Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura:
Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!
Capítulo 88 — Velozes e Acidentados
Calli sentiu um frio percorrer sua espinha, lento e calculado, como se uma mão invisível tivesse deslizado por suas vértebras, dedo por dedo, antes de se fechar em um aperto que não era totalmente físico. A sensação era familiar, quase um eco do que ele experimentara dentro daquele espaço dourado — aquele lugar onde o tempo e a lógica pareciam se dobrar sob a vontade de alguém que não ele.
“Retrocedendo? Foi isso o que ela fez comigo?”
A pergunta surgiu antes que ele pudesse pará-la, brotando de algum lugar profundo e desconfortável dentro de seu peito, onde dúvidas e memórias distorcidas se agitavam como sombras em água turva. Ele não sabia ao certo o que havia acontecido ali, naquela dimensão dourada onde Aurora brincava com as regras da realidade como uma criança ajustando as peças de um quebra-cabeça. Mas agora, observando a garota desfazer os danos no beco como se estivesse rebobinando um filme, uma parte dele se contorcia com a possibilidade perturbadora.
E se ele também tivesse sido reorganizado?
E se partes dele — pedaços de sua mente, de sua história, de seu próprio corpo — tivessem sido desmontadas e remontadas sem que ele percebesse?
A ideia era absurda. Paranoica. Mas não impossível.
— Uff… Aí está, titio!
A voz de Aurora cortou seus pensamentos como uma faca quente, brilhante e afiada. Ela se movia com uma energia contagiante, pulando em direção a Víctor como um raio de sol materializado. Seus braços se abriram em um abraço que ele retribuiu com um sorriso — um daqueles raros, preciosos momentos em que a frieza habitual do homem se dissolvia, revelando algo quase humano por baixo.
Era uma cena que deveria ser reconfortante.
E era.
Mas também doía.
Calli não conseguia explicar por quê. Talvez fosse a maneira como Víctor acariciou o cabelo de Aurora, os dedos dele se perdendo nos cachos dourados com uma familiaridade que só anos de convivência poderiam criar. Ou talvez fosse o jeito que Alice sorriu ao vê-los, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo — como se abraços, risadas e carinho fossem parte de um ritual cotidiano, tão comum quanto respirar.
Era uma dinâmica que ele reconhecia, mas da qual nunca fizera parte.
Uma família.
Algo que ele e Leo nunca realmente tiveram.
— Bom, agora que ambos estão prontos, posso finalmente dizer mais sobre a missão.
A voz de Víctor trouxe Calli de volta à realidade como um golpe seco. Ele prendeu a respiração, forçando os pensamentos intrusivos a se dissiparem. Sabia que o que viria a seguir seria importante — talvez uma das coisas mais importantes que ele ouviria em muito, muito tempo.
— Vocês dois irão atrás deste item.
Víctor tirou uma foto de dentro do paletó, o movimento tão suave que parecia quase teatral. A imagem deslizou sobre o balcão em direção a Calli, parando exatamente onde seus dedos poderiam alcançá-la, como se o próprio universo tivesse calculado a trajetória.
A primeira vista, Calli não conseguiu identificar o que era. A imagem mostrava algo escuro, irregular, com veias que se contorciam em padrões quase orgânicos — como se estivessem vivas, pulsando sob a superfície da fotografia. Mas então, ao se inclinar, seus olhos se ajustaram, e o que ele viu o fez hesitar.
Era um coração.
Pelo menos, parecia ser um.
Roxo, quase negro em algumas áreas, com uma textura que lembrava carne, mas também algo mais — como se fosse feito de sombra solidificada, de trevas condensadas em matéria. E, mesmo sendo apenas uma foto, Calli podia jurar que o via pulsar, como se ainda estivesse vivo. Como se estivesse respirando.
— O que é isso?
A pergunta escapou antes que ele pudesse pará-la, mas ele já tinha uma vaga ideia da resposta. Algo sobre aquela imagem evocava uma memória que não era sua, um fragmento de conhecimento que agora habitava em seu sangue, herdado de um passado que não lhe pertencia.
Dessa vez, porém, não foi Víctor ou Thalya quem respondeu.
Foi Alice.
