Capítulo 59 — O Inverno Que Nunca Veio
Acorde.
A palavra reverberava em sua mente como o eco de um sino distante, uma nota solitária vibrando em um vazio interminável. Mas acordar de quê? Leonard sentiu o peso da pergunta, uma âncora invisível amarrada à sua consciência. As folhas lá fora, caindo lentamente, pareciam seguir um ritmo estranho, cadenciado por uma força que ele não conseguia entender. Era como se o próprio inverno estivesse encenando uma peça que ele nunca ensaiou.
“Inverno?”
A palavra surgiu de novo, não apenas em sua mente, mas em seu corpo. O frio não era apenas externo. Ele vinha de dentro, uma sensação gélida que se enroscava em seus ossos. Pequenos fragmentos de memória — peças desconexas de um quebra-cabeça macabro — começaram a se alinhar. O vento, a neve, a televisão incessante com suas notícias sobre tempestades e desaparecimentos, e, mais do que tudo, a sensação crescente de algo deslocado, um erro fundamental que ele havia ignorado por tempo demais.
Leonard piscou, tentando afastar a névoa em sua mente. Chloe. Ele se lembrou das palavras dela: “Os três cavaleiros, a grande ceia, o Wendigo.” Um aviso sutil, mas urgente. Algo que soara como loucura na época, mas que agora parecia a verdade nua e crua.
Eles foram negligentes. Não viram os sinais porque não queriam ver. O que pareciam pequenos estranhamentos — como o cansaço extremo, as sombras que se alongavam demais, os sonhos que nunca terminavam — eram os sintomas de algo muito mais profundo. Uma manipulação mental, uma conspiração intricada e cruel que os mantinha presos.
Mas quem estava por trás disso?
Leonard olhou para as próprias mãos, mas o que viu foi estranho. Ele se sentia desconectado, como se fosse um impostor em seu próprio corpo. Um parasita alojado na própria vida. Um espectador em primeira pessoa, incapaz de controlar a história que se desenrolava diante de seus olhos. O vazio em seu peito crescia, uma escuridão que ameaçava engolir tudo.
— Não é inverno, — murmurou Leonard, com os lábios trêmulos. — O verão acabou de começar.
Mas essa era a revelação que o assustava mais. Não era apenas o clima que estava errado. Era o tempo, o espaço, tudo. Os dias e noites se misturaram em uma única massa indistinta. A memória não era confiável. Havia lacunas, buracos negros em sua mente, e ele não conseguia distinguir entre o real e o irreal.
Ninguém no grupo sabia realmente o que estavam enfrentando. E, sem perceber, haviam caído em uma conspiração velada.
Leonard ouviu os murmúrios novamente. Agora, não eram apenas vozes aleatórias. Eram palavras. Palavras que queriam que ele entendesse. Mas, ao invés de clareza, tudo o que ele sentia era o peso de um destino iminente.
Ele fechou os olhos.
Acorde.
Voltando para a cozinha, Leonard mal conseguia controlar a respiração. O ar parecia mais denso, e as sombras da casa continuavam a se arrastar como serpentes sobre o chão de madeira. O frio que o perseguira pelo corredor agora o envolvia completamente. No entanto, algo dentro dele havia mudado: uma faísca de determinação, um brilho breve de lucidez em meio à escuridão sufocante.
— Pessoal! A Claire não está no quarto. — Ele anunciou, com a voz cortando o ar gélido como uma lâmina.
Katherine, Cassiano e Liam se viraram lentamente para ele. Mas havia algo errado em seus olhos. Eles estavam pesados, vazios, como se fossem apenas cascas, meras marionetes de algo maior e invisível. Leonard sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
“Merda… Eu estava assim também?”
Por um momento, o silêncio reinou absoluto. Apenas o vento lá fora e o murmúrio incessante da televisão preenchiam o vazio. O programa continuava a repetir avisos sobre tempestades e desaparecimentos, mas agora parecia um eco distante, uma trilha sonora de pesadelo.
— O que você está falando? — Cassiano finalmente perguntou, sua voz arrastada e estranha, como se ele estivesse falando através de uma camada espessa de neblina. — Claire está dormindo… Você deve ter se confundido.
— Ela não está lá, — insistiu Leonard, dando um passo à frente. — Eu verifiquei. A cama nem sequer foi tocada.
Katherine soltou um suspiro, mas não parecia surpresa. Seu olhar, antes cansado, agora era indecifrável, como se estivesse segurando um segredo grande demais para carregar sozinha.
— Por que você acha que ela sumiu? — perguntou lentamente.
Leonard parou por um momento. As palavras vinham, mas não de sua boca. Elas vinham de um lugar profundo dentro dele, do sussurro que o chamava desde o momento em que acordara.
— Porque nada disso é real. Estamos presos, sendo manipulados… Alguém, ou algo, está nos mantendo nesse estado.
Liam riu, mas não havia humor em seu tom.
— Manipulados? Isso é loucura, Leo. Você precisa descansar.
Mas, diferente do que pensavam, Leonard não recuou. Ele viu, pela primeira vez, o mesmo vazio em todos os olhos deles. Um vazio que o aterrorizava. E, naquele instante, soube o que precisava fazer.
Ele caminhou até a janela da cozinha e empurrou as cortinas, deixando entrar a luz fria e branca do dia. Lá fora, o cenário era desolado. A neve cobria tudo, mas era uma neve morta, sem brilho ou vida. Era uma ilusão — a manifestação física da armadilha em que estavam presos.
— Olhem, — disse Leonard, apontando para fora. — Vejam a neve. Parece natural para vocês? Isso deveria ser verão.
Cassiano e Liam se entreolharam, a dúvida começando a corroer o transe em que estavam presos. Katherine apertou os olhos, como se tentasse se lembrar de algo importante.
— Isso não está certo — murmurou Katherine, levando a mão à têmpora. — Eu… lembro de algo diferente. Sol. Calor.
— Eles nos fizeram esquecer, — continuou Leonard, com um tom de voz mais firme agora. — Mas podemos acordar. Precisamos resistir a isso.
Katherine respirou fundo, o brilho de consciência começava a retornar aos seus olhos. Cassiano olhou para Leonard, a confusão dando lugar ao medo.
— Se estamos presos… quem está nos mantendo assim?
Ele caminhou até a televisão, arrancando o cabo da tomada com um único puxão violento. A luz da sala os envolveu novamente, dissipando parte das sombras sufocantes que orbitavam o cômodo.
— Não estamos mais — respondeu Leonard. — Estamos acordados agora.
Um a um, seus colegas começaram a se libertar. Katherine fechou os olhos, respirando profundamente antes de abri-los com uma nova clareza. Liam esfregou as mãos no rosto, como se afastasse um véu invisível. E Cassiano balançou a cabeça, como se acordasse de um longo e terrível pesadelo.
— Vamos encontrar a Claire — continuou Leonard, sua voz firme e determinada.
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