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    Nos dois dias seguintes, Ingrid não dirigiu nenhuma palavra para Boyak, embora ele tivesse tentando falar com ela muitas vezes.

    Suspeitava que ela estivesse planejando uma ação audaciosa e perigosa como se vingar por conta própria.

    E ele estava certo ao pensar dessa forma.

    Certa manhã, ao acordar, descobriu que ela havia roubado um cavalo e fugido.

    Boyak desconfiava do lugar para onde ela fora, então seguiu em seu encalço.

    Mesmo assim, quando chegou a propriedade de Jutred já era tarde demais. Ficou sabendo que uma intrusa tinha encontrado o barão sozinho na floresta e havia arrancado sua cabeça.

    Um misto de sentimentos atacou o ceifador. Por um lado, sempre vira sua esposa como uma pessoa decidida e forte, mas também gentil e compreensiva. Era inconcebível imaginar Ingrid ferindo outra pessoa.

    Ele se perguntava quanto mais aquela tragédia ia mexer com as suas pessoas amadas.

    O ceifador partiu e procurou por Ingrid nos arredores da região, temendo pela segurança dela. Não queria julgá-la ou condená-la, apenas encontrá-la e ficar ao seu lado.

    A culpa pela perda da filha somada à fuga de Ingrid fez Boyak perder de vista todo o restante e se lançar numa busca cega por sua esposa durante dois meses.

    Toda vez que parecia estar perto, tudo desmoronava. Às vezes, não era ela. Às vezes, era informação errada. Mesmo assim, ele continuou.

    Entretanto, Boyak nunca mais viu sua mulher. E não encontrou vestígios, nem da morte ou do paradeiro dela.

    Foram os meses mais complicados de sua vida, com noites em claro, pensamentos de arrependimento e culpa somados a pesadelos terríveis.

    Após esses meses de procura, o ceifador foi persuadido por Thayala a retornar para as Colinas Verdes. 

    Vencido pelo cansaço físico e emocional, ele voltou e fixou sua moradia com seu mestre.

    Mas, naquela altura, Boyak tinha um plano em mente, o plano mais audacioso de toda a sua vida. E guardou em segredo esse plano por quase dois anos inteiros enquanto maquinava as suas próximas ações.

    Ele pensava poder se vingar do principal responsável por toda aquela desgraça e não imaginava mais o barão ao falar disso. Sua mente enxergava Astaroth e suas aberrações.

    Se ele desse um grande golpe no império do lorde sombrio, talvez pudesse iniciar uma revolução capaz de acabar com as aberrações. E, quem sabe, sua ação não se tornasse também redenção.

    O ceifador treinou seu corpo e sua mente para dobrar o seu uso de fluido de oração. No entanto, não consultou ninguém a respeito de suas próprias intenções, nem mesmo os Três.

    Porém, não imaginava que o mestre começou a desconfiar de toda a sua dedicação aos treinamentos, muito embora com o tempo, seu aluno tivesse voltado a ser o brincalhão de sempre.

    Em uma manhã, sentado na grama ao lado do mestre, Boyak inventou uma viagem até a cidade neutra, contudo, desconfiado de suas intenções, o mestre pediu a verdade.

    — Sei que está planejando alguma coisa — o velho revelou.

    Primeiro, a feição do ceifador ficou séria e depois ele sorriu.

    — Você descobriria cedo ou tarde, imaginei.

    — Desembucha logo.

    — Vou atacar Astaroth.

    O mestre quase saltou da cadeira onde sentava ao ouvir.

    — Estou falando sério, garoto idiota.

    — E eu também.

    Houve um momento de silêncio enquanto o mestre tentava decifrar seu aluno.

    — Se realmente vai fazer isso, você não passa de um tolo. Vai morrer, está me ouvindo?

    — Primeiro, vou destruir uma de suas torres para causar uma confusão na fortaleza. Em seguida, me dirijo até a torre principal e mostrar minha cara para o lorde sombrio. Isso vai surpreendê-lo, com certeza.