A garota mais velha, que até então permanecera em silêncio como uma estátua, ergueu os olhos para ele. Quando falou, sua voz era suave, quase melódica, mas carregada de um peso que fez o ar ao redor parecer se densificar, como se as próprias moléculas estivessem se comprimindo sob o significado das palavras.
— Isso é um Vesúvia.
Ela fez uma pausa, os lábios se fechando por um instante, como se estivesse escolhendo as próximas palavras com o cuidado de quem manuseia uma bomba prestes a explodir.
— Por meio desse coração, se abriu uma porta para outra dimensão. Um lugar onde espíritos malignos — mais próximos de demônios do que de qualquer outra coisa — surgem em busca de alimento.
Calli sentiu o sangue esfriar em suas veias, uma corrente gelada se espalhando por seu corpo como um rio de gelo.
“Alimento.”
A palavra ecoou em sua mente, e por um breve instante, ele teve a certeza absoluta de que Alice não estava falando de carne ou sangue.
Ela estava falando de algo muito pior.
— A alma?
Sua voz soou mais rouca do que ele esperava. Embora não dominasse os detalhes sobre o componente primordial que sustentava a existência de uma pessoa, ele *sentia* a conexão ali, como um fio invisível ligando aquele coração sombrio a algo muito mais profundo. Muito mais perigoso.
Alice respondeu com uma casualidade que quase soava forçada, mas até nela era possível perceber uma reação sutil — um tremor quase imperceptível nos dedos, um breve aperto nos olhos. Medo? Talvez. Respeito? Certamente.
— Sim. Eles se alimentam das almas daqueles que se aventuram nesses locais, atraindo os de mente fraca para o seu território e… os devorando.
De repente, Calli sentiu um choque, uma sacudida violenta em seu sistema nervoso, como se um fio desencapado tivesse sido enfiado em sua espinha.
Ele se lembrava.
Já esteve em um desses lugares.
As memórias voltaram em fragmentos distorcidos — um labirinto de sombras, um grito que não era seu, uma criatura com dezesseis “olhos” fixos nele, cada um piscando em um ritmo diferente. E o livro. O maldito livro onde Asharoth residia, esperando como uma aranha no centro de sua teia.
— Entendi…
Sua voz saiu mais firme do que ele esperava, considerando o turbilhão dentro dele. Ele se virou para a saída, os músculos tensos, como se estivesse se preparando para correr — ou para lutar.
— Bom, vamos, Thalya? Acredito que você já saiba onde é…
— Sei sim — respondeu à garota, girando em seus calcanhares com uma agilidade felina. Mas então ela parou, como se tivesse se lembrado de algo. — Ah, certo. A chave. Com quem está, Víctor?
O homem não respondeu com palavras. Em vez disso, jogou a chave no ar, um movimento rápido e preciso. Thalya a pegou com facilidade, os dedos se fechando em torno do metal como uma armadilha se fechando sobre sua presa.
— Vamos lá, bebê chorão! — Ela animou, se espreguiçando como um gato antes de começar a caminhar, girando a chave em um dos dedos com uma destreza irritantemente natural.
Calli ficou parado por um segundo, processando o apelido.
“Bebê chorão…? Sério isso?”
Ele suspirou, profundamente, como se estivesse expelindo toda a frustração acumulada naquele único gesto, antes de seguir Thalya para fora do beco. Um carro preto e velho os esperava, enferrujado em alguns lugares, mas com um motor que roncava como uma fera adormecida.
— Essa vai ser a sua primeira vez andando no Destruidor de Demônios! Sinta-se privilegiado, hein.
Calli olhou para o veículo, depois para Thalya, e então de volta para o veículo.
“Esses nomes estão cada vez piores…”
— Certo… — ele começou, hesitante. — Você pelo menos sabe dirigir?
Um silêncio pesado caiu entre eles. Thalya olhou para ele, ele olhou para ela. Os olhos dela piscaram uma vez, duas vezes.
— É claro, coff… coff… — Ela tossiu, desviando o olhar.
Calli a encarou.
Ela continuou evitando seu olhar.
O silêncio se esticou até se tornar quase físico.
— Nem fudendo… — murmurou, já sentindo o início de uma dor de cabeça se formando em suas têmporas.
Thalya riu, abrindo a porta do motorista com um floreio exagerado.
— Relaxa, eu só bati quatro carros até agora.
Calli fechou os olhos.
“Estou morto.”
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