Capítulo 40 – A Mensagem
Quando Anayê saiu do casarão, viu o mestre sentado no chão de pernas cruzadas mascando uma folha de hortelã.
Um sol reluzente brilhava sob as flores coloridas da ilha dando um belo contraste para o cenário.
Ele levantou a cabeça para ela e disse:
— Foi ainda mais rápido do que pensei.
— Obrigado.
— Ora, não me agradeça, eu não fiz nada.
— Você… Vocês me trouxeram até aqui e finalmente pude me livrar daquela marca. Como não agradecer?
— Pensando por esse aspecto… aceito a sua gratidão. Meus alunos, Boyak e Thayala, sempre são atenciosos no cumprimento de suas missões, ainda mais quando o assunto é salvar pessoas.
Anayê deu outra espiada na casa deixada para trás. Por um instante, teve vontade de voltar e agradecer aos três mais uma vez. Ou quem sabe aquele sentimento não passasse de uma vontade inconsciente de continuar com eles por mais tempo.
— Agora me ajude a levantar, por favor.
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Ela estendeu a mão e ajudou o velho a se colocar em pé.
— Você me parece bem melhor — o mestre comentou. — Seu rosto está quase brilhando de alegria.
Dessa vez, Anayê não se envergonhou por ser transparente. Na verdade, queria mostrar a face da liberdade estampada em seu rosto.
— Oh! E retornará com presentes? — o velho perguntou notando que ela trazia uma caixa de madeira bem polida.
Ela assentiu, relembrando o pedido do Inventor e do Escriba.
— Não são para mim — falou enquanto começava a acompanhar o mestre de volta a ponte de corda. — Eu já recebi meu presente.
— O Deus sem face adora presentear, faz parte do seu jeito de ser.
— Percebi.
— Fiquei sabendo do seu desejo de se tornar uma ceifadora — o mestre revelou evitando pisar em uma planta. — Isso é um pouco raro por aqui.
— O Guerreiro disse que o senhor poderia me treinar.
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— Oh, sim, eu posso, embora esteja ficando velho demais para isso.
Os dois finalmente entraram na ponte. Porém, diferente da primeira vez, Anayê não sentiu medo ou remorso, nem sequer ouviu a voz de seu irmão falando. A ponte não balançou, nem vento algum soprou.
Quando chegaram do outro lado e Anayê se virou para vislumbrar novamente a ilha flutuante, foi tomada de repentino espanto. Não havia mais ponte ou ilha, tudo não passava de uma imensidão vazia povoada por pequenas nuvens e algumas aves.
— O efeito do fluido está passando — o mestre explicou. — Algumas coisas ficam invisíveis sem o efeito dele, pois falta de discernimento à mente.
Anayê continuou fitando, incrédula. De repente, era como se tudo aquilo fosse parte de um sonho, um sonho muito real e vívido, estranho e deslocado ao mesmo tempo.
— Mas não precisa se preocupar, voltará a se encontrar com o Deus sem face, com certeza. E nós voltaremos à ilha flutuante em breve.
Ela assentiu e aceitou o fato, embora ainda se sentisse estranha.
— Você pode descansar e entregar os presentes ao destinatário. Depois falaremos de seu treinamento.
— Obrigada, mestre.
De repente, foi cercada por uma euforia ao pensar em sua tarefa de entregar os presentes. Foram-lhe dadas palavras específicas destinadas ao presenteado.
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Ela caminhou na direção de seu destino. Os passos parecendo apressados inconscientemente, o peito começando a acelerar e as mãos a suar.
Anayê atravessou o casarão e entrou no quarto do ceifador com um sorriso estampado no rosto. Entretanto, o cômodo estava vazio.
Saiu procurando pela casa, mas acabou por encontrá-lo na parte de trás do terreno, sentado em frente a fonte de fluido azul.
Seu cabelo branco estava bagunçado, sua camisa marrom abarrotada e não estava calçando sapatos ou chinelos.
Ela correu na direção dele e sua chegada foi recebida com um sorriso, muito embora seu rosto estivesse visivelmente pálido.
— O retorno triunfal de Anayê — ele falou com um tom alegre.
— Bom dia! Eu te procurei pela casa toda.
— Sabe como sou, odeio ficar parado em cima de uma cama. Precisava respirar um pouco de ar fresco.
— Fico feliz que esteja bem.
— Ora, não falemos mais de mim nesse estado deplorável. Vejo que finalmente se livrou daquela marca terrível.
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Anayê assentiu e tirou alguns fios de cabelo para mostrar melhor.
— Tão novo quanto pele de bebê — o ceifador comentou.
— Foi tão… diferente de tudo que eu já imaginei.
— Sempre é assim.
— Acho que nunca mais serei a mesma pessoa depois desse dia.
— Tenho certeza que não. E fico muito feliz que tenha conseguido.
— Eu não teria chegado aqui sem você.
— Eu sei — ele falou de forma orgulhosa. — Ouço isso sempre.
Ela sorriu. Sentira falta daquele senso de humor.
— Eu nunca tinha pensado direito em um Deus — revelou. — Mas as minhas referências eram péssimas.
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— Estando nas terras devastadas, as referências ficam realmente confusas.
— Mas, sabe, se tivesse imaginado, gostaria que fosse algo parecido com os Três Que São Um.
— Seria uma imaginação e tanto — ele franziu o cenho. — Duvido que exista alguém em todo o mundo que consiga pensar em algo assim. Eu mesmo já andei por muitos lugares desse continente e já ouvi falar de muitos deuses, mas nenhum com tal complexidade. É uma noção dificilmente encontrada na mente dos homens.
— Você está certo, acho que é impossível para nós conceber essa ideia.
Os dois ficaram em silêncio por um instante, cada um absorvendo a revelação do Deus sem face que tivera.
— E o que você ganhou? — Boyak perguntou apontando para a caixa nas mãos dela.
— Hã? Ah! Eu me distraí e acabei esquecendo disso — ela estendeu o objeto para ele. — Deus me pediu para entregar esse presente em suas mãos.
O ceifador estreitou os olhos. Por um momento, permaneceu sem reação, e depois pegou a caixa. Ela estava habilmente entalhada e moldada, e não era pesada.
— Antes de abrir, bem, eles me pediram para te entregar uma mensagem também.
Ele assentiu para que ela continuasse.
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Anayê suspirou, relembrando a frase do Escriba: “Entregue a mensagem palavra por palavra, isso é muito importante.”
— Estou aguardando a sua visita, você não veio nos ver desde que Isa e Ingrid se foram.
As mãos do ceifador estremeceram ao ouvir aqueles nomes.
— Este presente é uma forma de dizer que nos importamos e que aquela tragédia não foi culpa sua. Sentimos sua dor e trabalhamos para transformar esse acontecimento terrível em bem. Volte, filho, espero por você.
Boyak estava tremendo. Sua face, anteriormente pálida, agora era quase transparente.
Repentino, ele abriu a caixa em um piscar de olhos.
Anayê ficou consternada com a reação dele. Pensava que tudo seria diferente, que veria a alegria se instaurar no ceifador. Porém, aquela faceta de Boyak era desconhecida e estranha.
Os olhos dele se encheram de lágrimas quando visualizaram o item dentro da caixa. E, um instante depois, Boyak estava chorando como uma criança diante de uma moça desentendida e perdida.
Anayê espiou dentro da caixa esperando ver alguma coisa que respondesse as suas dúvidas.
Entretanto, tudo o que viu foi um laço de cabelo feminino, amarelo, provavelmente pertencente a uma criança por causa do tamanho.
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E naquele objeto tão pequeno estava todo o coração do ceifador.
É muito bom ter você aqui!
Espero que esteja curtindo a jornada de Boyak e Anayê.
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