Capítulo 53 — Entre nós
O tempo se arrastava com uma lentidão insuportável. Leonard permaneceu imóvel, fixo diante do reflexo na tela apagada da televisão. Dez minutos. Talvez mais. O silêncio do cômodo se estendia como um lençol de chumbo, pesado, opressor, sufocante. Lá fora, o vento sussurrava contra as janelas, um murmúrio contínuo e distante.
“Merda… merda… merda… Por que isso está acontecendo?”
A pergunta reverberava em sua mente como um eco, mas não havia resposta. Apenas o desconforto rastejando sob sua pele, como se dedos invisíveis cutucando sua espinha, arranhando os cantos mais profundos da sua mente.
Ele queria se livrar daquela sensação, dissipá-la como fumaça ao vento, mas o ambiente recusava-se a oferecer qualquer conforto. O ar parecia mais denso, mais frio, como se uma presença silenciosa pairasse sobre tudo, aguardando.
O Wendigo não precisava estar ali fisicamente para estar presente. Sentia-se testado, instigado ao limite da sanidade, como um rato encurralado em um labirinto cujas saídas eram apenas ilusões.
Respirou fundo, tentando se recompor, mas Leonard percebia a rigidez do próprio corpo. Suas costas afundavam no sofá, as mãos cerradas sobre os joelhos, os músculos travados em uma tensão quase insuportável. Cada fibra do seu ser gritava que se mover seria um erro. Como se algo — ou alguém — estivesse esperando que ele cometesse essa falha insondável.
“Se eu mexer um músculo, o que acontece?”
A ideia lhe causava um pavor infantil, irracional e visceral. Ele não sabia. E esse era o verdadeiro problema: não saber. Não ter controle. Estava acostumado a enxergar os fios do destino, a tocar cada vertente do que poderia ser, a navegar entre as possibilidades como um jogador experiente manuseando as cartas de um jogo já vencido. Mas ali, agora, tudo lhe escapava.
Era cego.
E isso o apavorava.
Pela primeira vez, Leonard sentiu o gosto amargo da inutilidade. Sua maldição — aquela que o arrastara para um mundo de loucura e caos — falhava em lhe conceder qualquer vantagem agora. Era como se estivesse diante de algo maior, algo que ultrapassava as regras que conhecia, algo que não poderia ser manipulado ou evitado.
“Se eu não posso acessar os inúmeros futuros, o que eu faço?”
A dúvida latejava dentro dele como uma ferida aberta. Seu coração batia contra o peito, lento e pesado, e ele percebeu que estava prendendo a respiração.
Uma gota de suor deslizou pela bochecha dele, fria e fina como um fio de gelo. Percorreu sua bochecha, desenhou um caminho tortuoso até seu queixo, hesitou ali por um instante — e então caiu, desaparecendo no tecido escuro de sua calça.
Lá fora, o vento uivava. Na casa, o silêncio parecia crescer, expandir-se, como se algo estivesse prestes a se revelar.
Mas nada acontecia.
E essa ausência de resposta, essa espera insuportável, era a pior parte de todas.
O ar parecia denso, como se a própria atmosfera conspirasse para sufocá-lo. O tempo se esticava de maneira insuportável, e cada segundo trazia consigo uma nova camada de opressão, como se estivesse preso numa ampulheta onde a areia jamais terminava de cair. Cinco minutos se passaram. Talvez mais. Mas o ambiente não mudava, apenas se tornava mais hostil, um organismo vivo que respirava em silêncio, esperando.
A espera. Esse era o verdadeiro tormento. O aguardo interminável por um som, um movimento, um sinal de que não estava sozinho naquele jogo cruel. Ele não precisava de respostas concretas, não buscava sequer uma explicação racional — apenas algo, qualquer coisa, que o tirasse dessa prisão invisível. Havia algo errado ali. Havia sempre algo errado. Mas o que o destruía não era o medo do desconhecido, e sim a sua própria incapacidade de reagir a ele.
Leonard se sentia reduzido a uma marionete, os fios invisíveis amarrados em seus pulsos, puxados por mãos que ele não via. O Wendigo brincava com ele, testava seus limites, dançava em volta de seu desespero como um gato se divertindo com um rato à beira do abate. Não importava o que fizesse. Ele já estava no jogo, e a criatura ditava as regras. A pior parte? Ele obedecia sem questionar.
Mais vinte minutos se passaram. Ou foram vinte horas? O tempo se tornou abstrato, um borrão de nada. A única coisa que existia era a sensação incômoda de estar preso em uma realidade onde o mundo havia se distanciado um passo além do seu alcance. Mas então… algo mudou.
O som foi sutil, quase imperceptível, mas foi como se uma corrente fosse quebrada. O rangido de uma porta se abrindo no corredor cortou o silêncio como uma lâmina, rasgando a tensão sufocante que o envolvia. O peso sobre seus ombros cedeu. O mundo, que até um segundo atrás parecia um inimigo, se tornou suportável novamente.
E, como se tivesse emergido de um pesadelo lúcido, Leonard conseguiu se mover. Seus músculos, antes rígidos e tensos como ferro frio, responderam à sua vontade. Ele respirou — pela primeira vez em muito tempo, respirou de verdade.
Então a viu.
Katherine.
A visão dela era um alívio tão abrupto que Leonard quase duvidou da própria percepção. Seus olhos, acostumados à penumbra, estranharam a figura na moldura da porta, como se ela não devesse estar ali, como se estivesse fora de lugar dentro daquela atmosfera que até um segundo atrás parecia sufocá-lo por inteiro. Mas, de alguma forma, sua presença era como um feixe de luz cortando uma sala sem janelas — um rompimento abrupto na lógica daquele espaço.
Ele soltou o ar sem perceber que o prendia. A rigidez de seus membros cedeu, os músculos deixando de gritar contra a paralisia involuntária. O ambiente ao seu redor não havia mudado, a sala continuava a mesma — mas a pressão insuportável que se aninhava em sua nuca se dissipou, como se tivesse sido arrancada pelas próprias mãos invisíveis que o sufocavam.
Ela não precisou dizer nada. Não precisou perguntar por que ele estava ali, imóvel, encarando um reflexo apagado na televisão desligada. Só estar ali já bastava. Só existir já era suficiente para desarmar aquela presença silenciosa, aquele peso que ele não sabia nomear. Era uma sensação cruel e quase infantil de segurança: a ideia de que outra pessoa era o bastante para dissolver o mal, como se ele fosse um pesadelo do qual bastava acordar.
Mas então, um pensamento o atingiu.
Se a chegada de Katherine foi suficiente para afastar aquilo… isso significava que aquilo realmente estava ali.
Não era paranoia. Não era cansaço ou a sombra da neve do lado de fora, transformando seu isolamento em devaneios. Algo o observava. Algo estava com ele o tempo inteiro. Algo que se retirou porque percebeu que não estava mais sozinho.
Seu estômago se revirou.
Por quanto tempo aquilo esteve ali? O Wendigo brincava com ele? Testava sua resistência antes de revelar as cartas?
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