    — Essa é a coisa mais estúpida que você já disse.

    Boyak deu de ombros.

    — Você não tem noção do que está enfrentando — o velho advertiu. — Astaroth não é como as aberrações que você enfrentou em Gluran, nenhum ceifador jamais chegou perto dele. Enfrentar seus generais e sair vivo já seria um grande feito para qualquer ceifador, mas enfrentar um dos lordes das terras sombrias e sobreviver seria um milagre.

    — Mestre, se ninguém tentar, ninguém vai conseguir — Boyak retrucou. — Deixamos Astaroth achar que é muito poderoso e, por isso, ele não se sente ameaçado. Precisamos dar um susto nele.

    — Astaroth não precisa se achar poderoso, ele é. Há mais de uma década, ninguém desafia sua soberania. Nem mesmo as outras aberrações se atreveram a desafiá-lo. E agora, você, um ceifador estúpido, quer derrotá-lo? Bah! Não me faça rir.

    — Se não puder vencê-lo, pelo menos vou assustá-lo. Astaroth vai saber que ainda existem ceifadores nesse mundo e, alguns loucos o bastante para enfrentá-lo em sua própria fortaleza.

     — Você é mesmo um cabeça-dura! — o mestre acertou a cabeça dele com uma bengala.

    — Ai! — o jovem ceifador passou a mão no local atingido.

    — Eu não te treinei para morrer dessa forma tola, nem em uma missão suicida por causa desse orgulho teimoso. Essa sempre foi sua principal qualidade e seu defeito primordial, achar que pode fazer qualquer coisa.

    Outra bengalada.

    — E você não pode, seu idiota!

    — Ei, isso dói!

    — Talvez coloque um pouco de juízo nessa sua cabeça oca.

    Então, disposto a desfazer o objetivo de seu aluno, o velho tocou na ferida:

    — Você não precisa fazer isso por causa da sua família. Não precisa provar nada para ninguém, nem tomar uma atitude estúpida para se justificar. Aquilo não foi culpa sua.

    — Não é só por eles — retrucou, determinado. — É por causa de cada pessoa que já sofreu nas mãos dessas aberrações. Vou esfregar a minha mensagem na cara do grande lorde.  — Ele desenhou a frase seguinte no ar com o braço. — Ainda existe um ceifador idiota o bastante para desafiá-lo.

    E, mesmo o mestre não conseguiu dissuadi-lo.

    Boyak não esperava mais voltar para as Colinas Verdes. Seu ataque à fortaleza era tudo ou nada.

    Enquanto todos dormiam, o ceifador partiu rumo ao seu destino.

    Agora, voltando ao presente depois de revisitar suas memórias, segurando o presente dos Três e chorando muito, Boyak estava tomado por uma força além do remorso, era a certeza de que a culpa nunca havia sido um caminho bom, mas mesmo assim, o Deus Sem Face usara aquilo para o bem de muitos.

    Anayê fitava-o com os olhos violetas expressivos. E seus olhos se abriram mais ainda quando uma fumaça cinzenta começou a escapar da boca do ceifador.

    — Boyak? — ela chamou.

    Ele pareceu não escutar, pois continuava chorando copiosamente.

    A fumaça se tornou mais densa e se espalhava até mesmo das lágrimas dele.

    — Boyak!

    Ele ergueu a cabeça e Anayê deu dois passos para trás.

    Os olhos do ceifador estavam tomados pela densa fumaça cinzenta como um redemoinho de poeira e caos.

    A fumaça cercou-o, dançando ao redor dele.

    E, de repente, Anayê conseguiu ver uma figura cinzenta emergindo da fumaça com contornos fortes e robustos.

    Uma cópia exata de Boyak.

    É muito bom ter você aqui!
    Espero que esteja curtindo a jornada de Boyak e Anayê.

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