Índice de Capítulo

    O tempo dentro do restaurante parecia ter se dissolvido em uma névoa espessa, sem começo nem fim. Leonard não conseguia dizer se haviam se passado minutos ou horas desde que ele e Claire se abrigaram ali. 

    A luz que entrava pelas janelas embaçadas já carregava o tom âmbar e pesado do fim da tarde, e a investigação — se é que ainda podia ser chamada disso — não avançou em nenhum centímetro. 

    “Merda… Até quando ficará assim?”

    Leonard tamborilava os dedos contra a mesa de madeira áspera. A inércia o consumia com um certo tédio palpável, mas não a Claire. 

    — Vamos — disse ela, se levantando com a leveza de quem não carregava o peso da dúvida. Claire espreguiçou e os ossos estalaram suavemente, com isso, se virou para a proprietária do restaurante com um sorriso breve. — Obrigada pela hospitalidade. 

    Leonard demorou para reagir, seu corpo estava pesado como se estivesse encharcado de chumbo. Se levantando com um esforço visível, repetiu o gesto de Claire, mas sem a mesma leveza.

    — Muito obrigado mesmo por nos deixar aqui, enquanto chovia… — disse ele, os olhos fixos no rosto da mulher. 

    “Estranho…”

    Não era apenas o cansaço. Havia algo de errado com aquela face. Era como se uma névoa fina, quase imperceptível, pairasse entre ele e ela, borrando os traços. A boca se movia, mas os olhos pareciam distantes, como se pertencessem a outro corpo, outra alma. 

    “O que será que é isso?”

    Ao se virar, encontrou Claire o observando. Seu rosto estava sereno, quase impassível, mas havia uma centelha de curiosidade no olhar. Lá fora, a chuva havia cessado, e o silêncio que se seguiu era quase opressivo. 

    — Vamos? — perguntou Leonard, a voz mais rouca do que gostaria. 

    — Sim — respondeu Claire, com a voz seca, já se movendo em direção à saída. 

    Ele seguiu, com os passos pesados, mas a mente agora alerta. 

    A névoa no rosto da proprietária não o abandonava, e ele não conseguia decidir se aquilo era um presságio ou apenas o cansaço falando mais alto. Claire, à frente, parecia não notar — ou talvez não se importasse. 

    “Ela sempre foi assim”, pensou Leonard, “avançando enquanto eu fico preso nas névoas.” 

    Do lado de fora, o ar frio cortou seu rosto como uma lâmina. 

    A paisagem estava úmida, encharcada e o céu carregado ainda prometia mais chuva. 

    A neve que cobria o chão agora estava molhada, derretendo em manchas irregulares que refletiam a luz fraca do dia que morria. 

    Cada passo de Leonard afundava levemente no solo encharcado, e o som de suas botas contra a neve úmida ecoava como um tambor distante. 

    Claire caminhava à frente, seus passos firmes e decididos, como se o caminho já estivesse traçado em sua mente. Leonard, por outro lado, se sentia como um barco à deriva, levado por correntes que não entendia. 

    “Por que estamos fazendo isso?”, pensou ele, com os olhos fixos nas costas de Claire. 

    “O que estamos realmente procurando? E se não encontrarmos nada? E se encontrarmos algo que não queremos ver?” 

    As dúvidas se acumulavam em sua mente como a neve nos telhados das casas ao redor. 

    Ele tentou se lembrar do que os havia levado até ali, mas os detalhes pareciam desbotados, como uma pintura antiga exposta ao sol por muito tempo. 

    — Claire — chamou ele, a voz quebrando o silêncio pesado. 

    Ela parou, se virando lentamente. Seus olhos pareciam mais como dois lagos congelados, profundos e impenetráveis. 

    — O que foi? 

    Leonard hesitou. As palavras pareciam presas em sua garganta, como se temessem o ar livre. 

    — Você… você acha que estamos no caminho certo? 

    Claire olhou para ele por um momento, e então virou-se novamente, continuando a caminhar. 

    — Não temos escolha, Leonard. Escolher outro caminho talvez possa nos levar para um lugar totalmente diferente ou até nos perdemos. 

    Ele ficou parado por um instante, observando-a se afastar. 

    “Ela sempre sabe o que fazer”, pensou, com uma mistura de admiração e frustração. “E eu? O que eu sei?” 

    O caminho de volta para a casa onde estavam abrigados parecia mais longo do que ele lembrava. 

    A neve úmida grudava em suas botas, tornando cada passo mais difícil. O céu estava cinza e o vento frio soprava entre as árvores nuas, fazendo-as gemer como se estivessem em agonia. 

    Leonard olhou para o horizonte, onde o sol já começava a desaparecer, deixando para trás um rastro de luz fraca e triste. 

    “O que estamos fazendo aqui?”

    “O que eu estou fazendo aqui?” 

    Conforme Claire continuava à frente, sua figura envolta de cabelos ruivos contrastava com a neve branca e suja. 

    Leonard sabia que ela não pararia, não importa o quão difícil o caminho se tornasse. E ele? Ele seguiria, porque não tinha para onde mais ir. 

    “Até quando?”

    Leonard se perguntava a si mesmo, mas a resposta, como sempre, veio apenas em silêncio. 

    Quando finalmente chegaram à casa, a noite já havia dado seus indícios. A porta rangiu ao ser aberta, e o calor interno foi uma pequena dádiva após o frio cortante lá fora. Leonard entrou por último, fechando a porta atrás de si. 

    Claire já estava tirando o casaco, pendurando-o cuidadosamente em um cabide. Leonard a observou por um momento, tentando encontrar alguma resposta em seu rosto impassível. 

    “Ela nunca duvida”

    “E eu nunca paro de duvidar.” 

    Leonard sentiu o peso daquela frase como uma pedra amarrada ao peito. Seus olhos pousaram em Cassiano, sentado no canto da sala, imerso em um livro cuja capa parecia desfocar-se diante de seus olhos. 

    Era como se o título e as cores se misturassem, fugindo de sua compreensão. 

    “Isso só pode ser sono ou cansaço…” 

    Ele esfregou os olhos com as costas da mão. 

    Mas, ao se levantar, Leonard percebeu que não era apenas fadiga. Havia algo mais, algo que o consumia por dentro, como uma sombra que se arrastava silenciosamente atrás dele.

    Caminhou em direção ao quarto, os passos arrastados, o corpo pesado como se carregasse o mundo nos ombros. O sono parecia a única fuga possível, mas ele sabia que, mesmo dormindo, aquela inquietação o perseguiria. 

    Foi então, no silêncio do corredor escuro, que ele entendeu.

    O estranho não era o mundo ao seu redor — era ele mesmo.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota