Capítulo 81 — A Dança dos Sonhos Estilhaçados (2)

A realidade da situação desabou sobre Leonard como uma avalanche, esmagadora e implacável. Dessa vez, não haveria ajuda. Seus companheiros, aqueles que haviam vindo com ele justamente para desvendar o mistério, para enfrentar o desconhecido lado a lado, estavam ausentes. O silêncio ao seu redor era absoluto, e a solidão pesava mais do que qualquer outra coisa. Ele estava sozinho. Completamente sozinho.

E o motivo estava diante dele o tempo todo, claro como o céu vermelho que agora os envolvia, como um manto de sangue estendido sobre o mundo. A criatura não estava ali para entrar na casa. Ela não queria invadir seu refúgio, suas paredes, seu santuário. Não, o objetivo dela era muito mais profundo, muito mais pessoal.

Ele queria consumi-lo.

Leonard sentiu um frio cortante percorrer sua espinha enquanto a verdade se instalava em sua mente. Este lugar, este espaço distorcido e surreal, não era mais o mundo que ele conhecia. Não era mais Eden Hollow, com suas ruas silenciosas e suas casas aconchegantes. Não, este lugar era algo muito mais íntimo, muito mais visceral.

Era sua alma.

Os sonhos, sempre irregular e imprevisível, era o domínio dele. A criatura não estava limitada pelas regras do mundo que Leonard conhecia. Ele era um desejo antigo, uma entidade que existia além das barreiras dos sonhos e pesadelos. E agora, ele estava ali, diante dele, com seus olhos dourados brilhando como faróis em meio à escuridão. Cada movimento dela era calculado, cada respiração um sinal de sua presença avassaladora.

O Wendigo, estava presente.

O luar carmesim que banhava tudo ao seu redor, a lua crescente que pendia no céu como um olho sangrento, tudo isso era um reflexo do seu próprio ser. A paisagem distorcida, os fios vermelhos que pulsavam como veias, o ar pesado e carregado de presságios — tudo isso era ele. Suas dúvidas, seus medos, suas memórias. A criatura não estava apenas no mundo exterior; ela estava dentro dele, corroendo suas barreiras, infiltrando-se em cada canto de sua existência.

Leonard olhou para as mãos, que tremiam levemente, e depois para a marca em seu pulso. Ela pulsava em um ritmo lento e constante, como um coração agonizante. Ele sabia que não podia fugir. Não desta vez. A criatura era parte dele agora, tanto quanto sua própria sombra.

— Então era isso… — murmurou. — Esse tempo todo, você estava se preparando para me consumir. 

A criatura riu, um som rouco e gutural que ecoou como um trovão distante. Seus olhos dourados brilhavam com uma intensidade quase insuportável, fixos em Leonard como se conseguissem ver através dele, como se conseguissem ler cada pensamento, cada memória, cada medo.

— Você… finalmente… entende… — A voz dela era um sussurro rouco, mas cada palavra parecia ecoar diretamente na mente de Leonard, como se fosse parte dele. — Eu… já… estou… dentro… Sempre… estive…

Leonard sentiu um aperto no peito, como se algo estivesse tentando sair, como se a criatura estivesse puxando fios invisíveis dentro dele. Ele olhou para o céu vermelho, para a lua crescente que parecia observá-lo com uma indiferença cruel. Este era o seu domínio, o seu mundo interior, e a criatura estava transformando tudo em uma versão distorcida de si mesma. O Wendigo era algo além de sua compreensão, algo que não podia ser derrotado com força bruta ou coragem.

Ainda assim, ele avançou.

Os fios vermelhos tremeluziam ao seu redor, como se reagissem à sua determinação. Ele cortou o ar novamente, desta vez com mais força, mas a criatura simplesmente riu — um som rouco e gutural que ecoou como um trovão distante. Ela se moveu com uma graça grotesca, evitando cada golpe com uma facilidade que beirava o insulto.

— Você… não… entende… — A voz da criatura era um sussurro rouco, mas cada palavra parecia ecoar diretamente na mente de Leonard. — Eu… já… estou… dentro…

Leonard sentiu um frio percorrer sua espinha. Ele olhou para a marca em seu pulso, que agora pulsava em sincronia com os fios vermelhos ao seu redor. Ele percebeu, então, que a criatura não estava apenas lutando contra ele. Ela estava se infiltrando, corroendo sua existência, fio por fio.

— Não… — Ele tentou gritar, mas a voz falhou. O punhal fraturado em sua mão parecia mais pesado agora. Ele sabia que não podia parar. Não agora.

Com um grito de determinação, Leonard avançou mais uma vez, o punhal brilhando com uma luz fraca, mas persistente. Desta vez, ele não mirou a criatura. Em vez disso, ele cortou um fio vermelho, como se estivesse tentando se libertar de uma teia invisível.

O Wendigo rugiu, um som gutural que ecoou como um trovão distante, mas agora havia uma nota de desespero em sua voz. O céu vermelho acima deles tremeu violentamente, rachaduras luminosas se espalhando como teias de aranha através do firmamento. 

Leonard sentiu o chão sob seus pés se contorcer, como se o próprio mundo estivesse se rebelando contra a batalha que se desenrolava. A dor em seu peito era insuportável, uma agonia que queimava como fogo, mas ele não parou. Ele não podia parar.

— Se você está dentro de mim… — vociferou Leonard, sua voz ecoando com uma força que ele não sabia que possuía, — então eu vou te arrancar de dentro para fora…

Ele avançou, o punhal fraturado em sua mão brilhando com uma luz intensa, como se alimentado por sua própria determinação. Os fios vermelhos que conectavam tudo ao seu redor tremeluziam, pulsando com uma energia caótica. 

Leonard os cortou um por um, cada golpe mais desalinhado do que o último. A cada fio que caía, ele sentia uma parte de si mesmo se despedaçar, mas também sentia a presença da criatura enfraquecer.

— Você… não… pode… escapar… — A voz do Wendigo era mais fraca agora, mas ainda carregava uma ameaça implacável, como um sussurro venenoso que insistia em persistir. — Eu… sou… parte… de você…

Leonard ignorou as palavras, focando apenas nos fios que restavam. Ele sabia que não podia hesitar. Cada corte era uma libertação, uma reivindicação de sua própria alma. O céu vermelho acima deles começou a se despedaçar, pedaços de luz carmesim caindo como estrelas cadentes.