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    Mais tempo se passou, até que novamente, outra porta fora aberta no corredor, revelando um jovem de cabelos cor de marfim em estranhas ondas bagunçadas e seus devidos olhos castanhos-escuros. 

    Esse, que era o melhor amigo de infância de Leonard. 

    Também se mantinha em uma estranha sensação quando via um rapaz de cabelos cor de ônix e olhos tão cinzentos que refletiam o mundo que via como um espelho côncavo. 

    Já a mulher ao seu lado tinha suas devidas características distintas de Leonard. 

    Agarrada nos próprios joelhos, seu cabelo loiro tingido no dourado, seus olhos castanhos-escuros vidravam na televisão em frente a ambos, seus lábios estavam em uma posição estranha, como um estranho êxtase que a mulher sentia.

    Katherine parecia animada em passar tanto tempo em frente às telas. 

    “Pelo que me lembro, ela também estava assim ontem, não é?”

    Se aproximando mais dos outros, parecia que a atmosfera, antes opressora, começava a diminuir. O brilho estranho que se via nos olhos da mulher era preenchido por uma normalidade tremenda, junto do rapaz que começou a o fitar. 

    — Bom dia? — disse Liam, com a voz reprimida. 

    Simples palavras, fizeram ambos perderem o estranhamento que percorria cada uma de suas ações, alternando para sensações familiares e corriqueiras que o jovem percebeu inúmeras vezes. 

    Os lábios de Leonard se moveram, mas sua voz, antes reprimida, proliferou:

    — Bom dia, Liam, dormiu bem? — O tom da voz, embora causasse uma breve lembrança de calmaria, também servia como um alerta para algo que discutiram na noite anterior e agora deveriam aproveitar esse momento para discutir sobre isso. 

    Liam demorou alguns segundos antes de responder, coçando a nuca de forma distraída.

    — Dormi. — Fez uma pausa breve, os olhos castanhos-escuros passando de Leonard para Katherine e depois voltando à televisão. — Não sei se bem, mas dormi.

    A resposta pairou no ar por um instante, e Leonard percebeu que Katherine desviou o olhar da tela por um breve segundo, embora não tenha dito nada, antes de retornar para a sua fixação pela programação.

    O programa de culinária continuava, agora focado em uma receita que envolvia algum tipo de carne marinada em ervas exóticas. 

    O apresentador falava com entusiasmo, suas mãos gesticulando enquanto dissertava sobre os sabores complexos que a mistura proporcionava. Nenhum dos três parecia realmente interessado, mas ninguém mudava o canal.

    Liam se moveu com um certo peso, os músculos ainda presos à rigidez do sono, e se jogou no sofá ao lado de Leonard. 

    O estofado cedeu sob o peso e, por um momento, o cômodo se encheu apenas com o som abafado da TV.

    Leonard passou a língua pelos lábios, sentindo a garganta seca, e então se forçou a falar:

    — Ontem à noite… — começou, as palavras saindo devagar, como se ainda testasse o terreno.

    Liam soltou um suspiro e se recostou no sofá. Era de se esperar que esse assunto viesse à tona logo pelos primeiros minutos do dia.

    — É — disse apenas, um canto da boca se retorcendo em um esboço de sorriso irônico. — Aquilo deve ser discutido…

    Katherine não olhou para eles, mas Leonard viu a forma como os ombros dela tensionaram levemente. Ela ainda tinha os braços ao redor dos joelhos.

    — Complicado, não acho que devemos discutir isso agora… — murmurou ela, a voz soando mais arrastada do que o normal.

    Liam deu de ombros.

    — Quando discutiremos sobre então?

    Ela finalmente se virou, os olhos escuros avaliando-o de cima a baixo como se ele fosse um quebra-cabeça incompleto.

    — O horário que eu usaria não é apropriado para esta hora da manhã — disse, voltando a atenção para a televisão.

    Leonard exalou um riso pequeno. Havia algo absurdamente mundano naquilo, uma conversa banal entre amigos depois de uma noite esquisita.

    Mas era essa banalidade que o incomodava.

    A forma como a tensão simplesmente se diluía. Como se nada tivesse acontecido. Como se fosse normal.

    Como se fosse aceitável.

    Leonard se recostou no sofá, sentindo o peso reconfortante do estofado contra suas costas. Ele podia sentir o calor dos corpos ao seu lado, a presença deles sólida e real. E, por algum motivo, isso o fazia querer fechar os olhos e simplesmente esquecer qualquer coisa que não fosse aquele momento.

    Liam estalou os dedos, chamando a atenção dos dois.

    — Certo, então, café da manhã? — perguntou, já se inclinando para se levantar.

    Katherine arqueou uma sobrancelha, como se apenas agora tivesse percebido que ainda não haviam comido nada.

    — Se ainda houver algo que preste na cozinha — respondeu.

    — Vamos descobrir.

    E, assim, como se fosse a coisa mais natural do mundo, os três se levantaram e seguiram juntos para a cozinha.

    A cozinha os recebeu com o ar parado da noite anterior, um leve cheiro de café requentado ainda pairando no ambiente. A luz fraca da manhã filtrava-se pelas cortinas encardidas, pintando sombras alongadas sobre o balcão de madeira gasto.

    Liam foi o primeiro a se mover, abrindo a geladeira com um gesto preguiçoso. A luz amarelada do interior piscou por um instante antes de revelar um cenário pouco encorajador: um pote de iogurte meio vazio, algumas garrafas d’água, ovos solitários numa bandeja de isopor.

    — Bem — murmurou, pegando um dos ovos e examinando contra a luz —, pelo menos não tem mofo.

    — Isso não é exatamente um elogio — retrucou Katherine, encostando-se ao balcão, os braços cruzados sobre o peito.

    Leonard se aproximou e inclinou-se para ver melhor.

    — Temos pão?

    Liam deu de ombros e abriu um armário, tirando de lá um pacote de pão de forma parcialmente amassado.

    — Se ignorarmos o fato de que isso parece ter sido socado por um gorila, acho que serve.

    Katherine pegou o pacote das mãos dele, abrindo para inspecionar.

    — Está seco.

    — Torrada existe por um motivo.

    Ela o olhou de soslaio, mas não discutiu. Apenas tirou duas fatias e as jogou na torradeira com um clique seco.

    Leonard observava a cena, sentindo uma estranha sensação de familiaridade crescer dentro dele. Como se esse momento — essa conversa casual, esses gestos automáticos — fossem ecos de algo muito maior, muito mais antigo. Algo que sempre existiu, de alguma forma.

    — Quer café? — perguntou ele, já pegando a cafeteira.

    Liam se espreguiçou, bocejando.

    — Pelo amor de Deus, sim.

    Enquanto Leonard preparava o café, Katherine apoiou os cotovelos no balcão, observando os grãos caindo no filtro.

    — Você já se perguntou por que fazemos isso?

    Ele ergueu uma sobrancelha.

    — Café?

    — Não. — Ela balançou a cabeça levemente, um vestígio de sorriso nos lábios. — Isso. Essa rotina. Fingir que está tudo normal.

    Leonard se deteve por um instante, mas continuou servindo a água quente.

    — Porque é normal — respondeu, por fim.

    Katherine não disse nada, apenas olhou para o líquido escuro enchendo o bule de vidro.

    — É?

    — Se não for, então estamos ferrados.

    Liam riu, pegando uma caneca do escorredor.

    — Se não for, a essa altura já era.

    Leonard serviu o café e entregou a caneca a ele.

    Com isso, os três ficaram em uma estranha paz, mesmo que o mundo lá fora fosse destruído, esse pequeno momento de paz parecia valer a pena.

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