cruzou os braços, olhando para frente, mas não vendo nada. Quando seus olhos pousaram sobre a tela negra da televisão desligada, viu seu próprio reflexo ali. Seu rosto.

    Seu olhar, vago, perdido.

    E, por um instante, algo pareceu errado.

    Havia um atraso no reflexo? Uma sombra onde não deveria haver?

    Seu corpo congelou.

    Ele permaneceu ali, paralisado, encarando a própria imagem, sem ousar piscar. As dúvidas dentro de si tomavam forma, como serpentes se contorcendo no fundo, de um poço. Algo o incomodava, algo que ele ainda não conseguia nomear.

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